O apoio às pessoas com deficiência em tempos de coronavírus e de distanciamento social

AutorRaquel Bellini de Oliveira Salles
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Civil pela Università di Camerino, Itália. Professora-Associada de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Coordenadora do projeto de extensão 'Núcleo de Direitos das Pessoas com Deficiência' da UFJF. ...
Páginas271-288
O APOIO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
E DE DISTANCIAMENTO SOCIAL1
Raquel Bellini de Oliveira Salles
Mestre e Doutora em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Especialista em Direito Civil pela Università di Camerino, Itália. Professora-Associada
de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Co-
ordenadora do projeto de extensão “Núcleo de Direitos das Pessoas com Deciência”
da UFJF. Advogada. E-mail: raquel.bellini@ufjf.edu.br.
“Houve no mundo tantas pestes, como as guerras. E, contudo, as pestes,
como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas.”
(Albert Camus, A Peste, 1947)
Sumário: 1. Introdução: a realidade das pessoas com deciência no contexto da pandemia – 2.
O sistema de apoios às pessoas com deciência em face da Covid-19: antigos desaos em novo
cenário – 3. Considerações nais: a adversidade como oportunidade – 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO: A REALIDADE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO
CONTEXTO DA PANDEMIA
O presente trabalho propõe-se a levantar ref‌lexões sobre o sistema de apoios
às pessoas com def‌iciência em tempos de coronavírus e de distanciamento social,
partindo de percepções da realidade brasileira e de constatações baseadas em relatos
de pessoas com def‌iciência, seus familiares, prof‌issionais assistentes e organizações
da sociedade civil.2
Por ocasião da pandemia do vírus A – H1N1, há alguns anos, adveio o alerta
para o fato de que
O mundo está diante das primeiras ‘pestes globalizadas’, cuja velocidade de contágio, sem prece-
dentes, é inversamente proporcional à lentidão da política do direito. A aceleração do trânsito de
1. O presente trabalho trata-se de republicação do artigo de mesmo título publicado originariamente in MON-
TEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo, ROSENVALD, Nelson, DENSA, Roberta, (Coord.). Coronavírus e
responsabilidade civil. Indaiatuba, SP, Editora Foco, 2020.
2. Registra-se especial agradecimento às pessoas e instituições que, com seus relatos, contribuíram para o
presente trabalho em parceria com o projeto de extensão “Núcleo de Direitos das Pessoas com Def‌iciência”
da UFJF, entre elas o Grupo de Apoio a Pais e Prof‌issionais de Pessoas com Autismo – Gappa JF, Instituto
Aviva, Instituto Bruno Vianna, Alae – Associação de Livre Apoio ao Excepcional, Grupo Brasil de Apoio ao
Surdocego e ao Múltiplo Def‌iciente Sensorial e Associação dos Cegos de Juiz de Fora.
DEFICIENCIA E OS DESAFIOS PARA UMA SOCIEDADE INCLUSIVA_VOL 02.indb 271DEFICIENCIA E OS DESAFIOS PARA UMA SOCIEDADE INCLUSIVA_VOL 02.indb 271 24/05/2022 16:46:2924/05/2022 16:46:29
RAQUEL BELLINI DE OLIVEIRA SALLES
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pessoas e de mercadorias reduz os intervalos entre os fenômenos patológicos de grande extensão
em número de casos graves e de países atingidos, ditospandemias. Assim, tratar apandemiagripal
em curso como um espetáculo pontual é um grande equívoco.3
A pandemia do novo coronavírus, porém, vem impondo ao mundo a necessi-
dade de enfrentamento de desaf‌ios nunca antes imaginados. As particularidades da
Covid-19 incitam a medicina e as políticas públicas a conceberem medidas efetivas de
prevenção e controle, sobretudo considerando a signif‌icativa facilidade de contágio
e rapidez da disseminação, a evolução de muitos casos para a síndrome respiratória
aguda grave, a insuf‌iciência de aparelhos de ventilação mecânica e de leitos hospita-
lares de tratamento intensivo e a alta letalidade entre os mais vulneráveis, sobretudo
idosos e pessoas com doenças de base ou crônicas.
