Análise econômica das execuções fiscais: o protesto extrajudicial da certidão de dívida ativa como alternativa à litigância excessiva

AutorRafhael Wasserman
Páginas185-225
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CAPÍTULO 6
Análise econômica das
execuções f‌i scais
O protesto extrajudicial da certidão de dívida
ativa como alternativa à litigância excessiva
Rafhael Wasserman
1.INTRODUÇÃO
Um novo artigo sobre o problema do número exacerbado de execuções f‌i s-
cais em trâmite na Justiça brasileira não aparenta ser dotado de qualquer
ineditismo. Artigos publicados em meios especializados ou orientados ao
público em geral reiteradamente noticiam que parte expressiva do total dos
processos atualmente em curso são executivos f‌i scais, cujo volume exces-
sivo colabora para a morosidade do sistema de Justiça.
Ocorre que o elevado ajuizamento não conduz à conclusão de que se
trata de um ef‌i ciente método de recuperação de créditos inadimplidos. Pelo
contrário, a inef‌i ciência das execuções f‌i sca is foi diagnosticada em inúmeros
estudos. Observa-se ainda, com relativa frequência, a propositura de exe-
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DIREITO E ECONOMIA: ANÁLISES APLICADAS
cuções f‌iscais cujos valores exigidos são ín f‌imos, trazendo dúvidas se essas
demandas são aptas a proporcionar o resultado esperado pelo exequente.
Procuram-se encontrar respostas ao seguinte questionamento: consi-
derada a notória inef‌iciência das execuções f‌iscais como instrumentos de
cobrança de débitos, quais fatores justif‌icam o contínuo ajuizamento de
novas demandas pela Fazenda Pública?
Pretende-se demonstrar no presente artigo a presença de um desali-
nhamento entre custos fazendários e públicos envolvidos no litígio, nesses
incluídos os suportados pelo Poder Judiciário. A decisão da Fazenda Pú-
blica de propor (ou não) uma demanda mediante a exclusiva comparação
entre o valor esperado e as despesas por ela incorridas resulta em uma
tendência de excessiva litigância fiscal. A introdução dos custos jurisdi-
cionais externalizados revela que uma parcela das execuções fiscais não
proporciona o resu ltado pretendido, recomendando a adoç ão de medidas
alternativas capazes de maximizar os interesses arrecadatórios voltados
à recuperação de créditos inadimplidos.
Iniciar-se-á a investigação pela apresentação da protagonista do pre-
sente artigo, a execução f‌iscal, indicando sucintamente seu mecanismo de
funcionamento e pontuando algumas regras às quais se submete. Na se-
quência, será descrito o cenário no qual a execução f‌iscal se insere, a part ir
do relatório Justiça em números, de 2020, do Conselho Nacional de Justi-
ça, cujos dados revelam que esse método de cobrança é um dos pontos de
estrangulamento da justiça brasileira. Em momento posterior, o artigo se
debruçará sobre a doutrina dedicada à teoria da escolha racional, indicando
quais fatores são sopesados pelo agente ao decidir por ajuizar (ou não) uma
nova demanda. Em item subsequente, o modelo será adaptado, consideran-
do as especif‌icidades da execução f‌iscal, e, em seguida, alguns incentivos
sistêmicos à litigância f‌iscal serão exa minados. A questão dos custos supor-
tados pelo Poder Judiciário será tema do item posterior, no qual a pondera-
ção entre benefícios e custos envolvidos no litígio será repensada. Por f‌im,
o protesto extrajudicial de certidão de dívida ativa será apresentado como
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ANÁLISE ECONÔMICA DAS EXECUÇÕES FISCAIS
um instrumento mais apto a alca nçar as preferências fazendárias e reduzir
as externalidades negativas advindas da litigância f‌iscal.
2. AS EXECUÇÕES FISCAIS EM NÚMEROS:
UM RETRATO DA INEFICIÊNCIA DO
MÉTODO PROCESSUAL ADOTADO
As execuções f‌iscais, identif‌icadas como o principal i nstrumento processual
à disposição das Fazendas Públicas (municipais, estaduais e federal) para
exigir dos contribuintes o adimplemento de suas dívidas, são vistas como
um dos principais gargalos do sistema de Justiça.
Regulada pela Lei nº 6.830/80 (LEF), a execução f‌iscal objetiva a cobrança
da dívida ativa dos entes públicos de direito interno não adimplida volunta-
riamente pelo sujeito passivo da relação jurídica tributária.1 Pressupõe um
título executivo extrajudicial, a certidão de dívida ativa, de emissão uni-
lateral pela própria autoridade fazendária, a qual contempla, entre outros
elementos, o nome do devedor, o valor da dívida, o termo inicial e a forma
de cômputo de juros moratórios e demais encargos, além da origem, da na-
tureza e do fundamento legal da exação (art. 2º, § 5º e 6º).
Munida do título que formaliza o crédito tributário (art. 784, IX, do
Código de Processo Civil),2 compete à procuradoria ajuizar a demanda
executiva, a qual se encontra submetida a regramento específ‌ico, atraindo
apenas subsidiariamente as prescrições encartadas no Código de Processo
Civil (art. 1º da LEF). Diverge das demais execuções em alguns aspectos, den-
1. Não se olvida que o proced imento regulado pela Lei nº 6. 830/80 é voltado para dívida s tributá-
rias e não tribut árias. Não obstant e, o presente artigo se dedi ca ao exame apenas das pr imeiras.
Ainda, não corres pondem ao foco desse estudo as execuçõ es f‌iscais promovidas por ente s dis-
tintos, como cons elhos de f‌iscalizaç ão prof‌issional.
2. Para f‌in s de simplif‌icação, opta-se por empr egar a denominação “créditos tr ibutários” aos valo-
res que são objeto de cobra nça pela Fazenda Pública , embora sejam passíveis de e xigência, além
de a tributos inad implidos, como dívidas rel ativas a multas.

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