Programas de ação afirmativa: análise de casos concretos

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Páginas81-120
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CAPÍTULO IV
PROGRAMAS DE AÇÃO AFIRMATIVA:
ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS
Neste capítulo, minha pretensão é discutir, a partir de casos concre-
tos, as questões teóricas que venho apresentando nos capítulos anteriores,
analisando programas de ação af‌i rmativa que tiveram por objetivo propor-
cionar o acesso a bens sociais específ‌i cos: educação e trabalho, para in-
divíduos pertencentes a classes menos favorecidas, em um caso, e para
integrantes de grupos vulneráveis, pessoas com def‌i ciência e indígenas,
nos dois seguintes.
Essa mesma discussão, adianto, f‌i z de forma segmentada em textos
isolados, que foram publicados a partir de 2008, principalmente, com as alte-
rações necessárias para não só adaptar os textos a este livro, mas também
para atualizar, até onde necessário, as questões e os fatos debatidos.
É que, passado algum tempo, já é possível aferir, em parte, o resul-
tado dos programas sob análise, no entanto, não em sua totalidade, pois
todos ainda estão em curso ou, até, foram alterados, como será visto, mas,
nenhum deles foi def‌i nitivamente concluído, embora possa ter mudado o co-
mando normativo que lhes deu origem.
Mais importante que tudo, então, é discutir a conveniência de cada um
dos programas que serão analisados, a partir dos critérios para a validade
geral de medidas de ação af‌i rmativa que defendo, embora os resultados,
ainda que parciais, façam parte desta análise.
Registro ainda que a escolha dos casos não é aleatória, pois em todos
participei de forma direta, quer atuando na implementação das medidas, quer
construindo a proposta inicial. Assim, conheço razoavelmente os programas,
o que, em boa medida, facilita o trabalho de realizar a análise.
4.1. Cotas sociais
Tem-se denominado de cotas sociais os programas de ação af‌i rmativa
que são instituídos com o objetivo de criar vagas específ‌i cas, via de regra,
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na área da educação superior, para pessoas que pertencem às classes
socioeconômicas mais baixas.
Esses programas, então, levam em consideração uma vulnerabilidade
decorrente da renda e, em geral, garantem o acesso a esse bem, a educação
superior, repito, às pessoas que estudaram ao menos o ensino médio em es-
cola pública ou, também, com alguma frequência, ainda aos que estudaram
o ensino médio em escola particular na condição de bolsistas, embora não
seja o caso do programa que vou analisar abaixo.
Os programas, então, não consideram, como será visto adiante, a vul-
nerabilidade por uma razão de exclusão, mas sim de desigualdade.
Exemplo disso, a respeito do que me ocuparei daqui em diante(213), foi a
Resolução n. 3.361, de 5 de agosto de 2005, do Conselho Superior de En-
sino e Pesquisa — Consep, da Universidade Federal do Pará — UFPA, que
prescreveu:
RESOLUÇÃO N. 3.361, DE 5 DE AGOSTO DE 2005
Estabelece normas para o acesso de estudantes egressos da escola pública, contem-
plando cota para negros, aos cursos de graduação da Universidade Federal do Pará.
O REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, no uso das atribuições que lhe
conferem o Estatuto e o Regimento Geral, em cumprimento à decisão do Egrégio Con-
selho Superior de Ensino e Pesquisa, em sessão extraordinária realizada no dia 5 de
agosto de 2005, e em conformidade com os autos do Processo n. 23506/2004-UFPA,
procedentes da Pró-reitoria de Ensino de Graduação (PROEG), promulga a seguinte
RESOLUÇÃO:
Art. 1º Fica aprovada a reserva de 50% (cinquenta por cento) das vagas dos cursos de
graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA), oferecidas no Processo Seletivo
Seriado (PSS) a estudantes que cursaram todo o Ensino Médio em escola pública.
§ 1º Do percentual de vagas a que se refere o caput deste artigo, no mínimo, 40% (qua-
renta por cento) serão destinadas aos candidatos que se declararem pretos ou pardos e
optarem por concorrer ao sistema de cotas referente a candidatos negros.
