BPC-LOAS: Análise da Exigência do Prazo Mínimo de Dois Anos para a Caracterização da Incapacidade face à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

AutorMaria do Carmo Lopes Toffanetto Rossitto Bassetto - Marcelo Eduardo Rossitto Bassetto
Páginas75-86

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Maria do Carmo Lopes Toffanetto Rossitto Bassetto1

Marcelo Eduardo Rossitto Bassetto2

1. Introdução

O Benefício Assistencial de Prestação Continuada, conhecido popularmente como BPC-LOAS, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, posteriormente, regulamentado pela Lei n. 8.742/1993 — Lei Orgânica da Assistência Social — LOAS, é um direito fundamental destinado a amparar a pessoa com deficiência e o idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, garantindo-lhes o recebimento de um salário mínimo mensal.

Por ser uma prestação de natureza assistencial, o BPC-LOAS independe de prévias filiação e contribuição à Seguridade Social. No entanto, para que seja concedido o benefício assistencial, inicialmente, devem ser observadas as duas condições estabelecidas no dispositivo constitucional: a) idade avançada ou deficiência; b) não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida pela família.

Não obstante as disposições constitucionais do art. 203, inciso V, possam ser suficientes para analisar, no caso concreto, o preenchimento das condições para auferir a necessidade da concessão do benefício assistencial, o próprio texto constitucional delegou à lei a tarefa de especificar os pressupostos legais para sua análise e concessão.

Cinco anos depois, foi editada a Lei n. 8.742/1993, com o objetivo de organizar a Assistência Social, que dispós originalmente, em seu art. 20, caput, que "O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família"3.

Desde sua primeira publicação, em 1993, o art. 20 da LOAS sofreu várias alterações em sua redação original, sendo a última dada pela Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), adequando o conceito de pessoa com deficiência ao texto da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado na cidade de Nova Iorque, em 30 de março de 2007.

Ocorre que, antes da adequação legislativa do conceito de "pessoa com deficiência", feita em 2015, a Lei n. 12.470, de 31 de agosto de 2011, já havia introduzido o § 10 ao art. 20 da LOAS, conceituando "impedimentos de longo prazo" como sendo "aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos", dispositivo este que afronta diversos princípios contidos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como viola, entre outros, os princípios da dignidade da pessoa humana e da universalidade da Assistência Social, insculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar, a partir Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, a "convencionalidade" da exigência do prazo mínimo de 2 (dois) anos, para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada — BPC LOAS.

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O tema em estudo é de grande relevância, pois o requisito temporal, previsto no § 10 do art. 20 da LOAS tem o condão de restringir o acesso ao benefício assistencial às pessoas que, mesmo evidentemente incapacitadas a ter provido seu sustento por si ou por sua família, não conseguem demonstrar a permanência da "deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos".

A metodologia utilizada para a elaboração do presente artigo foi a pesquisa e revisão bibliográfica sobre a matéria, explorando doutrina, jurisprudência e legislações nacional e internacional atinentes ao tema em estudo.

2. O Benefício Assistencial de Prestação Continuada — previsão constitucional e regulamentação

A Constituição Federal de 1988 representa o marco histórico do reconhecimento da Assistência Social que passou a figurar dentro do novo conceito de Seguridade Social4, compreendida como "um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social" (BRASIL, CF/1988, art. 194). De acordo com esse novo conceito, a Seguridade Social amplia-se "para além do sistema contributivo, com a instituição de políticas de proteção social que não possuem na contribuição prévia do cidadão um requisito de acesso" (FREITAS; SOUZA; MARTINS, 2013, p. 129).

Previsto na Constituição Federal de 1988, no Capítulo da Seguridade Social, Seção IV — da Assistência Social — art. 203, inciso V, o Benefício de Prestação Continuada (BPC-LOAS)5, é um benefício assistencial, desvinculado de contribuições prévias que tem respaldo na noção de direito e de cidadania. O objetivo principal é promover a proteção das pessoas com deficiência e da população idosa, que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, garantindo-lhes o recebimento mensal do valor correspondente a um salário mínimo.

