A cidade instantânea no futuro mais quente e incerto

AutorNatalie Unterstell
Páginas206-216
206
A CIDADE INSTANTÂNEA NO FUTURO
MAIS QUENTE E INCERTO
NATALIE UNTERSTELL
INTRODUÇÃO
Já há inúmeros centros urbanos que tentam funcionar de “modo conec-
tado” e que recebem a alcunha de “cidades inteligentes” por se mostrarem
sensíveis a produzir, consumir e distribuir um grande número de informa-
ções em tempo real. Segundo Gaspar, Azevedo e Teixeira, “o modelo de
cidade inteligente vem com a proposta de monitorar e integrar as condi-
ções de operação das infraestruturas críticas da cidade, atuando de forma
preventiva para a continuidade de suas atividades essenciais, melhorando
as condições de serviços e a qualidade de vida dos cidadãos”.1
Em geral, essas cidades agregam três capacidades novas ao seu portfólio
tradicional de gestão municipal: a automação, que libera recursos de tare-
fas repetitivas para outras e pode eliminar a necessidade de envolvimento
humano em atividades perigosas; a customização dos serviços e das intera-
ções com os cidadãos; e a predição e prevenção, que permite que governos
intervenham e previnam problemas antes deles ocorrerem.
2
A governança
das cidades inteligentes não é o foco deste artigo – de todo modo, ressalta-se
aqui que ela é fundamental ao processo de aprendizado e de regulação das
novas funcionalidades da “cidade instantânea”. Requer-se que os governos
criem e em alguns casos antecipem regras e políticas para lidar com essa
“inteligência”, como a da vigilância de dados, além de enfrentar gargalos
até então não conhecidos.
1 Cf.: CIKI. Análise do ranking connected smart cities. Disponível em
ufsc.br/wp-content/uploads/2016/12/ANÁLISE-DO-RANKING-CONNECTED-SM
ART-CITIES.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2017.
2 Cf.: WORLD GOVERNMENT SUMMIT. Advanced science and the future of
government. Disponível em:
document/fae769c4-e97c-6578-b2f8-ff0000a7ddb6>. Acesso em: 11 ago. 2017.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 207
Nessas cidades as informações, os dados e as ideias são compartilhados
por diferentes atores da comunidade, do setor público e do setor privado
em modo instantâneo. As cidades inteligentes têm o potencial de contribuir
para que o poder público reconheça problemas e de oferecer um papel novo
ao cidadão quanto a produzir informações, auxiliando a mapear, discutir
e enfrentar essas dificuldades, ambos em tempo real.3 Embora aplicações
pontuais apresentem efeitos interessantes, por exemplo, na eficiência de se
reduzir o volume de tráfego durante os horários de pico ou na redução do
consumo energético através de sensores de iluminação pública, é a compo-
sição de dados em tempo real com desempenho de rede e comportamento
dos usuários que permite que as cidades inteligentes atuem orquestrando
dados e melhorando gradualmente as percepções algorítmicas. Estimativas
indicam que em 2020 haverá mais de 24 milhões de “coisas” conectadas
em uso nas cidades.4 Edifícios comerciais e veículos inteligentes serão os
principais contribuintes para isso, representando 58 por cento dos todas
as “coisas” instaladas e conectadas em rede.5
A inteligência das cidades é também incremental: quanto mais dados são
tornados públicos e quanto mais “coisas” atuam conectadas em rede, mais
aprendizado coletivo fica a serviço da população. A gestão “instantânea”
da cidade tem o potencial de aproximar os cidadãos e os serviços, de modo
que as expectativas, os comportamentos e os investimentos públicos sejam
transformados em uma mesma direção.
Mas a inteligência das cidades precisa ir além da conectividade: os respon-
sáveis pela elaboração de políticas devem considerar os US$ 350 trilhões em
gastos globais com construção, operação e manutenção de infraestrutura
urbana projetados para os próximos 30 anos como uma oportunidade para
que suas cidades se tornem investidoras em soluções transformadoras – e,
por extensão, mais resilientes e sustentáveis.
3 Cf.: CIKI. Análise do ranking connected smart cities. Disponível em:
ufsc.br/wp-content/uploads/2016/12/ANÁLISE-DO-RANKING-CONNECTED-SM
ART-CITIES.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2017.
4 Cf.: SPECTRUM. Popular Internet of Things Forecast of 50 Billion Devices by 2020
Is Outdated. Disponível em:
popular-internet-of-things-forecast-of-50-billion-devices-by-2020-is-outdated>.
