Democracia e internet na ascensão da política antidemocrática: interpretações, autoritarismo e extrativismo de dados

AutorBernardo Antônio de Lima e Silva/Thiago Nogueira Araújo
Ocupação do AutorGraduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/Mestrando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Páginas84-111
84 • DEMOCRACIA E INTERNET NA ASCENSÃO DA POLÍTICA : CAPÍTULO 3
DEMOCRACIA E INTERNET NA ASCENSÃO DA
POLÍTICA ANTIDEMOCRÁTICA: INTERPRETAÇÕES,
AUTORITARISMO E EXTRATIVISMO DE DAD OS
Bernardo Antônio de Lima e Silva1
Thiago Nogueira Araújo2
Sumário: Introdução. 1. Tecnologia e Política. 1.1. Análises pro-
duzidas no nal da primeira década do século XXI: primeiras ree-
xões sobre os benefícios e prejuízos das mídias digitais na ordem
democrática. 1.2. Emergência da perspectiva pessimista: mídias di-
gitais como elemento disruptivo da democracia. 1.3. As Propostas
de Solução de Yascha Mounk, de Evgeny Morozov e de Andrew
Keen; 2. Autoritarismo e Novas Mídias. 2.1 Incrementando o Auto-
ritarismo com as Mídias Digitais: Governança Digital, Capitalismo
de Vigilância e o Extrativismo de Dados. Considerações nais. Re-
ferencias.
Introdução
Escrevendo sobre esfera pública virtual, Papacharissi (2009)
discute a questão da neutralidade da internet, com base em duas
perspectivas retóricas dicotômicas, que marcaram as interpretações
sobre possibilidades e riscos da internet para as democracias: aque-
las utópicas, que percebiam na internet e nas novas mídias digitais
o potencial para superar insuciências e contradições da democra-
cia representativa; e aquelas distópicas, mais propícias a criticar o
entusiasmo “democratizante” da internet e a prever a gestação dos
autoritarismos – e mesmo totalitarismos - do futuro. Em outras pa-
lavras, a autora coloca as interpretações sobre os potenciais políticos
1
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Ad-
vogado.
2
Mestrando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de Mi-
nas Gerais. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais e em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ad-
vogado.
FBERNARDO ANTÔNIO DE LIMA E SILVA & THIAGO NOGUEIRA ARAÚJO • 85
da internet divididas entre vieses otimistas e pessimistas.
Passados dez anos da publicação do seu trabalho, é impos-
sível não notar o aspecto distópico desequilibrando a balança entre
as duas perspectivas. Desde 2009, muitos eventos políticos tiveram
lugar, com o auge da euforia e do otimismo na explosão da Prima-
vera Árabe, em manifestações de massa que derrubaram antigas
ditaduras na região do Oriente Médio. Essas manifestações foram
potencializadas pelo uso da internet e das redes sociais, como meio
de organização da ação coletiva, atingindo-se, entretanto, o auge da
surpresa, perplexidade e pessimismo com o retorno de ditaduras na
mesma região e o ressurgimento de autoritarismos na Rússia, Leste
Europeu, América Latina e mesmo nos países de democracias consi-
deradas “maduras”.
Na realidade, a interpretação da internet dividida entre
perspectivas otimistas e pessimistas é uma “chave interpretativa” que
seria repetida por outros estudiosos da internet (MOUNK, 2018),
na tentativa de compreender os efeitos e usos que são feitos dela,
podendo variar, mais para um lado ou para outro, de acordo com
o contexto cronológico-temporal ou sociopolítico. Fundamental,
todavia, é perceber a centralidade que a internet e as redes sociais
assumiram no debate geral sobre a “crise” das democracias e do res-
surgimento do autoritarismo como tentativas muitas vezes fracas-
sadas de compreender esses novos movimentos, na medida em que
reproduziam equívocos anteriores, relacionados aos vieses interpre-
tativos “otimistas” e “pessimistas” da internet.
Parte do fracasso em se contrapor, de maneira ecaz, a esses
movimentos, decorre não apenas da perplexidade quanto a uma cer-
ta “novidade” desse movimentos, mas também das ilusões que foram
gestadas pelos pressupostos dos valores e das instituições ocidentais,
especialmente as ideias de progresso e esclarecimento do Iluminis-
mo e da democracia liberal (BROWN, 2019, p.2), que “contaminam”,
da mesma maneira, as interpretações sobre as potencialidades e ris-
cos da internet e das tecnologias da informação, de maneira a nos
tornar despreparados para compreender, adequadamente, tanto o
surgimento das forças antidemocráticas quanto o papel desempe-
nhado pela internet e pelas tecnologias da informação. A estrutura e
a direção de um estudo como esse poderiam se concentrar em mui-
tos aspectos; entretanto, o primeiro passo, e talvez o principal nesse
sentido, como Morozov arma, é compreender “as deciências” da

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