As relações empresariais na sociedade da informação

AutorJosé Luiz de Moura Faleiros Júnior
Páginas37-76
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AS RELAÇÕES EMPRESARIAIS NA
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Ao longo do primeiro capítulo deste trabalho analisou-se a evolução dos mode-
los contratuais, perpassando pelas diversas eras da conf‌iguração do Estado e, ainda
que brevemente, consignou-se a inserção do tema no que diz respeito à crescente
evolução do Direito no afã de acompanhar a evolução da sociedade.
Entretanto, o mundo continua passando por sensíveis transformações, e a
principal causa dessas mudanças incessantes é, indubitavelmente, a tecnologia,
que surge atrelada à concepção de economia global, concorrência, sistemas sociais
e ao recrudescimento da legislação que norteia os diversos microssistemas jurídicos
contemporâneos. E, nesse âmbito, teorias que até então geravam bons resultados
para a maioria das organizações não mais se traduzem em relevância jurídica frente
ao avanço tecnológico.
A gênese da expressão “sociedade da informação” é controvertida na doutrina,
havendo quem atribua seu primeiro uso a autores norte-americanos, como Fritz
Machlup, em trabalhos dos anos 1960 e 1970, com destaque para obra The production
and distribution of knowledge in the United States, de 1962; mas há quem sustente que
a expressão foi cunhada pelos doutrinadores japoneses Kisho Kurokawa e Tudao
Umesao, na década de 1960, mas com efetiva conceituação a partir dos trabalhos de
Yujiro Hayashi e Yoneji Masuda – com destaque para este último –, versando sobre
uma “sociedade de base informacional” ou “sociedade baseada na informação.”1
Por outro lado, há autores que rejeitam essa expressão, a exemplo de Zbigniew
Brzezinski, que prefere a expressão “sociedade tecnotrônica”. 2
A expressão “sociedade da informação”, ou sociedade informacional, como diz
Manuel Castells3 passou a ser utilizada como representativa do paradigma econômi-
co-tecnológico de difusão da informação4, com estrutura e dinâmica impactadas pela
1. DUFF, Alistair A. Information society studies. Londres: Routledge, 2000, p. 3-4.
2. BRZEZINSKI, Zbigniew K. Between two ages: America’s role in the technetronic era. Nova York: Viking
Press, 1971, p. 11.
3. CASTELLS, Manuel. The rise of the network society. The information age: economy, society, and culture. 2.
ed. Oxford: Blackwell, 2010, v. 1, p. 499.
4. A obra “A sociedade em rede” é composta de um prólogo, de sete capítulos e de uma conclusão. No pró-
logo, denominado “a rede e o ser”, Castells trata do emergente fenômeno de informatização como uma
tendência irreversível e do novo liberalismo mundial em que tudo é justif‌icado em função do mercado,
condicionando a fragmentação social, que se propaga a ponto de gerar situações que desestruturam mo-
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VESTING EMPRESARIAL • José Luiz de Moura FaLeiros Júnior
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f‌luidez informacional, associada à reestruturação e expansão do capitalismo em um
período no qual o já mencionado Estado pós-social (ou pós-moderno, se preferir), é
caracterizado pela dinâmica leve, f‌luida e célere, ou, como diz Zygmunt Bauman, por
uma “modernidade líquida”5 que impera nas ciências humanas a ponto de alterar a
identidade do indivíduo pós-moderno a cada novidade que lhe é apresentada pelos
avanços sociais e tecnológicos.
Bill Gates, Nathan Myhrvold e Peter Rinearson, em sua renomada obra, “A
estrada do futuro”, já destacavam o papel que a Internet desempenharia no Século
XXI6, ainda que, no curso da década de 1990, se vislumbrasse tímidos f‌luxos de
dados, com poucas imagens, textos e gráf‌icos intercambiados em um sistema ainda
rudimentar e pouco interligado chamado de web 1.0 e concebido sob premissas mi-
litares pela Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas – ARPA (Advanced Research
Projects Agency) do Departamento de Defesa dos EUA.7
Avançou-se para a segunda “era”, denominada web 2.0, e nela a Internet adquiriu
uma dimensão jurídica fundamental, haja vista a intensif‌icação do compartilhamento
de dados e a expansão de seu uso; além disso, a rede passou a operar a curto prazo,
exercendo inf‌luência marcante no cotidiano informacional e suscitando visões de
uma era “pós-territorial” (sem fronteiras).8
Já se está na web 3.0, marcada pela operabilidade da rede em tempo real, pelo
armazenamento ininterrupto de dados (always recording)9, pela web criativa, pela
tecnologia tridimensional e pelos avatares virtuais, dando origem à “web semântica”
e à legibilidade da rede por máquinas – e não mais apenas por seres humanos – e
à hiperconectividade, ligada às comunicações entre indivíduos (person-to-person,
P2P), entre indivíduos e máquina (human-to-machine, H2M) ou entre máquinas
(machine-to-machine, M2M), a partir de um vasto aparato técnico.10
Ademais, diversos autores já indicam que se está caminhando para a predo-
minância da web 4.0 ou “web inteligente”, marcada pela presença da ‘Internet das
vimentos sociais, mas não só, acabam contribuindo para a ressignif‌icação de vários institutos jurídicos.