Acesso em: 11 ago. 2017.
5 CF.: BUSINESS INSIDER. Here’s how the Internet of Things will explode by 2020.
Disponível em: .com/iot-ecosystem-internet-of-thin-
gs-forecasts-and-business-opportunities-2016-2>. Acesso em: 11 ago. 2017.
208 HORIZONTE PRESENTE
Nesse sentido, apresento a seguir três situações em que as cidades bus-
cam expandir sua conectividade e, por conseguinte, sua inteligência,
mostrando algumas das limitações e oportunidades presentes nesses casos.
A apresentação desses casos está em linha com o conceito de evolução ou
maturação das cidades inteligentes ao longo de um “processo” ou “jorna-
da”, desenvolvido e aplicado por diferentes organizações.6 7
CADA COISA EM SEU LUGAR
A cidade de Detroit, nos Estados Unidos, perdeu cerca de 70% dos seus
habitantes em função da recessão econômica dos anos 2000, que atingiu
em cheio sua indústria automotiva. Incapaz de lidar com o desemprego
de dois dígitos, com uma das maiores taxas de criminalidade dos Estados
Unidos e dado o abandono da cidade já esvaziada, Detroit declarou falência
em 2013. Quando assumiu como prefeito em 2014, Mike Dugan tinha de
enfrentar esse quadro de falha total. Ele resolveu começar pelo básico:
acertar os semáforos das ruas, fazendo com que eles estivessem ligados
e sincronizados. Esse gesto deu aos cidadãos um sinal simples, direto e
claro: a cidade voltaria a funcionar.
Quase dezesseis meses depois que Detroit declarou a maior falência
municipal da história dos Estados Unidos, um juiz federal aprovou um
plano para reduzir os US $ 7 bilhões da dívida da cidade e investir mais de
US $ 1 bilhão em serviços públicos ao longo de 10 anos. Um dos passos
seguintes foi investir em um plano de iluminação inteligente, que não só
deu oportunidade para economia de recursos – estima-se quase US $ 3
milhões em contas de energia elétrica do município – como desencorajou
a criminalidade – mais iluminação e menos violência – e reduziu a ne-
cessidade de manutenção da rede – a fiação deixou de ser feita de cobre e
passou a ser de alumínio, de menor valor de mercado.
Detroit ilustra alguns aspectos interessantes para se pensar o direito à
cidade: suas “coisas” são “ativas”, há planos “coletivos” e as autoridades
tomam decisões das mais simples as mais difíceis de modo transparente.
Detroit organizou as “coisas” básicas, incrementou ao longo do tempo sua
capacidade de servir e guiou-se por uma visão de longo prazo produzida
coletivamente e legitimidade por uma eleição.
6 Cf.: URBAN TIDE. Overview of the Smart Cities Maturity Model. Disponível em:
-
0f8960472ef49/1437515772651/UT_Smart_Model_FINAL.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2017.
7 Ver: MEETING OF THE MINDS. Evolving Smart City Approaches: Path and
Journey. Disponível em: g/evolving-smart-city-appro-
aches-path-and-journey-14087>. Acesso em: 11 ago. 2017.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 209
Organizar as “coisas” básicas da cidade é uma motivação importante ao
desenvolvimento e no uso de aplicativos digitais que permitem que cidadãos
conectados indiquem problemas na cidade, avaliem serviços públicos e
proponham soluções. Do ponto de vista do cidadão, diversos aplicativos
servem a esse propósito: de mapeamento de buracos nas ruas à avaliação
da gestão. Do ponto de vista de governo, Cingapura, por exemplo, está
analisando enormes quantidades de dados anônimos de geolocalização
de telefones celulares para ajudar a identificar áreas ocupadas, rotas po-
pulares de tráfego e pontos de almoço e usar essas informações para fazer
recomendações sobre onde construir novas escolas, hospitais, ciclovias e
rotas de ônibus. Para conseguir avançar com esse propósito, Cingapura
tinha já um nível de organização municipal bastante alto.
Não está claro se a inteligência de dados serve apenas a cidades já com-
petitivas, como Cingapura. O caso de Detroit ilustra que, a partir de um
determinado nível de organização das “coisas” básicas, pode ser viável e
de interesse para as cidades considerarem a implementação de tecnologias
e análise de dados.