§ 3º A reserva de vagas a que se refere o caput deste artigo terá vigência por um período
de 5 (cinco) anos, ao f‌i nal do qual será avaliado.
Art. 2º A Universidade Federal do Pará assume o compromisso de estabelecer uma po-
lítica de permanência aos candidatos que nela ingressarem conforme esta Resolução.
(213) A base do texto adiante apresentado foi publicada, como artigo, denominado Ação af‌i r-
mativa: primeira análise da medida adotada pela Universidade Federal do Pará para os cursos
de graduação, na Revista A Leitura. Caderno da Escola Superior da Magistratura do Estado do
Pará, Belém, v. 1, n. 1, p. 40-48, nov. 2008. Aqui aproveitei boa parte da discussão, fazendo as
alterações necessárias, especialmente para a atualização da discussão.
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Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua aprovação. Reitoria da Universi-
dade Federal do Pará, em 5 de agosto de 2005 Prof. Dr. Alex Bolonha Fiúza de Mello.
Reitor
Presidente do Conselho Superior de Ensino e Pesquisa
A Resolução estabeleceu um programa de ação af‌i rmativa na educação
superior, de caráter, ao menos inicialmente, temporário, com o objetivo de
reservar 50% das vagas dos cursos de graduação para estudantes que tives-
sem cursado todo o ensino médio em escolas públicas, sendo que, desse uni-
verso, 40% foram destinadas a candidatos negros, o que, pela classif‌i cação
utilizada, no Brasil, pelo Instituto Brasileiro de Geograf‌i a e Estatística — IBGE,
constitui um grande grupo que inclui os que se declaram pretos e pardos(214).
O programa, não obstante tenha entrado em vigor em 2005, teve sua
aplicação, na prática, remetida para 3 anos depois. É que, como o processo
seletivo da UFPA, à época da Resolução, tinha como sistemática ser dividido
em 3 fases, ao longo de 3 anos, o ingresso dos alunos benef‌i ciados pelas
cotas foi postergado. A primeira fase do processo seletivo, depois de apro-
vada a Resolução, ocorreu em 2006, a segunda, em 2007, e a terceira em
2008. Consequentemente, a Resolução só produziu o efeito de possibilitar o
ingresso de alunos benef‌i ciados com as cotas em 2008.
Nesse sentido, essa medida de ação af‌i rmativa foi incluída no Edital
n. 16/2007, da Comissão Permanente de Processos Seletivos (Copers), ór-
gão da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação da UFPA. O Edital, destinado
a reger o Processo Seletivo Seriado — PSS 2008, no item 2, destinado às
vagas ofertadas, estabeleceu o seguinte:
1. DO TOTAL DE VAGAS OFERTADAS NA CAPITAL E NO INTERIOR DO ESTADO
1.1. No PSS 2008, a admissão dos candidatos será feita com base no critério classi-
f‌i catório, por curso de opção (Decreto n. 99.490, de 20 de agosto de 1990, e Portaria
Ministerial n. 837, de 31 de agosto de 1990), até o preenchimento das vagas f‌i xadas
pelo CONSEPE, conforme quadro anexo a este Edital.
1.2. De acordo com a Resolução n. 3.361, de 5 de agosto de 2005, do Conselho Supe-
rior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), 50% das vagas de cada curso serão
(214) A Resolução aqui discutida foi gestada, inicialmente, de forma distinta, tendo sido em
um primeiro momento pretendida a criação de ações af‌i rmativas para negros (20% das va-
gas), além de para indígenas e quilombolas (1 vaga por curso), mais apoios pedagógicos
para estudantes negros e carentes e para professores da rede escolar da educação básica.
Essa foi a posição do grupo de trabalho que construiu a proposta. Depois, no processo de
discussão e votação da questão, no Consep, a proposta foi alterada, dando origem à Resolu-
ção n. 3.361/2005. Registro desde logo que, na implementação do programa só participei na
condição de professor do Curso de Graduação em Direito, quando f‌i cou claro que o desnível,
em termos de conhecimento e aproveitamento, entre cotistas e não cotistas não era aparente,
sendo difícil identif‌i car, em sala de aula, os respectivos integrantes.

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