Bem de família

AutorHerika Janaynna Bezerra de Menezes e Ana Paola de Castro e Lins
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela Universidade de Fortaleza. Doutora em Direito Civil pela Universidade de Sevilha. Professora de Direito da Família na Universidade de Fortaleza. / Doutoranda em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Senso em Direito (PPGD) da Universidade de Fortaleza e bolsista pelo Programa de Excelência Acad...
Páginas307-326
BEM DE FAMÍLIA
Herika Janaynna Bezerra de Menezes
Doutora em Direito pela Universidade de Fortaleza. Doutora em Direito Civil pela
Universidade de Sevilha. Professora de Direito da Família na Universidade de Fortaleza.
E-mail: herikamarques@unifor.br.
Ana Paola de Castro e Lins
Doutoranda em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Senso
em Direito (PPGD) da Universidade de Fortaleza e bolsista pelo Programa de Excelência
Acadêmica – PROEX/CAPES. Mestra em Direito Constitucional pela Universidade de
Fortaleza. E-mail: paolaclins@gmail.com.
Sumário: 1. Introdução – 2. O direito à moradia como conteúdo mínimo para a garantia da dignidade
no ordenamento jurídico brasileiro – 3. O bem de família como meio de promoção da dignidade
da entidade familiar – 3.1 O respeito à autonomia privada na instituição do bem de família – bem
de família voluntário ou consensual – 4. O Superior Tribunal de Justiça e as demandas sobre a im-
penhorabilidade do bem de família – 4.1 Precedentes do STJ sobre a impenhorabilidade do bem
de família – 5. A penhora do bem de família de ador em contrato de locação comercial e a nova
tese do STF – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A partir da Constituição de 1988, muitas mudanças foram observadas no
ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no âmbito do Direito Civil, cujo foco
primordial eram as situações subjetivas patrimoniais, pertinentes ao campo do ter. A
principiologia constitucional centrada na dignidade da pessoa humana sobrelevou a
disciplina das questões subjetivas existenciais, repersonalizando o Direito Civil, que
passa a atribuir maior enfoque às questões pertinentes ao ser. O fenômeno refere-se à
primazia da pessoa por parte da Teoria do Direito Civil e propõe um Direito a serviço
da vida, orientado por uma visão antropocêntrica.
Se a história do direito é também a história da garantia da propriedade, a discipli-
na atual propõe um maior foco para a pessoa e o seu desenvolvimento. As situações
subjetivas patrimoniais se somam às situações subjetivas existenciais, de sorte que
no trato do ter e do ser atribua-se maior valoração a este último aspecto da existência
relacional do homem.
Muito presente na formação das sociedades, especialmente da ocidental, a
disciplina jurídica da propriedade é extensa e se apresenta como instituto central
do Direito Civil moderno, def‌inido como o direito de gozar e dispor dos bens de
maneira absoluta (MORAES, 2010, p. 5). Para o direito civil publicizado, a pessoa
é o eixo temático central. E, visando à garantia do seu pleno desenvolvimento, até
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mesmo as situações subjetivas patrimoniais, a exemplo da propriedade, podem ser
funcionalizadas.
Exemplo clássico de funcionalização da propriedade para o amparo de questões
existenciais, o bem de família, caso especial de inalienabilidade voluntária, visa em-
parelhar materialmente a unidade familiar. A criação do bem de família, assim como
a impenhorabilidade do módulo rural, ilustram a repersonalização ou despatrimo-
nialização das relações jurídicas civis, na medida em que posicionam a pessoa e as
suas necessidades fundamentais em primeiro plano (FACHIN, 2006, p. 99). Por esta
ótica, até o estatuto jurídico dos bens deve se render aos princípios constitucionais,
cujo núcleo central é a promoção da dignidade da pessoa humana.
2. O DIREITO À MORADIA COMO CONTEÚDO MÍNIMO PARA A GARANTIA
DA DIGNIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A dignidade é um atributo intrínseco à pessoa humana, sendo positivada como
um valor supremo da ordem jurídica pela Constituição Federal, um dos alicerces
do Estado Democrático de Direito e um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil (artigo 1º, inciso III, CF/88). Nas palavras de Canuto (2010, p. 174; 241),
a dignidade da pessoa humana, tida como princípio fundamental da Constituição
Federal, é um supraprincípio, alçado à célula mater dos demais.
O conceito da dignidade,1 constantemente ressignif‌icado, foi desenvolvido a
partir de uma construção f‌ilosóf‌ica até a compreensão atual, que reconhece o homem
como centro do mundo, centrado no mundo. Além de ser um ponto de chegada, a
dignidade, por ser um horizonte a se vislumbrar, é também um ponto de partida, em
razão da descrição da nossa condição, e fundamento de nossa ética, que nos direciona
para realizar o projeto de sermos “seres humanos”.
Nessa toada, para Andrade (1988, p. 102), não importam as condições em que
se encontre a pessoa, ela deve ser respeitada em função de sua dignidade. Do mes-
mo modo, Dworkin (2003, p. 334) af‌irma que o que fundamenta a dignidade é tão
somente a condição humana. Isso demonstra o valor intrínseco da pessoa, derivado
de características que a fazem única.
1. Tomásio apresentou uma distinção da ética pública e privada demonstrando a importância para a compreensão
da dignidade, iniciando a ref‌lexão sobre a composição do homem em “corpo e alma”, com compreensão,
querer e vontade. Não tratou diretamente da dignidade, mas nas ref‌lexões sobre a condição humana apresen-
tou as dimensões da dignidade; Bulamarqui acreditava que o homem era um animal dotado de inteligência e
seria isso o que o distinguia dos demais animais e o que compunha a dignidade; Wol af‌irmava que o homem
estava centrado no mundo e que era o centro do mundo, que a natureza e a essência humana eram comuns
a todos os homens, sendo todo direito natural um direito universal. Pressupunha uma igualdade moral a
todos os homens, por isso todo homem seria livre, de forma a considerar a liberdade (uma dimensão da
dignidade), como a independência de agir dos homens em respeito a vontade de outros homens. Já para o
Conde de Bufon, a dignidade do homem derivava do império dele sobre os outros animais, sendo as verda-
deiras glórias do homem a paz, a ciência e sua felicidade. Para Voltaire, o primeiro traço da dignidade seria
a liberdade (apud PECES BARBA, 2003).

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