Aspectos da Liquidação de Sentença Trabalhista a partir do Novo CPC

AutorLuiz Alberto de Vargas
Páginas71-77

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A liquidação de sentença é uma “atividade judicial cognitiva pela qual se busca complementar a norma jurídica individualizada estabelecida num título judicial” (DIDIER JR, 2014, p. 112).

A partir de extinção da ação executiva no novo Código de Processo Civil (NCPC), a liquidação de sentença foi deslocada do livro destinado ao Processo de Execução para o capítulo que trata do Processo de Conhecimento (Livro I, Capítulo IX, Título VIII), mudando sua natureza jurídica, de ação cognitiva vinculada à sentença para um mero incidente processual que antecede a fase de cumprimento da sentença (DRESCH, p. 38).

O NCPC, ao regular o procedimento de liquidação de sentença, define a liquidação como um procedimento prévio à execução (cumprimento da sentença). No processo do trabalho, a execução sempre foi uma fase do processo e a liquidação de sentença prévia ao procedimento de execução. A modificação no processo civil apenas confirma que, na liquidação de sentença trabalhista, não é aplicável a regra de subsidiariedade do art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (normas do “processo dos executivos fiscais”), que se destina aos “trâmites e incidentes do processo de execução” – mas sim a regra do art. 769 da CLT (normas do “direito processual comum”).

No processo do trabalho, a escassa base normativa contida na CLT, que praticamente se resume ao art. 879 da CLT, faz com que nesta fase processual aplique-se subsidiariamente, nas lacunas da norma trabalhista, boa parte das normas do processo civil atinentes à liquidação por sentença, quando não sejam incompatíveis com o processo trabalhista (art. 769 da CLT). Ao contrário do que ocorre na fase de cumprimento de sentença, na fase liquidatória trabalhista não se aplicam subsidiariamente as normas que regem os processos de execução fiscal (Lei n. 6.830/1990, devendo entender-se a expressão “processo de execução” contida no art. 889 da CLT como sendo a fase processual trabalhista que se inicia com a citação (art. 880 da CLT) do executado para pagar a dívida. À fase de liquidação, assim, aplicam-se as normas do processo comum.

Tal aplicação subsidiária, entretanto, se faz de forma heterodoxa, adaptada às particularidades do processo do trabalho, moldada pela prática forense e sem estar necessariamente plasmada em regulação formal. Tal aplicação subsidiária– basicamente no que concerne à garantia do contraditório –, resulta em um procedimento híbrido, consolidado na prática, mas bastante distinto do previsto nas normas do processo civil. Exemplo de tal aplicação híbrida é a inexistência de qualquer recurso contra a sentença de liquidação, que somente pode ser manejado após a penhora (art. 884, § 3º, CLT). Nesse sentido, por norma expressa, o devedor somente pode impugnar a sentença por meio de “embargos à penhora”, o mesmo ocorrendo com o credor por meio de “impugnação à sentença de liquidação”.

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1. A sentença de liquidação de sentença como procedimento de cognição que a aproxima da sentença de conhecimento

Nos termos do § único do art. 1.015 do NCPC, contra as decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença, cabe agravo de instrumento. Pelo que se deduz, mantém-se a sistemática adotada pelo CPC anterior (art. 475 H), pela qual da decisão prolatada em sede de liquidação cabe agravo de instrumento1. No processo trabalhista, o recurso cabível é o agravo de petição (CLT, art. 897, a).

Conforme Eduardo Talamini (2005), no processo comum, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias na fase de cumprimento da sentença faz bastante sentido porque, a sentença final (quando ocorre) “é meramente processual e presta-se a declarar o fim da atividade executiva”, algo que “justifica o cabimento generalizado do agravo de instrumento contra interlocutórias no processo executivo e no cumprimento de sentença”; porém, não explica porque, na fase de liquidação (atividade cognitiva e que tende a uma decisão final de mérito), não se aplicam “os mesmos parâmetros de recorribili-dade das interlocutórias adotados na fase de conhecimento”. Assim, o autor propõe que, na liquidação de sentença, adote-se o mesmo procedimento da fase de conhecimento, ou seja, ainda que se denomine a decisão na liquidação de sentença como interlocutória (o que é doutrinariamente questionável, já que aquela se assemelha mais a um sentença de conhecimento), “bastaria uma regra especial, determinando que as interlocutórias proferidas no curso da fase liquidatória deveriam ser suscitadas como preliminares do julgamento do agravo cabível contra a decisão final de liquidação, ou seja, esse agravo cumpriria o papel que cumpre a apelação na fase cognitiva” (TALAMINI, 2015).

Por certo a inexistência de recursos imediatos” contra decisões interlocutórias é uma das características do processo do trabalho, mas, tal como constata o processualista civil, também no processo do trabalho, o enquadramento da sentença de liquidação como decisão interlocutória causa grande transtorno.

Não é razoável que inexista qualquer recurso contra a sentença de liquidação, remetendo-se eventual discussão à fase executiva. Por certo, é bastante lógico que, na chamada “execução aparelhada” se permita a discussão, após a garantia do juízo, de eventual excesso de execução. Mas não é lógico que, na execução trabalhista de título judicial se aceite discutir novamente matéria de liquidação de sentença. Porém é exatamente o que acontece no processo do trabalho: além da discussão na fase de liquidação de sentença, ocorre, após a garantia do juízo, uma nova e intensa discussão sobre qual o valor que deve ser pago, inclusive com recurso (agravo de petição) à “sentença de embargos à execução” e/ou “sentença de impugnação à sentença de liquidação”, o que, em realidade, se torna uma segunda sentença de liquidação, já que a primeira ocorre quando da homologação dos cálculos de liquidação.

Isso decorreu de uma interpretação ampliada das possibilidades de uso dos embargos de execução e da impugnação à sentença de liquidação2 (art. 884 CLT) e uma indevida aplicação subsidiária do art. 16, § 1º3 à liquidação de sentença trabalhista, que exige a prévia e integral garantia da execução como condição sine qua non para a oposição do executado, manejada por meio de embargos. Assim, um procedimento próprio das ações executivas em que se exige a garantia do juízo para exercício do contraditório na execução, passou a ser adotado impropriamente em um procedimento prévio à execução. A pretexto de “maior celeridade em benefício do credor”, o processo do trabalho passou a oferecer ao executado dois momentos de discussão para “acertamento de contas”: um prévio à execução (liquidação de sentença); outro, após a garantia do juízo (embargos à execução).

Misturam-se, aqui, dispositivos legais destinados a imprimir celeridade e eficácia à execução, plenamente justificados em seu contexto próprio, mas, quando associados, criam uma situação ambígua e contraproducente.

Tal situação levou a soluções bastante peculiares. Em prol da simplificação e da celeridade processuais, na prática, ocorre uma homologação expedita de cálculos apresentados por uma das partes ou elaborados por

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servidor para, após a garantia do juízo, oferecer às partes a possibilidade de uma defesa mais ampla e acurada, que é feita por meio de embargos à execução ou impugnação à sentença

Embora consolidado na prática, tal aplicação heterodoxa das normas do processo civil em subsídio ao processo trabalhista não propiciam maior celeridade, já que implicam em duplicidade de apreciação do mérito, além de representarem questionável restrição ao direito de defesa do devedor, já que a rápida homologação dos cálculos representam que o início da fase de cumprimento da sentença (citação) seja feita por um valor homologado ainda pouco debatido e potencialmente superior ao devido, obrigando o devedor a garanti-lo como pressuposto...

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