Negociação coletiva trabalhista

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1670-1727
CAPÍTULO XXXVI
NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRABALHISTA
I. INTRODUÇÃO
A negociação coletiva é um dos mais importantes métodos de solução
de con itos existentes na sociedade contemporânea. Sem dúvida, é o mais
destacado no tocante a con itos trabalhistas de natureza coletiva.
São distintos, como se sabe, os métodos de solução de con itos
interindividuais e sociais hoje conhecidos. Classi cam-se em três grandes
grupos: autotutela, heterocomposição e autocomposição. A negociação
coletiva enquadra-se no grupo dos instrumentos de autocomposição.
A diferenciação essencial entre tais grupos de métodos encontra-se
nos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional do processo de solução
do con ito. É que nas modalidades da autotutela e autocomposição apenas
os sujeitos originais em confronto relacionam-se na busca da extinção do
con ito. Isso dá origem a uma sistemática de análise e solução da controvérsia
autogerida pelas próprias partes (na autotutela, na verdade, gerida por uma
única das partes).
Já na heterocomposição veri ca-se a intervenção de um agente exterior
aos sujeitos originais na dinâmica de solução do con ito, o que acaba por
transferir, em maior ou menor grau, para este agente exterior a direção dessa
própria dinâmica. Ou seja, a sistemática de análise e solução da controvérsia
não é mais exclusivamente gerida pelas partes, porém transferida para a
entidade interveniente (transferência de gestão que se dá em graus variados,
é claro, segundo a modalidade heterocompositiva).
A autotutela ocorre quando o próprio sujeito busca a rmar, unilateralmente,
seu interesse, impondo-o (e impondo-se) à parte contestante e à própria
comunidade que o cerca. Como se vê, a autotutela permite, de certo modo, o
exercício de coerção por um particular, em defesa de seus interesses. Não é
por outra razão que a antiga fórmula da justiça privada correspondia à mais
tradicional modalidade de autotutela.
A heterocomposição ocorre quando o con ito é solucionado através
da intervenção de um agente exterior à relação con ituosa. Em vez de
paci carem isoladamente a solução de sua controvérsia, as partes (ou até
mesmo uma delas, unilateralmente, como na jurisdição) submetem a terceiro
seu con ito. Em decorrência, a solução será por este rmada ou, pelo menos,
por ele instigada ou favorecida.
1671C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
Na heterocomposição, também não há exercício de coerção pelos
sujeitos envolvidos. Entretanto pode haver, sim, exercício coercitivo pelo
agente exterior ao con ito original — como se passa no caso da jurisdição.
A heterocomposição, em sua fórmula jurisdicional, distingue-se, pois, da
autocomposição (e até mesmo das demais modalidades heterocompositivas)
pelo fato de comportar exercício institucionalizado de coerção ao longo
do processo de análise do con ito, assim como no instante de efetivação
concreta do resultado nal estabelecido.
São modalidades de heterocomposição a jurisdição, a arbitragem, a
conciliação e, também, de certo modo, a mediação(1).
A autocomposição ocorre quando o con ito é solucionado pelas próprias
partes, sem intervenção de outros agentes no processo de paci cação da
controvérsia.
Ela se veri ca de três maneiras, às vezes signi cativamente distintas
entre si. De um lado, o despojamento unilateral em favor de outrem da
vantagem por este almejada (renúncia). De outro lado, a aceitação ou
resignação de uma das partes ao interesse da outra (aceitação, resignação
ou, ainda, submissão). Por m, a autocomposição também ocorre através da
concessão recíproca efetuada pelas partes (transação).
A negociação coletiva enquadra-se, como citado, no grupo das fórmulas
autocompositivas. Contudo, é fórmula autocompositiva essencialmente
democrática, gerindo interesses pro ssionais e econômicos de signi cativa
relevância social. Por isso não se confunde com a renúncia e muito menos
com a submissão, devendo cingir-se, essencialmente, à transação (por isso
fala-se em transação coletiva negociada).
