Concessões

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cOncESSõES
22.1 INTRODUÇÃO E NORMAS GERAIS
22.1.1 Os módulos concessór ios
Os módulos concessórios equivalem a um grupo de contratos administrativos
cuja f‌inalidade central é a transferência temporária de serviços ou obras de titulari-
dade do Estado à exploração econômica por um particular. No geral, o contratado
equivale a empresa ou grupo de empresas reunidas em consórcio, pertencentes ou
não a esferas federativas distintas à do titular do objeto concedido. A transferência
realizada a seu favor abrange apenas a gestão da obra ou do serviço, jamais sua ti-
tularidade, que permanece nas mãos do ente federativo competente. Exatamente
por isso, o contrato de natureza concessória é f‌irmado por prazo determinado, mas
longo o suf‌iciente para viabilizar que o contratado obtenha recursos para cobrir tanto
seu lucro, quanto os custos e investimentos necessários para executar, ampliar ou
melhorar o objeto concedido. Ao f‌inal do contrato, o titular estatal retoma a tarefa
concedida e os bens que lhes forem essenciais (ou seja, os bens reversíveis).
No conjunto dos módulos concessórios, incluem-se diferentes tipos contratuais,
destacando-se as concessões comuns ou plenas de serviços públicos, as concessões
de obra pública, além das parcerias público-privadas (PPP) nas modalidades patro-
cinada ou administrativa. Em contraste com o que ocorre nos contratos de prestação
de serviços regidos pela Lei de Licitações, em que o Poder Público contrata e paga
determinado agente econômico para executar ações de suporte como limpeza,
consultoria, capacitação ou segurança, nos módulos concessórios, o particular é
chamado para desempenhar a própria atividade estatal com todos os componentes
nela envolvidos. Tanto nos contratos de serviços (instrumentais) como nos módulos
concessórios, as partes contratantes são o Estado, de um lado, e um agente econômico,
de outro. Porém, nos concessórios, o objeto do contrato é a função administrativa.
Um exemplo ajuda a esclarecer o conceito. Na política de saneamento básico,
certo Município tem a opção de prestar o serviço de abastecimento de água dire-
tamente. Ao fazê-lo, pode se valer de uma Secretaria da Administração Direta ou,
pela técnica de descentralização funcional, criar autarquia própria, que participará
da Administração Indireta. Nessa prestação direta, o Município contará com o tra-
balho de seus agentes públicos e, eventualmente, celebrará contratos de prestação
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MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO – VOLUME III • Thiago Marrara
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de serviços para obter, no mercado, serviços de limpeza, de segurança, de apoio de
informática, de manutenção, de transporte e outros necessários para auxiliar seus
agentes no objetivo de viabilizar o abastecimento de água à população. Em vez
disso, porém, o Município pode f‌irmar um contrato de concessão para transferir a
determinada empresa a gestão do de abastecimento de água. Essa empresa cuidará
do serviço público por alguns anos, explorando-o economicamente e substituindo o
Município no atendimento aos usuários. Por meio do módulo concessório, o serviço
passa ao modelo de prestação indireta.
Os módulos concessórios permitem que empresas ou consórcios de empresas,
não estatais ou estatais, prestem serviços e/ou explorem obras no lugar da União, dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Eles possibilitam a prestação indi-
reta tanto dos serviços de natureza econômica, quanto dos sociais e, até mesmo, dos
administrativos. É concebível que esses contratos transf‌iram a execução de serviços
federais de distribuição de energia elétrica, serviços locais de saneamento básico e
de transporte coletivo urbano de passageiros, serviços estaduais de gás canalizado,
entre tantos outros. Eles igualmente viabilizam que empresas absorvam a gestão de
bens públicos, como aeroportos, rodovias, ferrovias e portos e outras obras passíveis
de exploração econômica.