LUGARES EM QUE NÃO HÁ COISAS
Stephen Goldsmith e Susan Crawford no livro The Responsive City de-
fendem que o futuro está nas cidades que partilham seus rumos perma-
nentemente com os seus cidadãos. Em 2050, projeta-se que um terço da
população mundial viverá em favelas, segundo a Organização das Nações
Unidas. Para que as cidades inteligentes deem conta dessa realidade, fer-
ramentas digitais devem ser úteis para todos os cidadãos das cidades. Para
tanto, as cidades inteligentes dependem tanto de um espalhamento das
“coisas” na sua geografia e no aprimoramento da democracia.
Hoje, há pouca integração entre iniciativas de digitalização nas favelas
e sistemas de cidades inteligentes. Esse é o caso do Rio de Janeiro, em
que um centro de excelência foi criado para prevenção, monitoramento
e resposta que atuou em diversos megaeventos, como a Copa do Mundo
e as Olimpíadas; mas o raio de alcance da inteligência urbana é limitado
nas fronteiras entre “asfalto e favela”.
Único exemplo brasileiro citado no livro The Responsive City – este que
é considerado como referência maior sobre governança de dados e cidades
inteligentes na literatura internacional, a Ágora Digital, na favela do Morro
do Vidigal, reunia espaço público, integração urbana e sustentabilidade,
em um antigo depósito de lixo que foi transformado em agrofloresta pela
comunidade da favela. A Ágora Digital oferecia um espaço digital e físico
210 HORIZONTE PRESENTE
para os moradores da comunidade reivindicarem seu lugar na tomada de
decisões da cidade e para experimentarem novas abordagens de urbaniza-
ção. A Ágora Digital tinha como proposta trazer para o tempo da decisão
política de hoje os dados históricos e também projeções futuras, para se
formularem propostas de arquitetura inteligente na comunidade. Com uso
de sensores, projetava-se o mapeamento dos canais de drenagem e sanea-
mento do morro, até então desconhecidos. Independentemente do poder
público, a Ágora Digital e outros agentes de interesse público forçaram a
favela e a cidade para o campo da inteligência, mesmo que não integrados
ainda a um sistema maior.
De acordo com Goldsmith e Crawford (2014), havia na Ágora Digital,
feita de baixo para cima, grande contraste com o Centro de Operações do
Rio de Janeiro, feito de cima para baixo, segundo eles. “As telas exibem
informações de 560 câmeras, um sistema de previsão meteorológica e várias
camadas de dados coletados de sensores colocados ao redor da cidade”,
menciona o livro, enquanto “o Morro do Vidigal ainda não tem um mapa
físico da comunidade” (GOLDSMITH; CRAWFORD, 2014).
Se, por um lado, a iniciativa na favela passava à inclusão de áreas além
do domínio do Estado no mapa da cidade e na rede virtual, ela pretendia se
valer das mesmas ferramentas da cidade inteligente – sensores, etc. – para
resolver problemas da comunidade. Seria como uma “favela inteligente”,
mas por algum tempo desconectada do todo da “cidade inteligente”.
Em função do arrefecimento da violência urbana pós-Olimpíadas de 2016,
a Ágora Digital foi descontinuada. Houve a expulsão de alguns de seus
co-fundadores por operadores do tráfico no Morro do Vidigal, indicando
que a governança baseada em dados ainda não dá conta da complexidade
política das cidades.
Nessa situação apresentada, a organização tecnológica depende fun-
damentalmente da organização social e política da cidade. As “coisas”
podem ajudar a conectar essas organizações, mas o caso demonstra que
o Rio de Janeiro foi uma cidade inteligente para alguns, não para todos,
até o momento.
ONDE AS COISAS AJUDAM, MAS NÃO RESOLVEM
OS PROBLEMAS PÚBLICOS POR SI SÓ
Há um número crescente de exemplos de aplicação da Internet das
Coisas às cidades que otimizam a identificação dos problemas urbanos.
Os exemplos aqui citados foram extraídos do relatório Ciência Avançada
e o Futuro dos Governos, desenvolvido pela The Economist Inteligence
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 211
Unit para o governo dos Emirados Árabes Unidos em 2016, por ocasião
da realização da Cúpula Mundial sobre Governos.8
Em Hong Kong, algoritmos são usados para agendar os 2.600 trabalhos
de reparação do metrô que ocorrem toda semana. O trabalho de reparo
ainda é realizado por seres humanos. Os robôs realizam o agendamento
identificando oportunidades para combinar diferentes reparos e critérios
de avaliação, como os regulamentos locais de ruído. Hoje, o metrô tem
um registro de 99,9% de serviços no horário – muito à frente de Londres
ou Nova York.
