Direito, democracia & internet e suas interações constitucionais e comparadas: uma introdução

AutorEmilio Peluso Neder Meyer/Fabricio Bertini Pasquot Polido
Ocupação do AutorProfessor Associado de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG, Graduação e Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado)/Professor Associado de Direito Internacional, Direito Comparado e Novas Tecnologias da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Páginas24-41
24 • DIREITO, DEMOCRACIA & INTERNET E SUAS INTERAÇÕES : CAPÍTULO 1
DIREITO, DEMOCRACIA & INTERNET E
SUAS INTERAÇÕES CONSTITUCIONAIS E
COMPARADAS: UMA INTRODUÇÃO
Emilio Peluso Neder Meyer1i
Fabrício Bertini Pasquot Polido2
Sumário: 1. Erosão das democracias: um processo globalizado. 2.
Retrocesso democrático e retrocesso autoritário. 3. Erosão constitu-
cional no Sul-global. 4. Erosão democrática pela via digital. 5 Erosão
democrática digital e respostas jurídicas. Conclusões. Referências.
Introdução
Uma das questões mais intrigantes referentes à explosão da
inserção das redes e novas tecnologias em quase todos (senão todos)
os aspectos da vida humana é que ela se deu e se aprofundou ao mes-
mo tempo em que democracias no mundo começaram a enfrentar
sérias perdas em termos qualitativos. Ao tempo em que é possível
vigiar, dominar, extrair e determinar dados comportamentais de
quase todos os que se encontram conectados, permitiu-se incutir e
direcionar decisões e comportamentos políticos, processos eleitorais
e propagandas políticas. Assim, o objeto central da era de um capita-
lismo de vigilância não é somente o consumidor ou usuário (que se
confunde, hoje, com a própria mercadoria) (ZUBOFF, 2019), mas é
também o eleitor e todos aqueles que supõem guiar as rédeas de sua
própria vontade política.
Daí ter se tornado premente a necessidade de que haja tra-
tamento jurídico – e constitucional – das relações advindas do im-
1 Professor Associado de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG, Graduação e Programa de Pós-Graduação
(Mestrado e Doutorado). Mestre e Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da FD/UFMG. Pesquisador
em Produtividade do CNPQ (304158/2018-6).
2 Professor Associado de Direito Internacional, Direito Comparado e Novas Tecnologias da Faculdade de Direito da Universida-
de Federal de Minas Gerais - UFMG. Professor do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito e do Programa
em Inovação Tecnológica da UFMG. Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo-USP. Coordenador do
Centro de Estudos Jurídicos Transnacionais e Comparados da UFMG. E-mail: fpolido@ufmg.br.
EMILIO PELUSO NEDER MEYER & FABRÍCIO BERTINI PASQUOT POLIDO •25
pacto promovido pelas inovações tecnológicas. Muito ao contrário
de se esperar a manutenção do vigente paradigma neoliberal, é fun-
damental que o direito paute e normatize relações sociais que são
permeadas, desde o início, por uma abissal desigualdade. Pense-se,
por exemplo, no poder concentrador das big techs, as gigantes do
Vale do Silício (Amazon, Facebook, Google, Apple, entre outras) que
conseguem empregar um número reduzidíssimo de pessoas para fa-
zer operar imensos conglomerados com valores de mercado nunca
imaginados nem pelos maiores entusiastas do capitalismo indus-
trial. Ora, constituições, e o próprio direito, devem determinar como
manejar e manter os ganhos da era digital sem perder em igualdade,
privacidade e mesmo liberdade. Isto não signica que se trate de um
caminho de menor autonomia. Pelo contrário, cuida-se de, de fato,
de propiciar mais autonomia para um número ainda maior de sujei-
tos de direito.
Nessa breve introdução metodológica, pretende-se cum-
prir dois objetivos. Primeiro, apresentar o “estado da arte” das de-
mocracias contemporâneas, esclarecendo a razão de ser necessário
preocupar-se, como os artigos desse volume o fazem, com os efeitos
jurídicos da era da digitalização. Segundo, indicar os passos e res-
postas que têm sido dadas pelas instituições jurídicas para atender
à necessidade de uma normatização constitucionalmente adequada
de relações sociais oriundas das próprias modicações tecnológicas.
1. Erosão das Democracias: um processo globalizado
O fenômeno de um decréscimo na qualidade da democracia
ao redor do mundo tem chamado a atenção de entidades da socie-
dade civil e, sobretudo, da academia. Basta pensar em casos como
o norte-americano, com repetidos excessos do Executivo e ataques
ao Judiciário – além de uma contestada eleição e um assalto físi-
co às instituições3 – o húngaro, com a substituição constitucional
como plataforma para a democracia iliberal e o deliberado ataque
às universidades, o polonês, com tentativas exitosas e frustradas de
captura das cortes, ou o lipino, com a sangrenta guerra às drogas
de Rodrigo Duterte. Essa miríade de casos tem feito com que obser-
3 Para uma reconstrução detalhada dos eventos da tomada do Capitólio por apoiadores de Donald Trump, cf. https://www.
nytimes.com/spotlight/us-capitol-riots-investigations.

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