Burn-out x depressão: o burn-out é um vinho velho em uma nova garrafa?

AutorPedro Shiozawa
Páginas60-67

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1. Aspectos gerais

No decorrer do livro já discutimos de modo mais detalhado a gênese multifatorial do burn-out. Vale relembrar, no entanto, que conforme já pontuaram Leiter e Robichaud, o desgaste emocional e fí sico no ambiente de trabalho é tão mais frequente quanto maior for o desencontro entre o tipo de trabalho ou tarefa a ser realizada e as características do indivíduo. Isto é, a etiopatogenia da síndrome de burn-out repousa sobre o desbalanço entre a demanda do meio e a vulnerabilidade individual (determinada por características intrínsecas), resultando em um estado de esgotamento físico e mental, cuja causa está intimamente ligada à vida profissional.

Em contraste com o burn-out, o transtorno depressivo maior (TDM) é classificado como um transtorno mental (APA) que acomete entre 10-20% da população, sendo uma das doenças psiquiátricas mais frequentes na prática clínica (Kessler et al., 2003). O TDM, conforme já discutido em capítulo específico, é caracterizado por um período distinto e duradouro de humor depressivo, anedonia, alteração do sono, apetite, sentimentos de culpa e dificuldade para as atividades da rotina e trabalho. Mas, afinal de contas, por que o síndrome de burn-out não é reconhecida como uma doença mental nos sistemas de classificação internacionais? Seriam burn-out e depressão um mesmo transtorno?

O que pode ser compreendido como uma mera discussão conceitual é, na verdade, um tema fundamental no que tange a estratégias adequadas de tratamento e prognóstico (Ahola et al.). Na prática clínica diária, o burn-out ou é tratado dentro da perspectiva das terapêuticas disponíveis para o tratamento de depressão ou não é tratado de maneira alguma (Kakiashvili et al.).

Na prática clínica diária, o burn-out ou é tratado dentro da perspectiva das terapêuticas disponíveis para o tratamento de depressão ou não é tratado de maneira alguma.

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2. O continuum burn-out e depressão

Tanto pacientes com burn-out quanto aqueles com depressão podem apresentar sintomas em comum como anedonia, queda da produtividade e mesmo dificuldades cognitivas. Diferentes autores chamam a atenção para uma grande sobreposição de sintomas entre o burn-out e a depressão. Em estudo recente (Schonfeld e Bianchi) os autores chegam a salientar que o burn-out parece ocorrer dentro do espectro da depressão, dada a sobreposição de sintomas entre esses dois fenômenos. No entanto, à luz das evidências e discussões atuais, burn-out e depressão são progressivamente separados enquanto fenômenos patológicos apesar de compartilharem características qualitativas comuns, especialmente nas formas graves de burn-out. De fato, os sintomas do burn-out estão relacionados ao contexto do trabalho, enquanto a depressão acontece de modo mais abrangente em diferentes áreas do funcionamento (Iacovides et al.) (Maslach e Leiter).

Em um estudo (Ahola et al.) bastante interessante, pesquisadores avaliaram 3276 funcionários com idades entre 30 e 64 anos com ênfase na avaliação de burn-out. Dentre os trabalhadores que apresentavam de fato burn-out e com escores de maior gravidade clínica, verificou-se que apenas 53% também preenchiam critérios diagnósticos para depressão. Os autores sugeriram que burn-out e depressão devam ser vistos dentro de um mesmo continuum de gravidade, variando desde uma fase adaptativa inicial a um evento estressor até o quadro clínico marcado por disfunções cerebrais em circuitarias específicas.

Burn-out e depressão devem ser vistos dentro de um mesmo continuum de gravidade, variando desde uma fase adaptativa inicial a um evento estressor até o quadro clínico marcado por disfunções cerebrais em circuitarias específicas.

3. Aspectos biológicos

Esforços repetidos no campo da pesquisa clínica têm sido feitos para avaliação de possíveis biomarcadores capazes de aproximar os mecanismos biológicos subjacentes à depressão e ao burn-out. Esses estudos têm dado ênfase tanto a neurotrofinas quanto à questão da volumetria e funcionamento cerebrais que discutiremos brevemente, a seguir.

Primeiramente, em relação à participação das neurotrofinas, recentemente novas pesquisas revelaram que a redução de fatores de crescimento, principal-mente o BDNF (fator neurotró fico derivado do cé rebro, do inglê s brain-derived neurothophic factor) pode estar envolvido na gê nese da depressã o. Na verdade, a reduç ã o dos ní veis de BDNF em pacientes deprimidos está associada com a gravi-dade da depressão (Drzyzga et al.).

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Diferentemente do observado para a depressão, a associação entre BDNF e burn-out não está inequivocamente...

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