Responsabilidade civil decorrente da alienação parental

Páginas41-112
3
RESPONSABILIDADE CIVIL
DECORRENTE DA ALIENAÇÃO
PARENTAL
De acordo com Bruna Barbieri, são os exemplos parentais que levam ao
estabelecimento de padrões pelos lhos para a própria vida, de modo que há a
possibilidade de um maior peso para a destinação da própria vida, realização
pessoal e satisfação interior, bem como inuencia na determinação e estabele-
cimento das relações para a família futura, de forma positiva e negativa.1 Nesse
ponto, observa-se que a alienação compromete de forma signicativa a “gera-
ção do amanhã”, tendo em vista que esses danos, em verdade, são transferidos
por gerações e gerações, devendo inclusive ser observados como problemas de
saúde pública de extrema relevância e que devem ser observados por estudos
interdisciplinares.2
Frise-se que comumente a Alienação Parental alcança tal nível de gravidade a
ponto de o lho desenvolver certa aversão à gura do genitor alienado, resistindo
assim naturalmente – isto é, sem mais a inuência do alienante – ao respectivo
convívio. Essa resistência não raras vezes provoca uma apressada análise da situ-
ação, fazendo com que o Poder Judiciário, ainda que involuntariamente, auxilie
o alienante: alguns juízes chegam até mesmo a deferir a suspensão do regime de
visitas, sendo tal suspensão o quanto basta para que se tenha a síndrome instalada
em caráter denitivo.3
Bem assim, os danos causados à criança e ao adolescente podem, a depender
do grau de realização dos atos de alienação parental, ser irreversíveis, e alteram
de forma signicante o desenvolvimento mental e psíquico bem como o físico
quando das consequências siológicas que podem ser atingidas por serem vítimas
da alienação parental, eis que:
1. WAQUIM, Bruna Barbieri. Op. cit., p. 262.
2. BASTOS, Alder Tiago. A saúde mental da criança vítima de alienação parental. Curitiba: Brazil Pu-
blishing, 2019.
3. FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. Síndrome de alienação parental. Pediatria. São Paulo-SP,
2006, n. 28, v. 3, p 165.
ALIENAÇÃO PARENTAL: RESPONSABILIDADE CIVIL • Luiz Goiabeira, Fernanda rosa e Fernanda dirscherL
42
[...] assim como os atos de AP consistem em uma “lavagem cerebral” contínua e gradual, os
sintomas da SAP também podem se manifestar em diferentes graus: leve (exemplo, dizer que
“não está a m” de sair com o pai ou mãe), moderado (alegar que o pai ou mãe é agressivo),
intenso (aversão total, medo, hostilização, inclusive assimilar a crença de que foi abusado
sexualmente pelo pai ou mãe).4
Contudo, a análise do dano perante as relações familiares é de complexa
análise, tendo-se em vista a ausência de convergência das conceituações e a pers-
pectiva de eventual reparação civil a ser aplicada no caso concreto, bem como
a gradação dos danos diferencia pelo tempo e forma de exposição dos atos de
alienação parental, devendo ser por isso analisados de forma cautelosa a m de
que se verique a medida e a extensão da necessidade da reparação dos danos
causados. A diculdade se dá principalmente pela ideia de atribuição de eventual
pecúnia a relações privadas que possuem essencialmente vínculos afetivos, bem
como pela adoção de um caráter compensatório e punitivo-pedagógico que,
em sede de Direito de Família e notadamente no âmbito da alienação parental,
revela-se insuciente.
Além disso, há uma diculdade jurídica de se arrematarem denominações
que não compõem a ciência do direito, devendo-se buscar outras áreas de estudos
para que se compreenda a construção de institutos que possam ser incorporados
e compreendidos pela análise do direito, como o afeto ou questões que versam
sobre o campo da psicologia, bem como levar em consideração as modicações
históricas e sociais no campo do direito de família, as quais impõem a aplicação
de termos que estejam em consonância com as novas entidades familiares na
contemporaneidade.
