O afeto enquanto valor jurídico estruturante dos deveres parentais

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O AFETO ENQUANTO VALOR
JURÍDICO ESTRUTURANTE
DOS DEVERES PARENTAIS
A compreensão de como o afeto inseriu-se no contexto do Direito de Família
requer uma análise da modicação dessas estruturas, tendo-se em vista que esse
direito é reexo da evolução dos modelos familiares e do contexto social em que
se inserem bem como do direito a que se preza socialmente em determinado
momento para regular as questões relacionadas ao instituto família. É nesse
sentido que, na busca de um sentido do que é família, Giselda Hironaka elabora
a impossibilidade de apresentar uma armação centrada no verbo “ser” e expõe
a questão de acepção sociológica de que as famílias estão relacionadas com um
“vir a ser”, pelo que o conceito será observado a partir do tempo, local e modo
de apreensão.1
1.1 OS PARADIGMAS DA FAMÍLIA E DO CASAMENTO
Etimologicamente, o termo “família” deriva do latim famulus, expressão que
designava originariamente os servos domésticos na Roma Antiga, ampliando-se
posteriormente para se referir a pessoas ligadas a uma determinada casa2 – en-
tenda-se, a uma determinada linhagem. Historicamente, a família é a primeira
sociedade natural a ser formada pela união entre homem e mulher em que se
realiza uma construção comparativa com a relação do senhor e do escravo:3 não
sem motivo, a família romana não se constituía tendo por pressuposto básico a
afetividade, mas sim a perpetuação da linhagem e do culto aos deuses domésticos.
Ainda, a família se estruturava a partir do modelo patriarcal, a ponto de se adotar
1. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O conceito de família e sua organização jurídica. In:
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Tratado de Direito das Famílias. 3 ed. Belo Horizonte: IBDFAM,
2019, p. 57.
2. BUENO, Francisco de Silveira. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São
Paulo: Brasília, 1974, p. 1338-1339.
3. ARISTÓTELES. Política. E-book, São Paulo: Martin Claret, 2001, s. p.
ALIENAÇÃO PARENTAL: RESPONSABILIDADE CIVIL • Luiz Goiabeira, Fernanda rosa e Fernanda dirscherL
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como regra a submissão dos familiares ao pai ou marido,4 o qual detinha poder
de vida e morte sobre cada um dos membros da família.
Friedrich Engels apresenta quatro momentos de evolução para a família.
No primeiro, observa-se que a consanguinidade é relegada a segundo plano e as
relações entre as pessoas eram livres, dado que a busca da família era em relação
à autopreservação e procriação da espécie, não havendo o estabelecimento de
direitos e deveres.5 Essa primeira fase, como trata John Gilissen, seria o agrupa-
mento dos dois sexos, mesmo que temporariamente.6
A segunda fase refere-se à família punaluana, na qual as relações de pa-
rentesco já começavam a apresentar um caráter limitador: passou-se a evitar os
relacionamentos incestuosos, de forma a que houvesse uma melhor organização
da estrutura família.7 Esta segunda fase estaria relacionada com uma época de
matriarcado, em que as mulheres exerciam o poder sob os lhos8 principalmente
pelo fato de se poder determinar com precisão a maternidade e, assim sendo,
saber-se quem gerou e por isso ser a mãe merecedora de respeito e obediência,
dado que, lado outro, a paternidade seria duvidosa exatamente pela poligamia
das relações sexuais existentes à época.
A terceira fase refere-se à família sindiásmica, em que há a regulação da
poligamia na intenção de busca uma constituição de verdade biológica, em que
se tornava possível a certeza de paternidade.9 Essa fase pode ser vislumbrada
como uma fase pré-monogâmica, em que se iniciam as construções sociais para
a consolidação da monogamia como regra estruturante familiar, sendo então a
família monogâmica10 a última fase, uma regra estruturante que persiste até os
dias atuais.
Michel Foucault faz uma importante consideração da construção da insti-
tuição família, que se relaciona diretamente com as fases apresentada por Engels:
discorre que as relações poligâmicas alteraram na sociedade por um “dispositivo
de aliança”, em que se congura a existência de um sistema matrimonializado
que se estabelece em relação ao parentesco, observando a manutenção do nome
familiar e dos bens patrimoniais dentro de um núcleo:
4. ENGELS, Friedrich. A Origem da família, da propriedade Privada e do Estado: trabalho relacionado
com as investigações de L. H. Morgan. 9. ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira S.A., 1984, p. 35.
5. Op. cit., p. 38.
6. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Trad. António Manuel Hespanha e Manuel Luís
Macaísta Malheiros. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 38.
7. ENGELS, Friedrich. Op. cit., p. 39.
8. GILISSEN, John. Op. cit., p. cit.
9. ENGELS, Friedrich. Op. cit., p. 49.
10. Op. cit., p. 61.

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