As doxas da violência doméstica

AutorRejane Zenir Jungbluth Teixeira Suxberger
Ocupação do AutorDoutoranda em Ciências Sociais, linha 'Gênero e Igualdade', pela Universidade Pablo de Olavide (Espanha)
Páginas35-56
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As doxas da
violência doméstica
Pierre Bourdieu trabalha com a teoria das estruturas sociais a
partir de conceitos-chave (BOURDIEU, 1993, 2007a, b). Aceita a exis-
tência de estruturas objetivas, independentes da consciência e da
vontade dos/as agentes onde adota o método que analisa os mecanis-
mos de dominação da produção de ideias e da gênese das condutas
(BOURDIEU, 2012; BOURDIEU; EAGLETON, 1996). O autor se coloca
além dos modelos existentes e explicativos da vida social, nos quais
estes não se podem entender a partir do testemunho individual, dos
sentimentos, das explicações ou das reações do agente (BOURDIEU,
1998, 2004, 2008). Deve-se buscar o que está implícito a essas mani-
festações. Bourdieu faz das relações entre as condições da existência,
a consciência, as práticas e as ideologias, a matriz determinante do
indivíduo (THIRY-CHERQUES, 2006).
Para Bourdieu, os fatos sociais devem ser construídos para que
se tornem objeto de estudo, ou seja, é preciso preparar um quadro
de referências, de modo a formular as questões adequadas com res-
postas compreensíveis. Na construção do objeto, é preciso separar
as categorias que pré-constroem o mundo social, daí a formulação
de conceitos tidos por primários como habitus e campo (MOI, 1991).
A estes se agregam outros secundários como a doxa (BOURDIEU,
2007a). Para o processo investigatório, é fundamental compreender
as categorias operacionais separadamente e associadas.
Entender os processos de construção social dos fenômenos
é um dos maiores desafios nas investigações situadas nas Ciências
Sociais. Entretanto, a análise dos discursos permite identificar o pro-
cesso de socialização. Pierre Bourdieu, ao estabelecer a categoria da
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Coleção Criminologia, Direito Penal e Política Criminal
Violência contra a mulher e o sistema de justiça: epistemologia feminista em um estudo de caso
REJANE ZENIR JUNGBLUTH TEIXEIRA SUXBERGER
doxa, rompe com a dualidade entre a estrutura e o agente. É impor-
tante advertir, desde logo, que Bourdieu não estabeleceu o sentido de
doxa numa única obra ou trabalho; ao contrário, ele se utiliza dessa
concepção em diversos textos com a intenção de assegurar flexibili-
dade ao conceito. Para compreender as doxas é necessário compre-
ender categorias como habitus e campo, assim como diferenciá-las
dos mitos.
Portanto, neste capítulo, teço considerações sobre as catego-
rias de Pierre Bourdieu, com o fim de compreender as doxas. Não há
pretensão de exaurir o tema, mas propor um exercício introdutório
à complexidade do assunto trazido pelo sociólogo francês. A busca
por um local teórico para estruturar minha pesquisa perpassa cate-
gorias como feminismo, patriarcado e a justificativa da escolha das
doxas e não dos mitos.
1. Compreendendo as doxas da
violência por meio dos conceitos
de habitus, campo e capital
Para entender a teoria de Bourdieu, habitus e campo são ca-
tegorias operacionais imprescindíveis. Essas categorias são interde-
pendentes e, juntamente com a doxa, buscam compreender o modo
como o poder é exercido pelos grupos nas relações sociais. O campo
é definido como «campo de relações objetivas entre indivíduos ou
instituições que competem pelos mesmos interesses» (BOURDIEU,
1993, p. 133). As representações simbólicas que Bourdieu chama de
habitus são disposições cognitivas e práticas internalizadas que per-
mitem tomar posição dentro do campo. É no espaço social onde os
indivíduos se manifestam com certos capitais, fundamentalmente
econômicos e culturais.

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