É claro que a negociação coletiva, sendo dinâmica social relativamente
complexa, relaciona-se, comumente, a algumas das citadas fórmulas hetero-
compositivas ou mesmo autocompositivas. É o que se veri ca com a mediação,
a greve e a arbitragem (embora esta ainda não seja frequente nas negociações
coletivas veri cadas no Brasil). Estes três mecanismos podem ser considera-
dos, desse modo, instrumentos-meios da negociação coletiva trabalhista.
Por sua vez, a negociação tem, é claro, seus instrumentos- ns, aqueles
que consumam o sucesso da dinâmica negocial. Trata-se, no Brasil, da
convenção coletiva de trabalho e do acordo coletivo do trabalho (o contrato
coletivo do trabalho é gura ainda não institucionalizada no País).
(1) O enquadramento de todas essas quatro guras jurídicas no grupo dos métodos
heterocompositivos não é, porém, consensual na doutrina, havendo entendimentos de que a
conciliação e a mediação seriam meios autocompositivos, reservando-se à heterocomposição
apenas a jurisdição e a arbitragem. Este debate será examinado, porém, no Capítulo XXXVIII,
reservado à mediação e arbitragem, neste Curso.
1672 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
II. IMPORTÂNCIA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
A importância da negociação coletiva trabalhista transcende o próprio
Direito do Trabalho. A experiência histórica dos principais países ocidentais
demonstrou, desde o século XIX, que uma diversi cada e atuante dinâmica de
negociação coletiva no cenário das relações laborativas sempre in uenciou,
positivamente, a estruturação mais democrática do conjunto social. Ao revés,
as experiências autoritárias mais proeminentes detectadas caracterizavam-
-se por um Direito do Trabalho pouco permeável à atuação dos sindicatos
obreiros e à negociação coletiva trabalhista, xando-se na matriz exclusiva
ou essencialmente heterônoma de regulação das relações de trabalho.
Esse contraponto — maior ou menor atuação sindical e maior ou menor
participação da negociação coletiva no Direito do Trabalho — permite, inclu-
sive, estabelecer rica tipologia de sistemas trabalhistas no mundo ocidental
desenvolvido. Tal tipologia dá a medida da importância da negociação coleti-
va na sociedade contemporânea(2).
Considerada a evolução do Direito do Trabalho nos séculos XIX e XX,
podem-se perceber alguns modelos principais de ordens jurídicas trabalhis-
tas nos países ocidentais de capitalismo central (basicamente, a Europa Oci-
dental mais desenvolvida e os EUA). É claro que o ramo justrabalhista nesse
plano do Ocidente expressa e assimila, inevitavelmente, a diversidade das
experiências históricas vivenciadas em cada país em que esse Direito se
gestou e consolidou-se. Não obstante tal diversidade, torna-se possível iden-
ti car a existência de alguns padrões principais de estruturação normativa
do mercado de trabalho e das relações de produção no universo dessas
experiências centrais.
Nesse sentido, é viável — e funcional — apreenderem-se, em grossas
linhas, dois grandes padrões de organização do mercado de trabalho e do
ramo justrabalhista nos países de capitalismo central. O primeiro padrão de
organização (que se desdobra em dois subtipos) corresponde àquele inerente
às sociedades democráticas consolidadas, cumprindo relevante papel na
con guração própria da Democracia nessas sociedades. O outro padrão principal
de estruturação do mercado de trabalho e do seu ramo jurídico especializado
consiste no padrão corporativo-autoritário, que teve presença marcante em
diversas experiências políticas do mundo ocidental contemporâneo(3).
(2) O texto a seguir é extraído do 1º capítulo de nossa obra, Introdução ao Direito do Trabalho.
3. ed. São Paulo: LTr, 2001, sendo desnecessárias outras referências. No presente Curso,
reportar-se a seu Capítulo III, item VI.
(3) A tipologia aqui exposta foi lançada em estudos anteriores deste autor; apenas
ilustrativamente, cite-se o livro Democracia e Justiça. São Paulo: LTr, 1993, em seu Capítulo II.
Semelhante contraposição de modelos foi pioneiramente exposta, ainda na década de 1970,
por VIANNA, Luiz Werneck. Sistema Liberal e Direito do Trabalho. Estudos CEBRAP. São
Paulo: CEBRAP, n. 7, jan.-mar.1974, p. 115-149.

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