No Reino Unido, está se desenvolvendo um programa para criar cidades
“auto-reparadoras”, onde pequenos robôs identificam e consertam tudo,
desde buracos, calçadas e tubulações. Apesar do nome atraente, os robôs
de curto prazo provavelmente serão mais úteis para monitorar e avaliar
a infraestrutura em vez de repará-la, dada a destreza que se requer para
lidar com a cidade.
Na China, uma ferramenta está sendo testada para avaliar a gravidade
da poluição do ar com 72 horas de antecedência e com 30% mais precisão
do que as abordagens convencionais. O objetivo é dar às autoridades mais
tempo para intervir – por exemplo, restringindo ou desviando o tráfego, ou
mesmo fechando temporariamente fábricas alimentadas a carvão. Naquele
país, a poluição do ar contribui para 1,6 milhão de mortes a cada ano – um
sexto da mortalidade total. Em um determinado dia, a gravidade da po-
luição depende de vários fatores, incluindo a temperatura, a velocidade
do vento, o tráfego e a qualidade do ar do dia anterior.
Nos Estados Unidos, o Estado da Califórnia vem testando a previsão de
quais áreas serão as mais afetadas por terremotos. Quando os primeiros
sinais de um terremoto são identificados, combinam-se dados sobre a idade
e os materiais de construção dos edifícios com dados sísmicos, de modo
que os recursos de emergência podem ser direcionados para áreas-chave.
Todos esses casos demonstram o poder de previsão e de prevenção a ser
aproveitado pelas cidades com base nas informações advindas de senso-
res, automação e outros. Porém, “prever” não deve ser confundido com
“resolver”. Prever o crime, o fogo ou as ondas de tempestade demanda
ainda intervenção humana para pará-los ou gerenciá-los. A resolução das
causas dos problemas tratados está além da inteligência artificial aplicada
às cidades, até o momento.
8 Cf.: WORLD GOVERNMENT SUMMIT. Advanced science and the future of go-
vernment. Disponível em:
document/fae769c4-e97c-6578-b2f8-ff0000a7ddb6>. Acesso em: 11 ago. 2017.
212 HORIZONTE PRESENTE
AS COISAS ERRADAS NO LUGAR ERRADO
As cidades sofrerão adiante mais e mais “choques” em função da mu-
dança global do clima. Os impactos climáticos poderão ser de progresso
lento, como o aumento do nível do mar em cidades costeiras, ou eventos
extremos, como inundações e ondas de calor.
Grandes cidades costeiras possuem ativos no valor de bilhões de dóla-
res dentro de zonas que podem sofrer inundações regulares até o final do
século, se não antes. Miami e o Rio de Janeiro são algumas dessas cidades
e podem aprender com a destruição causada por tempestades recentes,
que custaram bilhões em danos à propriedade e perda de produtividade.
Nas próximas décadas, os impactos da mudança climática tornar-se-ão
mais evidentes.9 Para áreas baixas, como a Baixada Fluminense, a proba-
bilidade de inundações substanciais aumentará cada década para o futuro.
Planejar o futuro desde uma perspectiva histórica subestima seriamente
os riscos.10
O Condado de Miami-Dade, na Flórida, Estados Unidos, foi o primeiro
município a lançar um Centro de Operações Inteligentes da companhia
AT&T em 2017. O programa piloto visa dar ao governo visibilidade das
condições de sua comunidade em tempo quase real. A iluminação inteligen-
te e o transporte inteligente são as principais vertentes da iniciativa smart
cities em Miami-Dade. Por outro lado, esse condado é muito vulnerável à
elevação do nível do mar - aproximadamente 60% do seu território está
a menos de seis pés – 1.80 metro – acima do nível do mar – e a região é
propensa a furacões e chuvas intensas. Já existe um investimento público
significativo na proteção das vias públicas com relação a ressacas e ao au-
mento do nível do mar, que se dá, basicamente, pela elevação das calçadas
e prédios. Ainda assim, cidadãos processaram o governo do condado em
2011, quando esse propôs realizar investimentos públicos para renovação
de infraestrutura de saneamento em uma área notadamente vulnerável ao
aumento do nível do mar. Queriam os cidadãos que os recursos públicos
fossem aplicados de modo a tornar o sistema de saneamento resiliente
ao aumento do nível do mar ou mesmo que não fizesse o investimento,
partindo do pressuposto que o mesmo seria perdido no longo prazo se o
mar subir conforme as projeções mais pessimistas indicavam. As grandes
9 Ver: .ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/wg1/WG1AR5_Chapter13_
FINAL.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2017.