Sem dúvidas, a previsão constitucional do BPC-LOAS no âmbito da Assistência Social constitui-se num importante marco da proteção social brasileira, por se tratar de um benefício assistencial, vinculado ao salário mínimo e não associado ao trabalho, que alcança "segmentos populacionais em situação de vulnerabilidade pelo ciclo de vida ou deficiência, agravada pela condição de pobreza ou extrema pobreza e que, historicamente, não tiveram acesso pleno às políticas públicas básicas, tais como educação, saúde ou trabalho". Complementam ou autores que:

O BPC constitui-se, assim, como direito de cidadania, garantido no escopo da Seguridade Social, que confere segurança de renda a idosos e pessoas com deficiência que, por diversas circunstâncias do contexto da vida social, não conseguem ou não conseguiram participar do mundo do trabalho ou não tiveram a chance de suas atividades estarem sob a guarida de sistemas de previdência social e, consequentemente não dispõem de meios próprios para o seu sustento. (FREITAS; SOUZA; MARTINS, 2013, p. 131-132)

No entanto, apesar da previsão constitucional, houve certa resistência por parte do Estado brasileiro na implementação da política assistencial. Das três áreas que compõem a Seguridade Social, a Assistência Social foi a última a ser regulamentada: a Lei Orgânica da Assistência Social levou cinco anos, após o advento da Constituição de 1988, para entrar em vigor no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, a Lei n. 8.742/1993 não dispunha, dentre outros aspectos, sobre a definição das formas de comprovação do direito ao benefício, sobre as condições de sua suspensão e, ainda, sobre os procedimentos de pagamento e de fiscalização, impossibilitando a concessão do benefício assistencial, devido à falta de regulamentação dos artigos referentes ao BPC6.

Um ano depois, foi editado o Decreto n. 1.330, de 8 de dezembro de 1994, dispondo sobre a definição dos procedimentos básicos para a operacionalização e concessão do BPC. Todavia, o referido Decreto não teve a eficácia desejada, pois além deixar em aberto definições importantes para a implementação do benefício assistencial, não estabeleceu prazo para início de sua operação.

Devido à morosidade do Legislativo, o único Benefício de Prestação Continuada contemplado pela LOAS só foi devidamente regulamentado dois anos depois da aprovação da Lei n. 8.742/1993, por meio do Decreto n. 1.744, de 8 de dezembro de 1995.

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O Decreto n. 1.744/1995 indicou os procedimentos e o prazo para a implantação do benefício assistencial7; definiu a competência do Ministério da Previdência e Assistência Social, por intermédio da Secretaria de Assistência Social, para a coordenação geral, o acompanhamento, e a avaliação da prestação do benefício e designou o Instituto Nacional do Seguro Social — INSS como o responsável pela operacionalização do benefício de prestação continuada, previsto no Regulamento8.

Mas, somente em janeiro de 1996, mais de sete anos depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, é que o Benefício de Prestação Continuada, no valor de um salário mínimo mensal, começou a ser concedido a seu público alvo, assim definido pelo art. 20, caput, da LOAS, em sua a redação original: "à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família".

2. 1 As alterações legislativas do BPC-LOAS

Desde a aprovação da Lei n. 8.742/1993 e de sua regulamentação pelo Decreto n. 1.744/19959 que regulamentou em seu Capítulo IV os benefícios, serviços, programas e projetos de Assistência Social, o BPC-LOAS passou por uma série de modificações legislativas, que além de alterar a redação dos arts. 20 e 21 da LOAS, provocou mudanças substanciais nas regras de acesso ao benefício, principalmente quanto aos requisitos para sua concessão.

É importante frisar que, a Constituição da República é que primeiro estabelece os princípios fundamentais e os objetivos que norteiam a Assistência Social, bem como define, de forma bastante clara...

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