As medidas de precaução e de distanciamento social recomendadas pela ciência
médica e pela Organização Mundial de Saúde4, ratif‌icadas por ações governamentais
amplamente adotadas5, impactaram profundamente na rotina, no trabalho, nas fontes
de renda, na circulação de pessoas e coisas, no mercado e na dinâmica social como um
todo. Para as pessoas com def‌iciência, que já vinham enfrentando dif‌iculdades para
a efetivação do modelo social inclusivo6 preconizado pela Convenção das Nações
Unidas de 20077 e pela Lei Brasileira de Inclusão de 20158, a situação mostra-se ainda
3. DALLARI, Sueli e VENTURA, Deisy, in A era das pandemias e a desigualdade, disponível em: https://www1.
folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3107200908.htm. Acesso em: 09 abr. 2020. Vale ainda transcrever a seguinte
ref‌lexão das citadas especialistas, que serve também ao momento presente: “(...) A pandemia pode trazer,
ainda, a estigmatização de grupos de risco ou de estrangeiros, favorecendo a cultura da insegurança, pois o
medo é tão contagioso quanto a doença. Por tudo isso, urge revisar o papel da OMS no sistema internacional
e retomar o debate sobre a criação de um verdadeiro sistema de vigilância epidemiológica no Brasil, apto a
regular a eventual necessidade de restrições a direitos humanos e a organizar a gestão das pandemias com
a maior transparência possível”.
4. Cf. https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019. Acesso em: 09 abr. 2020.
5. No Brasil, a Lei 13.979, publicada no D.O.U. em 07.02.2020, estabeleceu medidas de distanciamento social
para enfrentamento da emergência de saúde pública, e o Decreto Legislativo n. 6, publicado no D.O.U. em
20.03.2020, reconheceu, para os f‌ins do art. 65 da Lei Complementar n. 101, de 04.05.2000, a ocorrência
do estado de calamidade pública.
6. Fazendo uma contraposição com os modelos anteriores, Heloisa Helena Barboza e Vitor Almeida af‌irmam.
In: BARBOZA, H. H.; ALMEIDA JUNIOR, V. de A. Reconhecimento, inclusão e autonomia da pessoa com
def‌iciência: novos rumos na proteção dos vulneráveis. In: BARBOZA, H. H.; MENDONÇA, B. L. de; AL-
MEIDA JUNIOR, V. de A. (Coord.). O Código Civil e o Estatuto da Pessoa com Def‌iciência. Rio de Janeiro:
Editora Processo, 2017, p. 17-23: “O primeiro, se não o mais importante, efeito da adoção do modelo
social consiste em promover a inversão da perspectiva na apreciação da def‌iciência, que deixa de ser uma
questão unilateral, do indivíduo, para ser pensada, desenvolvida e trabalhada como relação bilateral, na
qual a sociedade torna-se efetivamente protagonista, com deveres jurídicos a cumprir. (...) Depreende-se,
portanto, que o desaf‌io na tutela integral das pessoas com def‌iciência reside na inef‌icácia social das normas
que decorre em boa medida de sua invisibilidade e não reconhecimento, eis que desde a década de 1980 já
existe legislação específ‌ica, mas a situação pouco avançou na defesa dos direitos desse grupo vulnerável”.
7. Referida Convenção foi ratif‌icada pelo Brasil em 2008 e entrou em vigor em agosto de 2009 por força do
Decreto 6.949 de 25 de agosto de 2009, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/decreto/d6949.htm, acesso em: 29 set. 2018.
8. Lei 13.146 de 6 de julho de 2015, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/
lei/l13146.htm#art127, acesso em: 29 set. 2018.
DEFICIENCIA E OS DESAFIOS PARA UMA SOCIEDADE INCLUSIVA_VOL 02.indb 272DEFICIENCIA E OS DESAFIOS PARA UMA SOCIEDADE INCLUSIVA_VOL 02.indb 272 24/05/2022 16:46:2924/05/2022 16:46:29

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