Breves reflexões sobre o método participativo e sua função na formação do advogado do século XXI: um relato pessoal

AutorÁlvaro A. de F. C. Palma de Jorge
Ocupação do AutorProfessor fundador da FGV Direito Rio, advogado e árbitro
Páginas57-76
BREVES REFLEXÕE S SOBRE O M ÉTODO
PARTICIPATIVO E SUA FUNÇÃO NA FOR MAÇÃO DO
ADVOGADO DO SÉCU LO XXI: UM R ELATO PESSOAL
ÁlVaro a. de F. c. palma de JorG e1
1. O desao
Em relação ao fu turo das carreira s jurídicas, e specialmente d a advo-
cacia, existe uma p ergunta que nã o pode deixar de se r feita: há um
cometa a caminh o? Em dez ou vinte anos, os advogados ai nda existirão
ou serão substituí dos pelo Ross, ELI, C arol ou Victor?2 Se a Sky net3 não
nos eliminar com o espécie primeiro, haverá trabalh o para os advoga-
dos? Se sim, que tipo d e trabalho? E, para es se eventual nanop edaço
do que um dia constitu iu o amplo escopo d e atuação da advoc acia,
que formaç ão precisará ser ofereci da àqueles que ingre ssam hoje na
faculdade de D ireito com a intenção d e um dia trabalhare m em um
escritório de advoc acia? Indubitavelme nte, essas são p erguntas ex-
tremamente desconfortáveis, mas necessárias.
A missão dos doce ntes no século XX I, incluindo d aqueles da áre a
jurídica, não é das mais confortáveis. Independentemente do entusiasmo
para ensinar e da von tade permanente de contri buir para a excelência da
formação dos a lunos, há que s e reconhecer, a cada e ntrada na sala de
aula ou no Zoom, q ue, assim como as e struturas sociais do século XIX,
1 Professor fu ndador da FGV Direito Ri o, advogado e árbitro.
2 “Ros s” é o nome do primeiro p rograma de inteligê ncia articial cri ado pela IBM
(lançado e m 2017) para a anál ise de documentos j urídicos e produç ão de relató-
rios em segun dos. “ELI” e “ Carol” são nom es de outros progra mas mais recente s
que analis am decisões judi ciais e até elaboram p eças para serem a presentadas
em litígi os judiciais. Por m, “Victor” é o nome d o programa q ue vem send o
testado pel o Supremo Tribunal Federa l para a primeira análi se de todos os Re-
cursos Extrao rdinários que chegam à Corte Sup rema. Para uma breve descrição
não acadêmic a do impacto desses prog ramas de inteligência artici al na prática
da advocacia , vale conferir a rep ortagem “Advogados s ão o próximo alvo da in-
teligênci a articial”, do jo rnalista André Lo pes. Disponíve l em https://veja.abr il.
com.br/tecnologia/advogados-sao-o- proximo-alvo-da-inteligencia-articial/.
3 Na obra cinemato gráca The Terminator (19 84), Skynet é o nom e da rede mundia l
de computad ores que, a part ir de sua evolução com o um sistema de intel igência
articial , promove uma guerra nucle ar e cria u m cenário ap ocalíptico ond e as
máquinas iniciam um processo de extermínio dos humanos.
Cadernos FGV d ireito rio
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“tudo que era s ólido desman cha no ar”.4 O pape l de ensinar contr asta
com a caracterís tica básica e contundente do novo sécul o: a incerteza.
Yuval Noah Harari (201 8) dedica um tópico inteiro do se u brilhante
21 lições para o séc ulo XXI par a os d es a os da edu caç ão,5 adotando um
contundente — e assu stador — subtítul o para o capítulo: “A mudan ça
é a única constan te”. Para o autor,
a última coisa que um p rofessor precisa dar a seus a lunos
é informação. E les já têm a informaç ão demais. Em vez
disso, as pesso as precisam de capacid ade para extrair um
sentido da informação. Perceber a diferença entre o que
é importante e o qu e não é, e acima de tu do combinar
os muitos fragmento s de informação num amplo qu adro
do mundo.6
As palavras de Ha rari soam como uma puxada d e tapete, mas qual-
quer um que tenha lho em idade escolar vai entender imediatamente
ao que o professor i sraelense se refere, especia lmente quando você é
confrontado pelo seu lh o com informações que jamais imag inou que
estivessem dispo níveis. Não uma vez, mas todos os dias .
O que deveria ser, então, o ob jeto dos nossos esforços como pro-
fessores na aca demia? Harari ap onta que parte d os especialist as em
Pedagogia ind icam que os focos d everiam ser o pensa mento crítico,
a comunicaçã o, a colaboraç ão e a criatividade, m inimizando os as-
pectos técnicos e a mpliando a ênfase nas habi lidades para propósitos
genéricos, n otadamente o de aprender a l idar com mudanças.7 Ta lve z,
para resumir em um a palavra: “resiliência”. Nem mesm o essa ideia, no
entanto, é consensual.
Embora o diagnós tico sobre o que preci sa ser ensinad o ainda
esteja em constru ção, uma consta tação é inequ ívoca: precisamo s
dis cuti r pe rman ent emen te o tema dos de saos da aca demi a. R eeti r
sobre eles. E xperimentar m odelos. Erra r e começar de novo. N ão há
tempo a perder.
Assim, não obstante a diculdade das previsões acerca do futuro,
parece-me qu e devemos resgatar, diante da sua pers istente atualidade,
alguns dos fun damentos teóricos que las trearam a fundação da E scola
4 MARK, K arl; ENGELS, Fri edrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Ex-
pressão Pop ular, 2008, p. 15.
5 Cf., a pro pósito, o capítulo 1 9. HARARI, Yuval N . 21 lições para o séc ulo XXI. 1. ed.
Trad. Paulo Geig er. São Paulo: Compan hia das Letras, 2018 .
6 HAR ARI, Yuval N. 21 liç ões para o século X XI. 1. ed. Trad. Paul o Geiger. São Paulo:
Companhi a das Letras, 2018, p . 322.
7 Ibide m, p. 323.

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