22.1.2 Vantagens e desvantagens
Os módulos concessórios são utilizados no Brasil desde longa data. Em movi-
mento pendular, impulsionado por fatores sociais, econômicos e políticos, ora se
acentua a desestatização de serviços estatais, fazendo que esses contratos ganhem
proeminência, ora a estatização e a prestação direta se fortalecem, colocando-os em
segundo plano.
A despeito da tendência de cada momento histórico, fato é que os contratos
em debate sempre ocasionaram alguma controvérsia, sobretudo porque inserem
particulares na prestação de atividades atribuídas ao Poder Público e, no mais das
vezes, de grande interesse e importância para a coletividade. É o que ocorre com os
contratos de delegação de serviços de distribuição de energia elétrica, transporte
coletivo urbano de passageiros e saneamento básico, ou seja, serviços altamente
condicionantes do bem-estar e da dignidade dos cidadãos.
Frente ao impacto desses serviços para a sociedade, na prática, a escolha pelo
modelo de execução indireta de atividades estatais por particulares, baseada em
módulos concessórios da prestação de serviços públicos ou da gestão de obras
públicas, necessita considerar as vantagens e as desvantagens atreladas a esses
contratos. Cumpre à Administração Pública ponderar os malefícios e benefícios
potenciais no caso concreto, pautando-se pela racionalidade, pela f‌inalidade
pública, pela razoabilidade e pelo dever constitucional de oferecer à população
serviços públicos adequados.
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Dentre as vantagens oferecidas pelos módulos concessórios, geralmente, con-
sideram-se:
A possibilidade de atrair capitais privados para investimentos em infraes-
trutura, para a melhoria dos serviços públicos e sua expansão, de modo a
favorecer sua qualidade, sua atualidade tecnológica e sua universalização.
Isso pode ser especialmente útil e oportuno para o titular estatal em períodos
de escassez de recursos públicos;
A utilização do regime jurídico privado, que garante aos prestadores contra-
tados mais f‌lexibilidade e menos custos burocráticos em comparação com
o regime jurídico-administrativo incidente na prestação direta pelo Estado,
dado que, por exemplo, os particulares não são obrigados a realizar licitações
ou concursos públicos;
O compartilhamento de riscos das atividades estatais, já que, ao assumir o ser-
viço ou a obra, o prestador indireto automaticamente absorverá boa parte dos
riscos da sua gestão, de modo a aliviar as responsabilidades do titular estatal;
A viabilidade de se usar um conjunto de técnicas de estímulo econômico à
melhoria do serviço, como os sistemas de remuneração variável ao prestador
por atingimento de metas qualitativas e quantitativas, e
A possibilidade de o titular redirecionar recursos humanos e f‌inanceiros para
atividades que considere prioritárias ou para ações que não aceitam delegação
a particulares, como a regulação.
A essas potenciais vantagens do emprego de módulos concessórios pela Ad-
ministração Pública se somam eventuais desvantagens, que também necessitam ser
ponderadas ao se decidir pela prestação indireta. Dentre elas, merecem destaque:
A necessidade de que o titular do serviço concedido ainda injete recursos
f‌inanceiros na prestação para garantir, por exemplo, a modicidade tarifária
e a universalização. Esses recursos ora aparecem como subsídios e aportes,
ora como contraprestação estatal. A despeito da espécie, fato é que a injeção
desses recursos afasta, de pronto, o argumento de que os módulos concessórios
tornam os serviços públicos independentes do titular em termos econômico-
-f‌inanceiros. Aliás, no Brasil, existem espécies concessórias sustentadas inte-
gralmente por contraprestação estatal, como revelam as PPP administrativas;
A necessidade de que o titular do serviço respeite a equação de equilíbrio
econômico-f‌inanceiro estabelecida no momento da licitação como expres-
são garantidora da segurança jurídica, da previsibilidade e da vinculação ao
instrumento convocatório. Esse fator reduz a capacidade de intervenção e
inf‌luência do titular do serviço sobre seu regime f‌inanceiro, sobretudo em
momentos de alta inf‌lacionária ou diante de eventos extraordinários que
pressionam aumentos tarifários; e
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