Arbitragem e mediação no direito coletivo
Autor | Mauricio Godinho Delgado |
Páginas | 1762-1785 |
CAPÍTULO XXXVIII
ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO NO DIREITO COLETIVO
I. INTRODUÇÃO
A arbitragem, como fórmula de solução de confl itos na sociedade, tem
sido prestigiada em certas ordens jurídicas (EUA, por exemplo). O mecanismo
atua em áreas diversas, como Direito Comercial/Empresarial, Direito Civil e,
até mesmo, Direito do Trabalho.
No Brasil, entretanto, sua prática ainda não se mostrou frequente em
qualquer campo do Direito, embora permitida e incentivada pela ordem
jurídica.
A mediação, a seu turno, como técnica de aproximação de partes em
confl ito, em busca da resolução do litígio, por meio dos métodos próprios
existentes, sempre foi prestigiada no País, inclusive no Direito Coletivo do
Trabalho.
II. MEIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: AUTOTUTELA,
AUTOCOMPOSIÇÃO, HETEROCOMPOSIÇÃO
São distintos os métodos de solução de confl itos interindividuais e
sociais conhecidos no mundo ocidental contemporâneo. Classifi cam-se,
basicamente, em três grandes grupos: autotutela, autocomposição e hete-
rocomposição.
A diferenciação essencial entre tais grupos encontra-se nos sujeitos
envolvidos e na sistemática operacional do processo de solução do confl ito. É
que, nas duas primeiras modalidades (autotutela e autocomposição), apenas
os sujeitos originais em confronto é que tendem a se relacionar na busca da
extinção do confl ito, o que dá origem a uma sistemática de análise e solução
da controvérsia autogerida pelas próprias partes (na autotutela, na verdade,
gerida por uma única das partes).
Na última modalidade (heterocomposição), ao invés, verifi ca-se a inter-
venção de um agente exterior aos sujeitos originais na dinâmica de solução
do confl ito, o que acaba por transferir, em maior ou menor grau, para este
agente exterior a direção dessa própria dinâmica. Ou seja, a sistemática de
análise e solução da controvérsia não é mais exclusivamente gerida pelas
1763C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
partes; porém transferida para a entidade interveniente (transferência de
gestão que se dá em graus variados, é claro, segundo a modalidade hetero-
compositiva).
1. Autotutela
A autotutela ocorre quando o próprio sujeito busca afi rmar, unilateralmente,
seu interesse, impondo-o (e impondo-se) à parte contestante e à própria comu-
nidade que o cerca. Como se vê, a autotutela permite, de certo modo, o exercí-
cio de coerção por um particular, em defesa de seus interesses. Não é por outra
razão que a antiga fórmula da justiça privada correspondia à mais tradicional
modalidade de autotutela.
Contemporaneamente, a cultura ocidental tem restringido, ao máximo,
as formas de exercício da autotutela, transferindo ao aparelho de Estado
as diversas e principais modalidades de exercício de coerção. Conforme
argutamente exposto pela doutrina, “o extraordinário fortalecimento do
Estado, ao qual se aliou a consciência da sua essencial função pacifi cadora,
conduziu, a partir da já mencionada evolução do direito romano e ao longo
dos séculos, à afi rmação da quase absoluta exclusividade estatal no
exercício dela. A autotutela é defi nida como crime, seja quando praticada
pelo particular (“exercício arbitrário das próprias razões”, art. 345, CP), seja
pelo próprio Estado (“exercício arbitrário ou abuso de poder”, art. 350)”(1).
Essa signifi cativa restrição à sistemática autotutelar de gerenciamento de
confl itos tem isolado, como esporádicas exceções, no Direito contemporâneo,
algumas poucas situações hipotéticas de exercício direto válido da coerção
por particulares. No Direito Civil brasileiro é o que se passa, ilustrativamente,
com a legítima defesa (art. 160, I, CCB/1916; art. 188, I, CCB/2002), com o
desforço imediato, no esbulho possessório (art. 502, CCB/1916; art. 1.210,
§ 1º, CCB/2002) e, por fi m, com a apreensão pessoal do bem, no penhor
legal (art. 779, CCB/1916; art. 1.470, CCB/2002).
No Direito do Trabalho, a greve constitui importante exemplo da utilização
da autotutela na dinâmica de solução de confl itos coletivos trabalhistas.
Entretanto, conforme já anotado nesta obra, raramente ela completa seu
ciclo autotutelar, impondo à contraparte toda a solução do confl ito: o que
ocorre é funcionar esse mecanismo como simples meio de pressão, visando
ao alcance de mais favoráveis resultados na dinâmica negocial coletiva em
andamento ou a se iniciar.
(1) CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R.
Teoria Geral do Processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 26; destaques no original.
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