A greve no direito coletivo

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1728-1761
CAPÍTULO XXXVII
A GREVE NO DIREITO COLETIVO
I. INTRODUÇÃO
A negociação coletiva, ao cumprir seus objetivos gerais e especí cos,
alcança uma situação de paci cação no meio econômico-pro ssional em que
atua. Entretanto, no transcorrer da negociação, inclusive como instrumento
para suplantar incabíveis resistências à sua realização conciliatória, podem
os trabalhadores veicular instrumento direto de pressão e força, a greve,
aparentemente contraditório à própria ideia de paci cação.
A greve é, de fato, mecanismo de autotutela de interesses; de certo
modo, é exercício direto das próprias razões, acolhido pela ordem jurídica.
É, até mesmo, em certa medida, “direito de causar prejuízo”, como indica o
jurista Washington da Trindade(1).
Os con itos coletivos trabalhistas, regra geral, podem passar por três
modalidades de encaminhamento para sua solução: autocomposição, em
que se situa a negociação coletiva; heterocomposição, em que se situam
o processo judicial (dissídio coletivo), a arbitragem e a mediação (há certo
debate sobre o correto enquadramento destas duas últimas guras); por m,
autotutela, em que se encontram a greve e o lock-out.
A autotutela traduz, inegavelmente, modo de exercício direto de coerção
pelos particulares. Por isso tem sido restringida, de maneira geral, nos últimos
séculos pela ordem jurídica, que vem transferindo ao Estado as diversas (e
principais) modalidades de uso coercitivo existentes na vida social. O Direito
Civil, nesse quadro, preservou, como esporádicas exceções, poucas situações
de veiculação coercitiva por particulares, tais como a legítima defesa (art. 160, I,
CCB/1916; art. 188, I, CCB/2002), o desforço imediato, no esbulho possessório
(1) Citado por RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho. A Greve Como Legítimo Direito de
Prejudicar, in FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de Direito Coletivo do Trabalho
estudos em homenagem ao Ministro Orlando Teixeira da Costa. São Paulo: LTr, 1998, p. 502-
509. Segundo Lélia Carvalho Ribeiro, a a rmação de notas de aula do Professor Washington
da Trindade. Naturalmente que a ideia de “direito de causar prejuízo”, explicitada pelo Mestre
da Bahia, signi ca apenas o prejuízo decorrente só do fato da paralisação grevista, afetando
a produção ou os serviços inerentes à empresa objeto do movimento paredista; jamais pode
signi car, é óbvio, qualquer autorização em favor dos grevistas no sentido da prática de atos
de vandalismo e similares no ambiente empresarial — os quais são manifestamente vedados
pela Constituição (art. 9º, § 2º) e pela Lei de Greve (art. 15, Lei n. 7.783/89).
1729C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
(art. 502, CCB/1916; art. 1.210, § 1º, CCB/2003), a apreensão pessoal do bem,
no penhor legal (art. 779, CCB/1916; art. 1.470, CCB/2002).
O Direito do Trabalho apresenta, porém, essa notável exceção à
tendência restritiva da autotutela: a greve.
Embora proibida nos primeiros tempos do sindicalismo e do Direito do
Trabalho, assim como nas distintas experiências autoritárias vivenciadas ao
longo dos últimos dois séculos, a greve a rmou-se nas sociedades democrá-
ticas como inquestionável direito dos trabalhadores. Essa sua a rmação, em
um quadro de restrição geral à autotutela, justi ca-se do ponto de vista his-
tórico e lógico. É que se trata de um dos principais mecanismos de pressão
e convencimento possuído pelos obreiros, coletivamente considerados, em
seu eventual enfrentamento à força empresarial, no contexto da negociação
coletiva trabalhista. Destituir os trabalhadores das potencialidades de tal ins-
trumento é tornar falacioso o princípio juscoletivo da equivalência entre os
contratantes coletivos, em vista da magnitude dos instrumentos de pressão
coletiva que são inevitavelmente detidos pelos empregadores(2).
No Direito Coletivo do Trabalho há, na verdade, um segundo instrumento
de autotutela, porém situado no polo empresarial: o lock-out (ou locaute).
