Licitações

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LIcITAçõES
20.1 FUNDAMENTOS
20.1.1 Denição
O conceito de licitação equivale a uma categoria de processos administrativos
que o Estado emprega para escolher objetivamente com quem contratará ou, em
certos casos, quem se benef‌iciará de um ato administrativo, como o de outorga de
uso de bens públicos. Trata-se de um conjunto bastante complexo e densamente
normatizado de processos com f‌inalidade seletiva por essência e no qual participam
pessoas físicas ou jurídicas interessadas em f‌irmar relações com o Estado.
Apenas para ilustrar, a Administração Pública emprega licitação para escolher
a empreiteira que contratará para edif‌icar certa ponte ou reformar um hospital
público, o prestador de serviços de limpeza ou de segurança de seus edifícios, o
fornecedor de medicamentos e alimentos para merenda escolar, o locatário de um
imóvel público ocioso, o comprador para os bens que deseja vender. Utiliza esse
tipo de processo, ainda, para selecionar a empresa que assumirá, por concessão ou
permissão, serviços de saneamento básico ou de transporte coletivo e infraestruturas
como portos, aeroportos e rodovias. Todos esses exemplos atestam a importância
dessa categoria processual com f‌inalidade seletiva para o dia a dia da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como para as várias entidades
que formam suas respectivas Administrações Indiretas.
Em termos procedimentais, a licitação abrange uma gama variada de trâmi-
tes destinados à seleção de contratantes. O concurso, a concorrência, o pregão, o
leilão e o diálogo competitivo constituem suas espécies. São essas as modalidades
processuais tratadas na Lei n. 14.133/2021, conhecida como a Lei Geral de Lici-
tações – LLic.
Apesar de essa Lei se restringir aos mencionados processos, seria possível in-
serir no conceito teórico de “licitação”, em sentido alargado, outros processos de
seleção de contratantes que recebem nomenclatura diversa, como o chamamento
público para contratação de organizações da sociedade civil e mecanismos congê-
neres utilizados nas relações com o terceiro setor. Porém, esses processos não cons-
tam da Lei de Licitações (LLic) e se submetem a regras especiais contidas na Lei n.
13.019/2014 e outros diplomas. Isso também ocorre com instrumentos objetivos
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MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO – VOLUME III • Thiago Marrara
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de seleção impostos pelo direito administrativo a entidades privadas que recebem
recursos públicos, como as fundações de apoio.
É inegável que todas essas ferramentas desempenham a mesma f‌inalidade da
licitação e poderiam ser incluídas nesse conceito sob a perspectiva doutrinária,
como dito. Entretanto, a legislação brasileira utiliza o conceito em sentido mais
restrito, uma vez que limita a licitação às modalidades processuais expressamente
mencionadas na Lei n. 14.133/2021.
Para atingirem sua f‌inalidade de seleção objetiva de contratantes ou de bene-
f‌iciários de certo ato administrativo com efeito econômico, as licitações envolvem
sequências racionais e concatenadas de atos materiais, opinativos e jurídicos. Essa
sequência é intensamente disciplinada pela legislação, que a transforma em proce-
dimentos administrativos. Engana-se, porém, quem as toma apenas como tal, ou
seja, apenas como meros procedimentos. Por envolverem conf‌litos de interesses e
direitos daqueles que disputam um contrato ou um ato praticado pela Administra-
ção Pública, as licitações são permeadas pela ampla defesa, pelo contraditório, pela
transparência e por outras garantias. É a inafastabilidade desses direitos e garantias
que as torna verdadeiros processos administrativos.
Na atualidade, esses processos administrativos se espalham mundo afora e sua
adoção tem sido defendida por organizações internacionais, como a OMC e a OCDE.
O protagonismo que as licitações alcançaram nas últimas décadas guarda relação
direta com sua função tanto para o sistema capitalista baseado na concorrência de
mercado, quando para o modelo democrático e republicano que marca os Estados
ocidentais. Ao contribuir para viabilizar escolhas objetivas, a licitação valoriza a livre
iniciativa e busca tutelar a livre-concorrência. Ao mesmo tempo, destina-se a promo-
ver a vantajosidade da contratação pública e a incentivar objetivos públicos, como o
desenvolvimento nacional sustentável. São esses os grandes fatores que consagram
a primazia da realização das licitações e impedem as entidades estatais de celebrar
contratos ou praticar certos atos em favor de pessoas escolhidas diretamente, ou seja,
por critério e vontade do administrador público. Apenas em casos excepcionais é
que o ordenamento aceita a contratação direta por dispensa ou inexigibilidade, de
modo a afastar o uso de instrumento licitatório para a seleção objetiva e competitiva.
20.1.2 Bases const itucionais
A importância das licitações foi reconhecida pela Constituição da República
que, basicamente, trata do assunto em três normas centrais. A primeira consagra
um dever geral de licitar; a segunda abre espaço para um regime licitatório próprio
das empresas estatais e a terceira estipula competência legislativa sobre a matéria.
Em primeiro lugar, a Constituição de 1988 reconhece um dever geral de licitar
ao prescrever que, “ressalvados os casos excepcionais especif‌icados na legislação,
as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de
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licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes” (art.
37, XXI).
Esse inciso se mostra extremamente relevante, pois: (i) evidencia que a f‌ina-
lidade maior das licitações públicas consiste em promover a isonomia nas relações
da Administração Pública com pessoas físicas e jurídicas interessadas em com ela
contratar; (ii) destaca o papel da licitação para a livre-concorrência, para a livre
iniciativa e, em última instância, para o Estado republicano; e (iii) estipula que a
utilização da licitação como método de seleção objetiva por exceção será afastada
apenas em casos indicados pela legislação.
Apesar de estar fundamentado em fonte constitucional e primária, esse dever
geral não é absoluto. Situações existem em que a licitação não se mostrará adequada
para promover interesses públicos e direitos fundamentais. Ademais, o reconheci-
mento do dever geral jamais poderá ser lido como uma imposição de regime jurídico
único. O Poder Constituinte destacou o papel da licitação, mas não impediu que a
legislação institua regimes jurídicos assimétricos e variados, capazes de se adaptar
com mais ef‌iciência aos diferentes contextos da contratação pública. Não há, pois,
imposição de regime jurídico único em matéria licitatória.
Em segundo lugar, conf‌irmando a aceitação da pluralidade e assimetria de re-
gimes jurídicos, a Constituição da República prevê que a “lei estabelecerá o estatuto
jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias
que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou
prestação de serviços”, dispondo, entre outros temas, da “licitação e contratação de
obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração
pública” (art. 173, § 1º, III).
Esse dispositivo sustenta a criação legislativa de um regime licitatório mais
f‌lexível e ágil às empresas estatais que, muito frequentemente, exercem atividades
econômicas em sentido estrito e em regime de competição com outros agentes eco-
nômicos. Esse regime jurídico, hoje, se encontra delineado no Estatuto das Empresas
Estatais (Lei n. 13.303/2016).
Em terceiro lugar, a Constituição da República ainda tratou das licitações ao
distribuir as competências legislativas pelos entes da federação. Esse é o tema, mais
complexo, será debatido no próximo item.
20.1.3 Competências executórias e legislativas
No intuito de fomentar a boa gestão patrimonial do e pelo Estado brasileiro,
a Constituição da República reconheceu o dever de licitar e estipulou regras sobre
a legislação da matéria. Ao fazê-lo, o Poder Constituinte conferiu a todos os níveis
federativos competência executória para licitar e contratar, mas optou por concentrar
o poder de criação de normas gerais sobre licitações nas mãos do Congresso Nacional.
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