Sobre o tema, Daniel Bell informa que “[a]s expressões sociedade industrial, pré-industrial e pós-industrial
são sequências conceituais ao longo do eixo da produção e dos tipos de conhecimento utilizados”. (BELL,
Daniel. O advento da sociedade pós-industrial: uma tentativa de previsão social. Tradução de Heloysa de
Lima Dantas. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 25.)
5. Cf. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
6. GATES, Bill; MYHRVOLD, Nathan; RINEARSON, Peter. A estrada do futuro. Tradução de Beth Vieira, Pedro
Maia Soares, José Rubens Siqueira e Ricarco Rangel. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 145-173.
7. KANAAN, João Carlos. Informática global. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1998, p. 23-31.
8. GOLDSMITH, Jack; WU, Tim. Who controls the Internet? Illusions of a borderless world. Oxford: Oxford
University Press, 2006, p. 13.
9. FREDETTE, John et al. The promise and peril of hyperconnectivity for organizations and societies. In:
DUTTA, Soumitra; BILBAO-OSORIO, Beñat (Ed.). The global information technology report 2012: living in
a hyperconnected world. Genebra: Insead; World Economic Forum, 2012, p. 113.
10. QUAN-HAASE, Anabel; WELLMAN, Barry. Hyperconnected network: computer-mediated community
in a high-tech organization. In: ADLER, Paul S.; HECKSCHER, Charles (Ed.). The f‌irm as a collaborative
community. Nova York/Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 285.
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Coisas’11 e pela reestruturação organizacional em torno de modais tecnológicos
que alteram rotinas, inter-relações e, evidentemente, as formatações empresariais
clássicas.12
E, trabalhando as ideias de Castells e sua visão sobre a “sociedade da informa-
ção”, Jorge Werthein indica algumas características preponderantes:
A informação é sua matéria-prima: as tecnologias se desenvolvem para permitir o homem atuar
sobre a informação propriamente dita, ao contrário do passado quando o objetivo dominante era
utilizar informação para agir sobre as tecnologias, criando implementos novos ou adaptando-os
a novos usos.
Os efeitos das novas tecnologias têm alta penetrabilidade porque a informação é parte integrante
de toda atividade humana, individual ou coletiva e, portanto todas essas atividades tendem a
serem afetadas diretamente pela nova tecnologia.
Predomínio da lógica de redes. Esta lógica, característica de todo tipo de relação complexa,
pode ser, graças às novas tecnologias, materialmente implementada em qualquer tipo de
processo.
Flexibilidade: a tecnologia favorece processos reversíveis, permite modicação por reorganização
de componentes e tem alta capacidade de reconguração.
Crescente convergência de tecnologias, principalmente a microeletrônica, telecomunicações,
optoeletrônica, computadores, mas também e crescentemente, a biologia. O ponto central
aqui é que trajetórias de desenvolvimento tecnológico em diversas áreas do saber tornam-se
interligadas e transformam-se as categorias segundo as quais pensamos todos os processos.13
A busca incessante por aumento de produtividade e pela alavancagem empre-
sarial foram as principais forças-motrizes que culminaram no surgimento de ins-
trumentais para o tratamento automático e racional da informação, que aos poucos
se tornou o elemento de maior valorização para o incremento produtivo no período
pós-Revolução Industrial.14
11. Conf‌ira-se: GREENGARD, Samuel. The Internet of Things. Cambridge: The MIT Press, 2015, p. 188-
189; HÖLLER, Jan; TSIATSIS, Vlasios; MULLIGAN, Catherine et al. From Machine-to-Machine to the
Internet of Things: introduction to a new age of intelligence. Oxford: Academic Press/Elsevier, 2014,
p. 10.
12. CIRANI, Simone; FERRARI, Gianluigi; PICONE, Marco; VELTRI, Luca. Internet of Things: architectures,
protocols and standards. Nova Jersey: John Wiley & Sons, 2019, p. 191. Dizem os autores: “The Internet of
Things (IoT) refers to the Internet-like structure of billions of interconnected “constrained” devices: with
limited capabilities in terms of computational power and memory.These are often battery-powered, thus
raising the need to adopt energy-eff‌icient technologies. Among the most notable challenges that building
interconnected smart objects brings about are standardization and interoperability. Internet Protocol (IP)
is foreseen as the standard for interoperability for smart objects. As billions of smart objects are expected to
appear and IPv4 addresses have mostly been used, IPv6 has been identif‌ied as a candidate for smart-object
communication”.
13. WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desaf‌ios. Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2,
p. 71-77, mai./ago. 2000, p. 72.
14. KANAAN, João Carlos. Informática global. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1998, p. 23-31.
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