Este instrumento, entretanto, ao contrário da greve, tem sido genericamente
repelido pelas ordens jurídicas democráticas ocidentais(3).
II. LOCAUTE
Locaute é a paralisação provisória das atividades da empresa, esta-
belecimento ou seu setor, realizada por determinação empresarial, com o
objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, frustrando negociação
coletiva ou di cultando o atendimento a reivindicações coletivas obreiras.
Trata-se, como se vê, de fechamento provisório, pelo empregador, da
empresa, estabelecimento ou simplesmente de algum de seus setores, efetuado
com objetivo de provocar pressão arrefecedora de reivindicações operárias.
(2) Wolfgang Däubler, em obra de 1997, informa que na Alemanha, a partir de 1984, tornou-
-se cada vez mais raro o recurso à greve, em vista de ser uma realidade a parceria social
exigida pela legislação e pela jurisprudência. Aponta que, nesse quadro, a forma predominante de
paredismo é a greve de advertência durante as negociações coletivas; ela dura, via de regra,
umas poucas horas e ca restrita a diversas empresas. Completa o autor que o uso parcimo-
nioso do direito de greve é facilitado pelos grandes progressos atingidos nos últimos anos
tanto na área de salários quanto nas jornadas de trabalho. Direito do Trabalho e Sociedade na
Alemanha. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert/ILDES/LTr, 1997, p. 58.
(3) Uma das exceções nesse conjunto é a Alemanha, que o autoriza. A respeito, VIANA,
Márcio Túlio. Con itos Coletivos do Trabalho. Brasília-Porto Alegre: Síntese, Revista do
Tribunal Superior do Trabalho, v. 66, n. 1, jan./mar./2000, p. 140.
1730 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
1. Caracterização
A tipicidade do locaute envolve quatro elementos combinados: parali-
sação empresarial; ato de vontade do empregador; tempo de paralisação;
objetivos por ela visados.
Efetivamente, trata-se de uma paralisação das atividades empresariais.
Esta ocorre seja no âmbito amplo de toda a empresa, seja no plano mais
restrito de um de seus estabelecimentos ou, até mesmo, de uma simples
subdivisão intraempresarial.
A paralisação envolvida há de resultar de decisão do próprio empresário,
sob pena de escapar à tipicidade do locaute.
De maneira geral, a paralisação que se enquadra na gura do lo-
caute é temporária. É que, sendo instrumento de pressão sobre os
respectivos empregados, visando frustrar ou enfraquecer reivindicações
coletivas, há de ter, em princípio, duração limitada no tempo. Contudo, não é
inviável imaginar-se a possibilidade de uma falsa paralisação de nitiva do
estabelecimento, como meio de estabelecer pressão ainda mais e caz so-
bre os trabalhadores.
Por m, a paralisação intentada tem o objetivo de produzir pressões
sobre os trabalhadores, visando enfraquecer ou frustrar suas reivindicações
grupais ou a própria negociação coletiva. Na verdade, o objetivo especí co
de estabelecer especial pressão sobre os trabalhadores é que será a principal
diferença entre o locaute e outras paralisações empresariais decididas pelo
empregador. Pode-se dizer que a causa e os objetivos anticoletivos da atitude
do empregador são que demarcam o ponto distintivo dessa paralisação em
contraponto a outras ocorridas no ambiente empresarial.
A razão de ser dessa paralisação, sua causa e objetivo antissociais,
permitem, por interpretação extensiva, enquadrar-se na gura do locaute
certo tipo de paralisação empresarial voltada a produzir uma pressão social
ou política ainda mais ampla: trata-se da sustação temporária de atividades
do estabelecimento ou da empresa com ns de provocar pressão política
no plano municipal, regional ou, até mesmo, federal. Desse modo, o locaute
político (ou por razões políticas) recebe o mesmo tratamento conferido à
gura padrão regulada pela ordem constitucional e justrabalhista.
2. Distinções
O locaute não se confunde com outros tipos de paralisações empresa-
riais.
Não se confunde, por exemplo, com o fechamento da empresa por
falência (art. 449, CLT) ou em virtude de factum principis (art. 486, CLT). Nestes
casos, a paralisação tende a ser de nitiva (embora não necessariamente) —

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT