Princípios especiais do direito coletivo do trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1582-1618
CAPÍTULO XXXIV
PRINCÍPIOS ESPECIAIS DO DIREITO
COLETIVO DO TRABALHO
I. INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho, como já exposto, engloba dois segmentos, um
individual e um coletivo, cada um deles contando com regras, institutos e
princípios próprios(1).
Conforme visto, toda a estrutura normativa do Direito Individual do
Trabalho constrói-se a partir da constatação fática da diferenciação social,
econômica e política básica entre os dois sujeitos da relação jurídica central
desse ramo jurídico especí co — a relação de emprego.
De fato, em tal relação o sujeito empregador age naturalmente como um
ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações, ainda
que intraempresariais, têm a natural aptidão de produzir impacto na comuni-
dade mais ampla. Em contrapartida, no outro polo da relação inscreve-se um
ser individual, consubstanciado no trabalhador que, enquanto sujeito desse
vínculo sociojurídico, não é capaz, isoladamente, de produzir, como regra,
ações de impacto comunitário. Essa disparidade de posições na realidade
concreta fez despontar um Direito Individual do Trabalho largamente proteti-
vo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequilibrar,
juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da relação
de emprego.
O Direito Coletivo, ao contrário, é ramo jurídico construído a partir de
uma relação entre seres teoricamente equivalentes: seres coletivos ambos,
o empregador de um lado e, de outro, o ser coletivo obreiro, mediante as
organizações sindicais. Em correspondência a esse quadro fático distinto,
emergem, obviamente, no Direito Coletivo, categorias teóricas, processos e
princípios também distintos.
No estudo global dos princípios justrabalhistas é importante respeitar-
-se a diferenciação entre Direito Individual e Direito Coletivo. Entretanto é
também fundamental que na análise particularizada de qualquer um dos dois
(1) Este capítulo extrai-se, originalmente, do livro deste autor, Princípios de Direito Individual
e Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, em seu Capítulo IV. Entretanto, a tipologia que
compõe este capítulo, fundada em três grandes grupos de princípios especiais do Direito
Coletivo, foi inicialmente divulgada no artigo deste autor, de 1994, Princípios do Direito do
Trabalho, Jornal Trabalhista, Brasília: Centro de Assessoria Trabalhista/Consulex, ano XI,
n. 535, 12.12.1994, p. 1202-1208.
1583C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
segmentos sempre se preserve a perspectiva referenciada ao outro segmen-
to justrabalhista correlato. Direito Individual e Direito Coletivo são, a nal, par-
tes integrantes de uma mesma realidade jurídica especializada, o Direito do
Trabalho.
O Direito Coletivo atua, porém, de maneira intensa sobre o Direito
Individual do Trabalho, uma vez que é cenário de produção de um destacado
universo de regras jurídicas, consubstanciado no conjunto de diplomas
autônomos que compõem sua estrutura normativa (no Brasil, notadamente,
a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho). Desse modo, o
Direito Coletivo do Trabalho pode alterar o conteúdo do Direito Individual
do Trabalho, ao menos naqueles setores econômico-pro ssionais em
que incidam seus especí cos diplomas. Desde a Constituição de 1988, a
propósito, ampliou-se o potencial criativo do Direito Coletivo do Trabalho,
lançando ao estudioso a necessidade de pesquisar os critérios objetivos
de convivência e assimilação entre as normas autônomas negociadas e as
normas heterônomas tradicionais da ordem jurídica do País.
II. PRINCÍPIOS ESPECIAIS DO DIREITO COLETIVO — TIPOLOGIA
O Direito Coletivo do Trabalho, enquanto segmento jurídico especializa-
do, constitui um todo unitário, um sistema, composto de princípios, categorias
e regras organicamente integradas entre si. Sua unidade — como em qual-
quer sistema — sela-se em função de um elemento básico, sem o qual seria
impensável a existência do próprio sistema. Neste ramo jurídico a categoria
básica centra-se na noção de relação jurídica coletiva, a que se acopla a de
ser coletivo, presente em qualquer dos polos da relação jurídica nuclear deste
Direito. Ser coletivo empresarial (com ou sem representação pelo respectivo
sindicato) e ser coletivo obreiro, mediante as organizações coletivas da classe
trabalhadora — especialmente os sindicatos.
