Capítulo 3 - Traumatologia forense - Lesões corporais e energias de ordem mecânica

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CAPíTulO 3
TRAuMATOlOGIA FORENSE –
lESÕES CORPORAIS E ENERGIAS
DE ORDEM MECÂNICA
O artigo 129 do Código Penal Brasileiro (CPB) não faz a distinção entre os termos
“Lesão Corporal Grave e Gravíssima”; contudo, esta classicação é de constituição
doutrinária e jurisprudencial, de amplo emprego na prática médico-legal. As lesões
corporais graves são aquelas em que ocorrem os resultados incapacidade para as
ocupações habituais por mais de 30 dias; perigo de vida; debilidade permanente de
membro, sentido ou função; ou aceleração de parto. Como resultados que qualicam
a lesão corporal dolosa como gravíssima, tem-se a incapacidade permanente para o
trabalho; a enfermidade incurável; a perda ou inutilização de membro, sentido ou
função; a deformidade permanente ou o aborto. A lesão corporal leve é, portanto,
diagnosticada por exclusão. É muito importante o conhecimento dos resultados que
qualicam as lesões corporais como graves e gravíssimas, bem como sua interpreta-
ção médico-legal, assunto frequentemente abordado em provas de concursos. Tais
qualicadoras se aplicam apenas às lesões corporais dolosas, sendo que as culposas
são tratadas no § 6º do art. 129 do CPB.
A Traumatologia ou Lesionologia Forense é o estudo do trauma, visto como a
transferência de energias do meio ambiente para o corpo, e das consequentes lesões,
resultado nal do dano. Essas energias são as mais diversas e dividem-se em ordens
mecânica, física, química, físico-química, bioquímica, biodinâmica e mista.
As energias de ordem mecânica são as maiores causadoras de dano e podem ser
compreendidas como aquelas que têm o condão de alterar o estado de repouso ou
movimento de um corpo, ocasionando-lhe danos de toda ordem, com repercussões
externas ou internas.
(MÉDICO LEGISTA – POLÍCIA CIVIL MG – 2006) Assinale a armativa CORRETA. Considerando-se as lesões
corporais como leves, graves e gravíssimas, congura-se como gravíssima a seguinte situação
traumática:
(A) Perigo de vida
(B) Aceleração de parto
(C) Anquilose coxofemoral
(D) Disacusia
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MEDICINA LEGAL • Luciana de PauLa Lima GazzoLa
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(E) Perda de um rim
A: incorreta, pois o perigo de vida congura lesão corporal grave (art. 129, § 1º, inciso II, CPB); B: incorreta, pois a
aceleração de parto congura lesão corporal grave (art. 129, § 1º, inciso IV, CPB); C: correta. A anquilose da articulação
coxofemoral ou anquilose de quadril consiste na rigidez completa por aderência dos ossos da articulação. É praticamente
uma soldadura dos ossos e congura uma enfermidade incurável, sendo necessária a colocação de uma prótese total de
quadril. Por tal razão, consiste uma enfermidade incurável e congura lesão corporal gravíssima tipicada no art. 129, §
2º, inciso II, do CPB; D: incorreta, pois a disacusia consiste em distúrbio da audição, com debilidade permanente desse
sentido (não ocorre a perda da audição, mas apenas sua redução), congurando lesão corporal grave (art. 129, § 1º, inciso
III, CPB); E: incorreta, pois a perda de um rim, estando o outro normal, congura apenas lesão corporal grave (art. 129, §
1º, inciso III, CPB), por debilidade permanente da função do órgão. A perda de um dos órgãos duplos (como rins, ovários,
testículos, pulmões, olhos), estando o outro normal, não congura a perda completa da função desse órgão, mas apenas
sua debilidade. Ressalte-se que estamos ora falando de órgãos duplos e não de membros! A perda de um membro (uma
perna, um braço) já é lesão corporal gravíssima. O inciso menciona “perda ou inutilização de membro, sentido ou função”.