3.1 O DANO NO CONTEXTO DA ALIENAÇÃO PARENTAL
O termo “dano” tem origem no latim damnum, e de forma genérica se refere
a um mal ou ofensa causado por uma pessoa a outrem,5 redundando juridica-
mente num prejuízo causado por alguém a outrem em razão de ação ou omissão.
A análise do dano verica inicialmente a violação de um bem jurídico, con-
secutindo destarte numa lesão. Nesse mister, o prejuízo pode ser material, quando
incide sobre o conjunto de coisas pertencentes ao lesado, resultando em perda
ou frustração de ganho – isto é, quando há dano emergente ou lucro cessante –;
e extrapatrimonial, conforme se abstraia da conotação material e adentre numa
perturbação ao âmago da personalidade da vítima, aqui se inserindo a violação
4. SILVA, Denise Maria Perissini. Genealogia..., p. 57.
5. SILVA, De Plácido e. Op. cit.
43
3 • RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA ALIENAÇÃO PARENTAL
dos direitos fundamentais ao afeto, à afetividade e a dignidade da pessoa humana,
bem como os direitos da personalidade e congêneres.
Bem a propósito é o escólio de José de Aguiar Dias:
O interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano é a causa
geradora da responsabilidade civil. Seu fundamento deveria, pois, ser investigado em
função daquele interesse, que sugere, antes de tudo, o princípio da prevenção, sem excluir,
naturalmente, outros princípios, que o completam. Encontra-se, portanto, em suas raízes, a
razão primeira da responsabilidade penal e da responsabilidade civil.6
De fato, a indenização pecuniária por si não é a única forma de reparação
civil em razão de violações de direitos, fazendo-se necessária então uma análise
de condutas que podem ocasionar em danos extrapatrimoniais e as respectivas
alternativas de reparação por parte daquele que violou direito alheio. Isto porque,
a partir da compreensão dos elementos que ensejam na conguração da conduta
danosa, verica-se que os danos comumente associados às relações familiares são
os de cunho extrapatrimonial, possuindo em comum a ideia de ofensa ao estado
anímico, psicológico ou espiritual da pessoa7 como determinante à conguração.
Com efeito, Ihering já assentava tal mister ao relacionar direito, justiça e a dor
como matéria-prima do direito, enfatizando a dor como lesão de direito do sujeito:
É a dor que contém, em si, a matéria prima do direito. A dor que a lesão do direito produz no
homem, traz, em seu interior a autoconssão forçada e intuitiva do que o direito represen-
ta, não só para o indivíduo, como para a sociedade, este momento especial que traz, sob o
aspecto da reação psicológica do sentimento humano, mais forte revelação do sentido e
da essência do direito, do que a que decorre de anos contínuos de pleno gozo dos direitos
subjetivos. [...] Diante da lesão do direito, a forte reação do sentimento de justiça é a prova
probatíssima de seu estado de saúde. A sensibilidade, ou seja, a capacidade de sentir dor
ante a lesão ao direito, e a reação, ou seja, a coragem determinada de repelir a agressão, são,
a meus olhos, os dois critérios, segundo os quais se compreende a existência de um evidente
sentimento de justiça.8
Destarte, sem se desconsiderar o dano patrimonial que porventura possa vir
a ocorrer,9 o dano precípuo oriundo das violações por atos de alienação parental
6. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 12. ed. rev., atual. e ampl.. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011, p. 43.
7. ANDRADE, André Gustavo Côrrea de. A evolução do conceito de dano moral. Revista da Escola de
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Rio de Janeiro-RJ, v. 6, n. 24, 2003, p. 145.
8. IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Tradução e notas por Tavares Bastos. Edição Kindle. Mon-
tecristo Editora, 2020.
9. Deve-se obser var também a possibilidade in casu de dano material, frisando-se em tal mister o decrés-
cimo de patrimônio (dano emergente) ou a frustração de algum ganho patrimonial (lucro cessante)
em razão da alienação parental. Tem-se por exemplo os gastos realizados com atendimento médico
e psicológico voltados para a reparação dos danos psicológicos causados na criança pela alienação
parental, onde o genitor alienado não possui condições para os respectivos pagamentos e, uma vez

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT