Um ensaio sobre diferentes possibilidades para aprimorar o ensino jurídico no Brasil: Der Gutachtenstil

AutorAlexander Leonard Martins Kellner
Ocupação do AutorGraduado em Direito pela UFRJ, Faculdade Nacional de Direito
Páginas139-161
UM ENSAIO SOBRE DI FERENTES POSSIBILIDADES
PARA APRIMORAR O ENSINO J URÍDICO
NO BRAS IL: DER GUTACHTENSTIL
alexand er leonard ma rtins Kelln er1
1. Introdução
O ensino jurídico no B rasil, ao men os pelos relatos de pro ssionais
do ramo, parece se co nsubstancia r em um processo de tr ansmissão
oral de conteúdo ju rídico, resumido d e fontes escritas , cujo sucesso
supostamente depende da “didática”2 do professor (locutor) e do
“interess e”3 do aluno (i nterlocutor). O foco de professores de Direito
parece se basea r em um tripé compos to por (i) doutrina; (i i) textos
legais e (iii) juri sprudência . A análise de textos do utrinários pare ce
depender d e uma pré-seleção em algu m grau arbitrária por parte do
professor. Os textos legais s ão inúmeros e se encontram e m constante
alteração legislativa, o q ue talvez coloque em dúvida a ecácia do
aprendizado e m um momento futuro.
Por m, a seleção de casos concretos apresenta ao aluno uma
percepção eq uivocada de que todos os caso s são difíceis e de que a le-
gislação esc rita pouco auxilia o jurista n a resolução de casos con cretos.
1 Graduad o em Direito pel a UFRJ, Facul dade Nacio nal de Direito . Especial ista
em Direito pel a EMERJ. Mestre e Douto rando em Direito da Regul ação — FGV/
DIREI TO RIO.
2 O pró prio conceito parece  uido. De todo modo , o principal proble ma também
aplicável ao D ireito parece deco rrer do que Amini B oainain Hauy de screve como
“liberti nagem de cáte dra” em passagem sobre o e nsino da líng ua portuguesa
no Brasil. A pesar de campos dí spares, parece int uitivo se relacionar o e nsino da
língua por tuguesa com o ensino jur ídico, uma vez qu e todo raciocínio jurídic o
parece diret amente dependente do tex to, da linguagem e da cor reta utilização
das palavras , a exemplo do que ocorre com u ma decisão, sentença o u até uma
Constituição. HAUY, Amini Boainain. Gramática da língua portuguesa padrão: com
comentári os e exemplário s. São Paulo : Editora da Univer sidade de São Paulo,
2015, p. 83 5.
3 O pro blema dos aluno s do campo jurídic o parece extremam ente mais complexo
do que a simple s ideia de interess e. O problema pare ce se iniciar aind a na escola
e na di culd ade de co rreto ap rendi zado de matéri a neces sária s ao ens ino jur ídi-
co, a exemplo do po rtuguês: “O ens ino gramatical n a escola é denuncia do como
uma pertur bação, antes do que um au xílio, para um uso lingu ístico adequado.”
CÂMARA J ÚNIOR, Joaqu im Mattoso. Problemas de linguística descritiva, 2. ed.
Petrópolis: Vozes , 1969, p. 10.
Cadernos FGV d ireito rio
140
Anal, casos de fácil resolução não costumam ser judicializados, fato
que revela que as decisões judiciais costumam versar majoritariamente
sobre casos difíceis.4 Tal situação é agravada p elo fato de que o ensino
jurídico é d iretamente afet ado pela prática pro ssional, uma vez que
a maior parte dos p rofessores de cur sos de Direito se dedi ca, ainda
que parcialmente, a atividades jurídicas prossionais.5 Outro aspecto
importante é qu e não parecem existir balizas clara s entre o raciocínio
jurídico prático e o ra ciocínio jurídi co teórico, fato que nat uralmente
impacta direta mente no ensino da maior pa rte dos professores quand o
lecionam.6 Não é i ncomum relatos de a ulas que apen as transmitem
o conteúdo de regra s para memoriza ção dos alunos , sem qualqu er
preocupação metodológica.7
No mesmo sentid o, não parecem existi r obras de referên cia no
Brasil que ensi nem como profess ores de cursos jur ídicos devem con-
duzir suas aulas . O problema incl usive não parece se r exclusivo do
país brasileiro.8 Frederick Schauer identica situação semelhante nos
Estados Unidos.9
4 SCHAU ER, Frederick . Thinking as a lawyer : a new introducio n to legal reasonin g.
Cambridg e, Massachusett s: Harvard Universit y Press, 2012, p. 22 . “Because ge-
nuinely eas y cases and straightfo rward applications of le gal rules are so rarely
disputed in co urt, the arr ay of disputes tha t do wind up in cou rt represe nts a
skewed sample o f legal events.”
5 Se fun damente o armado com a po ssibilidade consti tucional de cumulaç ão de
cargos previs ta no artigo 37, inciso XVI “ b”: b) a de um cargo de professor co m
outro técnico ou cie ntíco; Assim, juízes, p romotores e advogados púb licos são
exemplos de prossionais que costumam compor o quadro docente de uma série
de instituiçõ es de ensino jurídic o no Brasil.
6 R AZ, Joseph. From normativity to responsabilit y. Reino Unido: Oxford U niversity
Press, 2013 , p. 129: “Suc h uses of ‘practic al’ do not imply th at there is a differ ence
between two ki nds of Reason when ad dressing practic al or theoretical mat ters.
Nor do they pres uppose that there is a speci al form of reasoning, unli ke in im-
portant re spects theoretic al reasoning, to whic h ‘practical reason ing’ refers.”
7 S CHAUER, Freder ick. Thinking as a law yer: a new introd ucion to legal reas oning.
Cambridg e, Massachuset ts: Harvard Univer sity Press, 2012, p. 1 .
8 ALEX ANDER, Larry; S HERWIN, Emily. Demystifying legal reasoning (Cam bridge
Introducti ons to Philosophy a nd Law). Cambrid ge, Reino Unid o: Cambridge U niver-
sity Press, 2 008, p. 2. […] legal re asoning has been s urrounded by an air o f mystery.
More recent wo rks on legal reasoning have p roduced either clari ty nor consensus
on what legal del iberation entail s; if anything, they h ave compounded th e problem.
9 “In the t ypical Law school th e faculty believes that i t teaches legal think ing and
reasoning by o smosis, or interstitia lly, in the process of providing in struction in
substantive s ubjects such as tor ts, contracts , criminal law, proper ty, civil proce-
dure, and con stitucional law. But less tea ching of legal thinking an d reasoning
actually oc curs than fac ulties typically believe , and even if it does take place,
there may be a nee d to describe the object th at law students are suppos ed to
glean from th e typically indire ct teaching of legal re asoning. Simila rly, although
most law teach ers think that it is im portant that stu dents know somet hing about
the major gures, theme s, and examples in the canon o f legal reasoni ng, much
of this materia l also falls through th e cracks in the mode rn law school, and a gain
there appea rs good reason for p resenting it in one pla ce.” SCHAUER, Fred erick.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT