Breve anotação histórica da suspensão de segurança

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas1-27
Capítulo 01
BREVE ANOTAÇÃO HISTÓRICA
DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA
1.1 INTRODUÇÃO
Apenas para f‌ins didáticos, optou-se por dividir a história do instituto da sus-
pensão de segurança em cinco momentos diversos.
O primeiro momento, da origem remota do instituto, é marcado pela identif‌ica-
ção das raízes e dos modelos estrangeiros que serviram de inspiração à sua criação.
Ainda, neste tópico, procurou-se demonstrar que o instituto nasceu praticamente
junto ao próprio mandado de segurança, na primeira lei processual que regulamentou
o writ constitucional criado em 1934.
A segunda e terceira fases foram neste trabalho delimitadas, respectivamente,
pela forte inf‌luência liberal e social do Estado na utilização do instituto. O critério
para a divisão entre a segunda e a terceira fases foi a mudança de comportamento
do Estado na regulação e na utilização do instituto, o que se deu pela mudança de
paradigma do Estado Liberal para o Social. Passou-se de uma quase nenhuma uti-
lização do instituto a uma utilização voltada à atuação intervencionista do Estado
para a garantia de execução de suas políticas públicas.
Por sua vez, a quarta fase foi reservada para cuidar da suspensão de segurança
após as sensíveis mudanças “legislativas”, perpetradas pela MP 2.180-35 (congelada
pela EC n. 32/2001), em que se observa que o remédio ganhou um papel meramente
político e fruto de um indecente privilégio do poder público. Tais mudanças atingiram
o âmago do instituto, alterando-lhe a natureza e criando hipóteses de cabimento,
sempre em favor da Fazenda Pública e em detrimento do particular.
Já a quinta fase do instituto, atualmente em curso, tem tímido início no f‌im da
primeira década deste século, pelos idos de 2010, e agora é sacramentada com o ad-
vento do NCPC (Lei 13105/2015) e com a implementação na lei processual do modelo
constitucional de processo, em que se destacam dois aspectos centrais: a) a necessidade
de que o processo seja realmente um método democrático de concretização de direitos
fundamentais e b) seja concretizada a defesa da coerência, estabilidade e isonomia do
direito positivo, mediante o resgate do verdadeiro e fulcral papel das cortes supremas
(jurisdição extraordinária) e a valorização dos seus precedentes, com o intuito de que
este fenômeno restabeleça a identidade jurídica do instituto com sensível diminuição da
sua utilização, reservando-o apenas para situações absolutamente excepcionalíssimas.
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SUSPENSÃO DE SEGURANÇA • Marcelo abelha rodrigues
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1.2 ORIGEM REMOTA: AS RAÍZES DO INSTITUTO
No processo romano formulário, em geral, a sentença prolatada produzia coisa
julgada logo após ser proferida pelo juiz popular. Assim, em tal sistema, não havia a
possibilidade de a sentença ser reformada pelo mesmo juiz ou por outro. Entretanto,
como bem pontua José Carlos Moreira Alves1, “indiretamente podia a parte vencida
chegar a resultado a que modernamente se atinge com recursos”.
Um desses mecanismos era a intercessio2, que consistia no veto que um magistrado
fazia à exceção de um ato ordenado por outro. De tal forma, por esse instituto, um juiz
de igual ou superior hierarquia deveria suspender a execução de um ato prolatado por
outro magistrado3. Ora, não há dúvidas de que a origem do pedido de suspensão de exe-
cução de decisão encontra ao menos inspiração na intercessio do período formulário4.
É justamente essa inspiração romana que talvez venha justif‌icar a existência
desse instituto não só no Brasil, mas também nos países que adotam medida similar
à nossa como na acción de amparo5 (art. 2.º, c, da L. 6.986/1966) do direito argenti-
no6-7 pela qual deve ser negada a proteção, caso a providência jurisdicional solicitada
1. José Carlos Moreira Alves. Direito romano, vol. 1, p. 225.
2. Os demais eram a revocatio in duplum e a restitutio in integrum.
3. “No período republicano, em princípio, não se conhecem recursos tendentes ao exame das decisões profe-
ridas, conhecendo-se, porém, certos meios processuais dirigidos contra a sentença. Entre eles conheciam
os romanos a intercessio, a revocatio in duplum e a restitutio in integrum. Pela intercessio, um magistrado da
mesma categoria ou de categoria superior à daquele que proferiu sentença impedia por meio de veto que
o ato fosse executado” (José Cretella Júnior. Curso de direito romano, p. 429).
4. Uma vez implantada a República pelos idos de 510 a.C., esta foi caracterizada por uma administração em várias
magistraturas. A suprema magistratura era exercida pelo imperium, que por sua vez era formado por dois cônsules
eleitos para um mandato de um ano, que exerciam um a um, alternadamente mês a mês, a função de governar
e f‌iscalizar, ou seja, enquanto num mês um governava, o outro f‌iscalizava, tendo este último, no exercício do
poder f‌iscalizador, o direito de veto, ou intercessio, sempre que houvesse discordância do ato do governante.
5. O juicio de amparo é um remédio oriundo do ordenamento mexicano utilizado contra as arbitrariedades do
Estado, cujo campo de incidência é superior ao do nosso mandado de segurança. Em linhas gerais, o amparo
só é possível por iniciativa da parte, sendo essencial a existência de dano ou prejuízo pessoal, e dif‌icilmente
é admitido em caráter preventivo. Pacíf‌ica é a sua utilização contra atos administrativos ou jurisdicionais. A
seu respeito ver por todos Alfredo Buzaid. Juicio de amparo e mandado de segurança: contrastes e confrontos.
In: Revista de direito processual civil, São Paulo: Editora Saraiva, v. 3, n. 5, p. 30–70, jan./jun., 1962.
6. No que diz respeito ao ordenamento jurídico argentino, assim se pronuncia Sagüés, comentando a Lei 16.986:
“En su art. 1.º la ley 16.986 declara tutelados por la acción de amparo ‘los derechos o garantías explícita o
implícitamente reconocidos por la Constitución Nacional’”. Sobre tal artigo prossegue o autor: “(...) es cierto
que, en sentido estricto resulta correcto delimitar los derechos de las garantías; pero no menos cierto que
en el derecho argentino tal distinción no es perfecta, y que la aplicación de esa clasif‌icación tampoco resulta
unánime. De ahí que la expresión del art. 1.º de la ley 16.986 (derechos o garantías), aunque no muy técnica,
brinda sin embargo la solución de insertas en el proceso de amparo, incuestionablemente, a una extensa
gama de bienes jurídicos, se han éstos rotulados de una otra forma. (...) De todas maneras, debe advertirse
que el amparo también es una garantía, en tanto en cuanto se programa para guarecer derechos. Se trata de
una garantía Constitucional aunque implícita, como bien se ha hecho notar que protege los diversos aspec-
tos de la libertad individual, emergiendo tácitamente de la Corte Suprema, sentada en el caso Kot” (Néstor
Pedro Sagüés. Acción de amparo. Derecho procesal constitucional, vol. 3, p. 150). Criticando a terminologia
empregada no referido artigo comentado, posiciona-se Viemonte Sanchez. Juicio de Amparo. Enciclopedia
Jurídica Omeba, t. XVII, p. 171. A este respeito, ver ainda Lazzarini, El juicio de amparo, p. 249 e 256.
7. Sobre o tema, ver Néstor Pedro Sagüés. Op. cit., p. 230 e ss.; com críticas mais brandas que Sagüés ao
referido instituto, ver Osvaldo A. Gozaíni. El derecho de amparo, p. 41 e ss.
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