O Capitalismo de Vigilância e a crise do Covid-19: a aplicação da teoria da failing firm no controle de estruturas

AutorMariana Damiani Santana
Páginas141-164
MARIANA DAMIANI SANTANA • 141
O CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA E A CRISE DO
COVID19: A APLICAÇÃO DA TEORIA DA FAILING
FIRM NO CONTROLE DE ESTRUTURA S
Mariana Damiani Santana
Sumário: Introdução 1. Concorrência nos mercados digitais e o
Capitalismo de Vigilância 1.1. Big Techs: Por que elas são tão gigan-
tes? 1.2. Capitalismo de vigilância e o imperativo de extração. 2. O
antitruste em face às crises econômicas. 3. O capitalismo de vigilân-
cia e a crise do Covid-19. Conclusões
Introdução
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde
anunciou a pandemia da COVID-19, uma doença provocada pelo
coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 denominada
SARS-CoV-2 (OPAS, 2020).1 Até o dia 17 de junho de 2020 foram
conrmados no mundo o número total de 8.061.550 casos da doen-
ça e mais 440.290 óbitos (OCDE, 2020).
Além da instabilidade social, política e sanitária, a Orga-
nização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
aponta que essa já pode ser considerada a pior crise econômica em
tempos de paz do século XXI (CHARLES, 2020)2. Para se ter uma
ideia, no início de junho de 2020, o Banco Mundial previu que a pro-
dução global encolheria aproximadamente 5,2% em 2020 (CHAR-
LES, 2020).
Dada a necessidade de se garantir o provimento de serviços
1
OPASBRASIL. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=-
com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875
2
Laurance Boone, economista-chefe da OCDE, armou que até o nal de 2021,
a perda de renda vai exceder a qualquer recessão anterior nos últimos anos fora
dos tempos de guerra, com consequências que serão terríveis e duradouras para
pessoas, empresas e governos. Ver mais em: https://edition.cnn.com/2020/06/10/
economy/oecd-coronavirus-economy/index.html
142 • O CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA E A CRISE DO COVID-19: CAPÍTULO 5
públicos de qualidade e garantir a manutenção do mercado, a crise
provoca, necessariamente, a retomada de discussões tanto no campo
econômico quanto jurídico, sobre o papel do Estado na economia,
debate antes negligenciado por um período de discursos políticos de
austeridade e controle de despesas públicas (SILVEIRA, 2020).
Especicamente no que toca ao direito antitruste, a con-
corrência poderá car em “segundo plano, na medida em que a
prioridade dos governos será, em grande medida, a manutenção do
mercado. Esse cenário cria inúmeros desaos para as autoridades
antitruste, na medida em que envolverá a análise de cartéis de crise,
condutas atinentes à preços abusivos bem como a recusa de forneci-
mento. No âmbito do controle de estruturas, objeto do presente es-
tudo, além das discussões sobre medidas no âmbito procedimental,
como a prorrogação de prazos de noticação, discute-se a possibili-
dade de aplicação de teorias como da “failing rm, com o objetivo
de permitir operações societárias de empresas em declínio nancei-
ro (SILVEIRA, 2020). Isso porque, entende-se que os danos econô-
micos da falência das empresas sobrepõem-se aos possíveis efeitos
anticoncorrenciais advindos de eventuais operações para salvá-las
(SALOMÃO FILHO, 2007, p.195-196).
Nessa senda, há uma grande preocupação entre as autorida-
des de defesa da concorrência de que o cenário de fragilidade alia-
do à exibilização do enforcement antitruste gere uma sequência de
análise equivocadas, as quais podem provocar efeitos nocivos para a
concorrência, especialmente em relação à empresas já dominantes
que podem expandir, ainda mais, seu poder de mercado: as Big Te-
chs. Enquanto a economia global está em declínio profundo, em que
dezenas de empresas estão em processo de falência ou recuperação
judicial, as Bigs Techs estão cada vez mais lucrativas, buscando acor-
dos em ritmo frenético para proceder aquisições e investimentos
estratégicos, para, então, ressurgir como protagonistas em setores
emergentes, por meio de aquisições e fusões de start-ups e empresas
de médio e pequeno porte, cujos modelos de negócios foram afeta-
dos pela crise (ISAAC, 2020).
Esse cenário pode signicar uma consolidação adicional do
poder das Big Techs em meio à crise do COVID-19, ensejando num
alargamento, ainda maior, entre os maiores players e seus concorren-
tes menores, congurando mais uma estratégia daquilo que é deno-
minado por Shoshana Zubo como o “dispossesion cycle.

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