Atos

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ATOS
18.1 FATOS, VONTADES E ATOS
Fato é todo evento que ocorre com ou sem a intervenção humana. A chuva, o
vento, a queda de um meteorito e terremotos são exemplos de fatos materiais e natu-
rais, que sucedem a despeito da ação dos seres humanos. Já uma atividade esportiva,
a condução de um veículo, o atendimento de um cidadão ou o silêncio, a inação, a
negligência na prestação de serviços são fatos materiais humanos ou voluntários. Na
precisa lição de Hans Kelsen, um evento natural ou humano não é por si só jurídico.
A sua signif‌icação para o direito surgirá tão somente quando uma norma f‌izer refe-
rência a ele, emprestando-lhe um papel dentro do sistema jurídico.1 Tanto os fatos
materiais naturais, quanto os humanos podem se transformar em fatos jurídicos. Os
fatos se tornam verdadeiros fatos jurídicos a partir do momento em que o direito
normatiza sua ocorrência ou suas consequências, como ocorre com uma enchente
que causa danos como a destruição de casas, mata pessoas e def‌lagra uma série de
impactos sobre contratos.
Na prática, muitos dos fatos que interessam ao direito são humanos ou, nas
palavras de Araújo, fatos “que decorrem da ação humana voluntária e sobre os quais
o ordenamento jurídico ora prescreve efeitos jurídicos imediatamente” – independen-
temente de o indivíduo desejá-los –, “ora admite as consequências jurídicas que o ser
humano, com aquela ação voluntária, deseja produzir”.2 Em outras palavras, os fatos
jurídicos humanos ou voluntários abarcam tanto as ações de pessoas que objetivam
efeitos jurídicos, quanto aquelas que acarretam efeitos jurídicos em virtude do desejo
do legislador, por determinação do ordenamento, ainda que a pessoa não os vise.
No âmbito do direito administrativo, os fatos jurídicos, naturais ou humanos,
tornam-se relevantes quando passam a criar, modif‌icar ou extinguir relações jurídi-
co-administrativas típicas, como: (i) as travadas entre Estado e cidadãos em sentido
amplo (pessoas físicas ou jurídicas sujeitas a seu poder soberano); (ii) as relações
interadministrativas (entre entidades públicas) e (iii) as relações interorgânicas (ou
seja, entre órgãos da Administração Pública).
1. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 4.
2. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 511.
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MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO – VOLUME III • Thiago Marrara
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Nem todos os fatos jurídicos relevantes para o direito administrativo enqua-
dram-se, porém, no conceito de fato administrativo, que designa o conjunto de fatos
jurídicos voluntários imputáveis à Administração Pública, ou seja, manifestações
da vontade estatal praticadas quer sem o intuito de produzir efeitos jurídicos (uma
ação comissiva ou mesmo uma omissão ou o silêncio), quer visando à produção de
efeitos jurídicos (verdadeiras declarações de vontade, ou seja, decisões adminis-
trativas de caráter geral e abstrato ou de caráter concreto). Para além desses fatos
administrativos, existem fatos desvinculados de um comportamento da Administra-
ção Pública, mas que são relevantes para as relações de direito administrativo. Por
essa razão, é possível falar de um conceito amplo de “fatos jurídicos relevantes para
a Administração”, o qual abarca tanto “fatos administrativos” propriamente ditos,
quanto “fatos de terceiros” com implicações jurídico-administrativas.
Fonte: elaboração própria
18.2 ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O direito privado divide os fatos jurídicos voluntários em: (a) atos jurídicos em
sentido estrito e (b) negócios jurídicos. Edmir Netto de Araújo revela com clareza a
diferença entre os institutos: fala-se de ato jurídico para indicar aqueles cujos efeitos
são prescritos pelo ordenamento e que se “realizarão caso o agente declare a vontade
naquela forma prescrita, independentemente de sua vontade”. De outro lado, o negó-
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cio jurídico, que pode ser unilateral ou bilateral, consiste na declaração de vontade
que produz os efeitos jurídicos que o agente desejou atingir; as consequências são
desejadas por ele e não determinadas pelo ordenamento jurídico diretamente, que
apenas as admite ou as reconhece.3 Em termos práticos, a diferença reside no maior
ou menor grau de vinculação do comportamento e de seus efeitos ao ordenamento
jurídico.
Em contraste com o direito privado, o direito administrativo trabalha com o
conceito amplo de “atos da Administração” para englobar todos os fatos jurídicos
voluntários imputáveis à Administração Pública. Nessa categoria incluem-se todas
as manifestações de vontade praticadas por agentes públicos no exercício de suas
funções instrumentais ou f‌inalísticas, com ou sem conteúdo propriamente decisório.
De modo geral, subdividem-se os atos da Administração em quatro gêneros:
(i) Os atos materiais equivalem a comportamentos materializadores de comandos
normativos, mais ou menos abertos, previstos na legislação ou em decisões
administrativas de caráter concreto (atos administrativos) ou de caráter abs-
trato (atos normativos infralegais). Além disso, atos materiais são praticados
para dar vida a um comando jurisdicional, ou melhor, uma decisão expedida
pelo Judiciário. Por se destinarem a concretizar um mandamento de qualquer
um dos três Poderes, os atos materiais da Administração Pública são também
denominados de “atos de mera execução”. Exemplos são os atendimentos em
hospital público, aulas em universidade pública, os cuidados com as áreas
verdes urbanas, as ações de defesa nacional e de manutenção da segurança
pública.
(ii) Os atos opinativos trazem uma opinião ou dados mais ou menos técnicos,
mas necessários à preparação de uma decisão administrativa. Eles servem
de suporte, obrigatório ou facultativo, à elaboração de atos administrativos
ou normativos pela Administração. Exemplos são os pareceres técnicos em
processos de licenciamento ambiental no Sistema Nacional de Meio Am-
biente (SISNAMA), os pareceres sobre revalidação de diplomas estrangeiros
em universidades públicas e sobre pedidos de autorização de concentrações
empresariais no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).
(iii) Os atos normativos conf‌iguram atos jurídicos de caráter geral e abstrato.
Como decisões administrativas gerais, eles são expedidos pelos entes da
Administração Pública, como agências reguladoras, secretarias, universida-
des públicas, a partir da lei e da Constituição. Exemplos se vislumbram em
regimentos e regulamentos, a exemplo daqueles que regem a prestação dos
serviços de telefonia, o funcionamento de um programa de pós-graduação
em universidade pública, a cobrança de bagagens por companhias aéreas ou
o uso de bens públicos.
3. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 514.
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