As paredes da estrutura

AutorDaniela Olimpio de Oliveira
Páginas75-75
75
XXIII. As paredes
da estrutura
Eu vim falar sobre as paredes da minha casa.
Tem tijolos, tem massa, tem tinta que a colore.
No cotidiano da vida, só temos casa, a função, o lar, o pouso
das nossas rotinas. O acontecimento das gentes, a passagem
e a guarda dos pertences, o respiro do sono, o refresco do ba-
nho. As relações estabelecidas, desconstruídas, continuadas,
encerradas. O dia que acorda, a noite que não dorme, o dia
que dorme, a noite que entrega. A cozinha a lembrar da pilha
de pratos e copos, a jornada tripla; a cozinha a lembrar que
temos de comer, um café um bate papo. Os quartos dizem que
somos muitos, temos f‌ilhos, somos casal, brigamos, separa-
mos, reatamos. A casa diz que tem uma f‌ilha que só vejo nas
férias. Enquanto isso uso o quarto dela para trabalhar. E tem
f‌ilhos que o tempo todo estão aí a gritar: ôoo mãeeee. Filhos
que preciso alimentar, que preciso levar, que preciso buscar.
O sofá existe para me guardar, sustentando a benção divina
de estar completamente só e poder fazer uma das coisas que
mais me dá prazer: olhar para a parede, bebendo meu café,
sabendo que toda a casa está vazia e que aqueles sagrados
minutos de silêncio são a experiência mais divina que existe.
E só me dá prazer porque tenho o prazer de saber que logo,
logo estará também cheia de f‌ilhos.
Eu olho para a parede sem pensar. Anestésico: não pensar.
Não penso na parede, no que ela é. A parede de uma casa,
com seus tijolos antigos. Era uma vez uma obra, argamassa,
fundação. Era uma vez a estrutura para a vida preencher.
Era uma vez a estrutura. E o sistema a preencher.

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