Assim, a perda de um só membro já congura a lesão gravíssima. Quanto ao sentido ou função, é que se avaliam os órgãos
(que conferem a capacidade funcional ou o sentido) de forma sistêmica. Logo, a perda de um órgão duplo, estando o outro
perfeitamente funcionante, debiliza a capacidade funcional orgânica.
Gabarito “C”
(MÉDICO LEGISTA – POLÍCIA CIVIL MG – 2013) De acordo com o artigo 129 do Código Penal Brasileiro, é
CORRETO armar:
(A) O choque hipovolêmico não congura perigo de vida.
(B) A retirada de um rim congura perda da função excretora.
(C) A deformidade permanente sempre pressupõe um dano estético.
(D) A incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias refere-se exclusivamente
ao trabalho.
A: incorreta, pois o choque hipovolêmico é uma condição clínica grave que congura risco de morte, evidente, efetivo e
atual. São condições médicas frequentemente trazidas como exemplos: ferimentos em cavidades com graves hemorragias,
grandes queimados, choque, traumatismo crânio-encefálico grave com comprometimento do sistema nervoso central;
B: incorreta, pois a perda de um órgão duplo acarreta a debilidade da função própria daquele sistema e não sua perda,
estando o outro órgão íntegro. Genival Veloso de França é claro ao armar que a perda de um dos órgãos duplos constitui
uma debilidade (FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017, p. 200); C:
correta. Para a conguração da deformidade permanente, lesão corporal gravíssima de acordo com o art. 129, § 2º, inciso
IV, do CPB), é necessária a presença de um dano estético que gere repulsa em quem observa e atinja a autoestima da
vítima, causando-lhe vergonha ou prejuízo à sua sociabilidade. A deformidade deve ser, portanto, uma desguração notável,
considerável. Não importa a parte do corpo em que ela esteja localizada, bastando que ela possa eventualmente ser vista.
Deve-se ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de que “a realização de
cirurgia estética posteriormente à prática do delito não afeta a caracterização, no momento do crime constatada, de lesão
geradora de deformidade permanente, seja porque providência não usual (tratamento cirúrgico custoso e de risco), seja
porque ao critério exclusivo da vítima” (STJ, Sexta Turma, HC 306.677/RJ, DJe 28/05/2015); D: incorreta, pois o conceito
de “ocupações habituais” não se restringe às atividades econômicas ou lucrativas, mas a qualquer atividade corriqueira. Por
isso, crianças, bebês e pessoas aposentadas também podem ser vítimas de lesões que acarretam esse resultado congura-
dor de lesão corporal grave. Ressalte-se que o texto penal menciona o aspecto temporal, levando à necessidade de que se
realize o exame pericial complementar logo que decorra o prazo de 30 dias contados de forma contínua e desde a data do
crime (atenção a esse ponto, pois algumas questões mencionam o prazo de 30 dias desde a data do primeiro exame, o que
está errado). O art. 168, § 2º, do Código de Processo Penal refere-se a esse prazo, deixando claro que o prazo se conta da
data do crime. Devemos diferenciar a “incapacidade permanente para as ocupações habituais por mais de 30 dias” (lesão
corporal grave) da “incapacidade permanente para o trabalho” conguradora da lesão corporal gravíssima. A medicina
legal considera que tal incapacidade permanente para o trabalho deve ser denitiva, sem possibilidade de cessação, e com
privação do indivíduo de exercer qualquer atividade econômica. Em regra, trata-se de incapacidade para o trabalho em geral
e não somente para a atividade especíca que a vítima estava exercendo. Mas há exceções, pois a troca de atividades (por
exemplo, por reabilitação prossional) não pode ser completamente desproporcional em qualidade, espécie ou rentabilidade,
em comparação ao que o trabalho anterior proporcionava ao indivíduo.
Gabarito “C”
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