Os princípios do Direito Coletivo do Trabalho constroem-se, desse modo,
em torno da noção de ser coletivo e das prerrogativas e papéis assumidos
por tais sujeitos no contexto de suas relações recíprocas e em face dos
interesses que representam.
A tradição autoritária da história brasileira ao longo do século XX
comprometeu, signi cativamente, o orescimento e maturação do Direito
Coletivo no País. Isso levou até mesmo a que se chegasse a pensar (e te-
orizar) sobre a inexistência de princípios próprios ao Direito Coletivo. Esse
viés teórico (compreensível, em vista da longa cristalização autoritária no
plano das relações coletivas no Brasil) não deve prejudicar, contudo, hoje, o
desvelamento dos princípios informativos do ramo coletivo negociado, uma
vez que, desde a Constituição de 1988, essa pesquisa e revelação torna-
ram cruciais para o entendimento do novo Direito Coletivo do Trabalho em
construção no País.
1584 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
Mais: o desconhecimento sobre os princípios especiais do Direito Coletivo
do Trabalho irá certamente comprometer o correto e democrático enfren-
tamento dos novos problemas propostos pela democratização do sistema
trabalhista no Brasil. A não compreensão da essencialidade da noção de ser
coletivo, da relevância de ser ele representativo e consistente para de fato
assegurar condições de equivalência entre os sujeitos do ramo juscoletivo
trabalhista, simplesmente dilapida toda a noção de Direito Coletivo do Traba-
lho e de agentes coletivos atuando em nome dos trabalhadores.
Tipologia de Princípios — Os princípios do Direito Coletivo do Trabalho
podem ser classi cados em três grandes grupos, segundo a matéria e
objetivos neles enfocados(2).
Em primeiro lugar, o rol de princípios assecuratórios das condições
de emergência e a rmação da gura do ser coletivo obreiro. Trata-se de
princípios cuja observância viabiliza o orescimento das organizações
coletivas dos trabalhadores, a partir das quais serão tecidas as relações
grupais que caracterizam esse segmento jurídico especí co.
Neste rol, estão os princípios da liberdade associativa e sindical e da
autonomia sindical.
Logo a seguir, destacam-se os princípios que tratam das relações
entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação
coletiva. São princípios que regem as relações grupais características do
Direito Coletivo, iluminando o status, poderes e parâmetros de conduta dos
seres coletivos trabalhistas.
Citam-se neste segmento o princípio da interveniência sindical na normati-
zação coletiva, o da equivalência dos contratantes coletivos e, nalmente, o
da lealdade e transparência nas negociações coletivas.
Há, por m, o conjunto de princípios que tratam das relações e efeitos
perante o universo e comunidade jurídicas das normas produzidas pelos
contratantes coletivos. Este grupo de princípios ilumina, em síntese, as
relações e efeitos entre as normas produzidas pelo Direito Coletivo, por meio
da negociação coletiva, e as normas heterônomas tradicionais do próprio
Direito Individual do Trabalho.
Neste rol, encontram-se princípios como o da criatividade jurídica da
negociação coletiva e o princípio da adequação setorial negociada.
(2) A presente tipologia, integrante deste Capítulo XXXIV, fundada nestes três grandes grupos
de princípios especiais do Direito Coletivo, foi inicialmente divulgada no artigo deste autor, de
1994, Princípios do Direito do Trabalho, Jornal Trabalhista, Brasília: Consulex, ano XI, n. 535,
12.12.1994, p. 1202-1208. Posteriormente, foi inserida no Capítulo IV da 1ª edição do livro des-
te autor, Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho (São Paulo: LTr, 2001), além do
Capítulo II da obra deste autor, Direito Coletivo do Trabalho (São Paulo: LTr, 2001). Alguns dos
princípios arrolados na tipologia ainda não eram referidos pela doutrina, à época.

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