10 Ver: .ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/wg1/WG1AR5_Chapter13_
FINAL.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2017.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 213
questões colocadas em juízo aos gestores foram: devemos fazer algo? Agora
ou mais tarde? Devemos fazer pouco, muito, tudo que for necessário para
gerir os riscos climáticos projetados? O condado optou por nada fazer,
deixando para o futuro a resolução dessa questão. Foram comprometidos
12 bilhões de dólares para a melhoria do sistema local de saneamento em
um período de dez anos, sem quaisquer mudanças no padrão de construção
que tome em conta medidas adaptativas à mudança do clima.
Esse caso indica uma situação interessante: um município que busca
trabalhar como cidade inteligente, mas que escolhe áreas de trabalho
que podem desaparecer ou perder importância no longo prazo, caso seja
afetada pelos riscos contemplados pela mudança no clima em uma região
tão vulnerável. Como um contrassenso, a cidade busca se tonar mais in-
teligente com as coisas erradas. Ou, invertendo a frase, buscando as coisas
certas para as áreas erradas.
Se em um primeiro momento as melhorias incrementais produzidas em
cidades inteligentes poderão economizar alguns quilômetros por litro de
combustível ou quilowatts-hora de uso de eletricidade para os cofres pú-
blicos, adiante podem se tornar uma ameaça pois tem o potencial negativo
de afundar os centros urbanos em infraestruturas insustentáveis e atrasar
mudanças críticas nas cidades já sujeitas aos “choques” derivados das
mudanças climáticas. Essa pode ser a tendência no caso de Miami-Dade
aqui abordado, em que o investimento como smart city passou ao largo
dos investimentos à prova de riscos futuros.
Logo, que tipo de inteligência a cidade precisaria para considerar riscos
como os mencionados, repletos de tantas incertezas? Como aliar a inteli-
gência de dados disponível para alguns serviços para o planejamento e a
visão de longo prazo da cidade como um todo? Poderia a cidade inteligente
investir melhor, considerando riscos plausíveis como aqueles associados
à mudança do clima? Ou esse não é o seu propósito?
AS COISAS CERTAS NO LUGAR CERTO,
MAS DESCONECTADAS ENTRE SI
Em outubro de 2016, a Zona Sul do Rio de Janeiro sofreu com uma forte
ressaca em sua orla. Houve a invasão metros a fio das avenidas a beira mar
por montes de areia, danos aos equipamentos públicos e privados, além
do alagamento que tomou diversos veículos de surpresa.
Ainda que um caso rotineiro, ele ilustra como uma cidade inteligente pode
agir aquém do necessário ou do esperado na resolução de casos que devem
214 HORIZONTE PRESENTE
ganhar força e ocorrer com maior frequência, dado o aumento do nível
do mar. Ainda que não se parametrize a intensidade, é possível monitorar
com alguma precisão meteorológica a ocorrência desses fenômenos. Se tal
tipo de informação fosse consolidada, um sistema inteligente e integrado,
como o Centro de Operações do Rio, poderia recebê-la e processá-las junto
com os dados de tráfego que já armazena e utiliza.
Um sistema inteligente, via Internet das Coisas, poderia fazer com os
que sinais de trânsito fossem coordenados ou mesmo que as ruas sob
risco durante uma ressaca sejam fechadas. Eventualmente, ocorreria um
problema associado à restrição de tráfego, mas diminuir-se-ia a exposição
das pessoas ao risco de afogamento, enxurradas, etc. e evitar-se-iam mor-
tes nos equipamentos – como nas ciclovias – da orla, evitando prejuízos
e riscos de outra ordem – como doenças associadas ao tráfego na área de
ressaca. Hoje essa integração de dados não ocorre, mesmo em uma cidade
onde foi feito um plano e em que se formou uma visão estratégica de longo
prazo. A inteligência, nesse caso, está restrita a um conjunto de dados do
momento presente, ignorando projeções futuras, as quais mostram todas
uma cidade mais quente e com clima menos previsível.
CONCLUSÃO
A digitalização das informações e dos serviços urbanos é o passo mais
aparente de como a revolução de dados está se dando nas cidades. O desafio
maior de urbanização em tempos de mudança do clima, de aumento da
população e de aumento do volume de informação trocada, é que infor-
mação instantânea não parece dar conta das necessidades de aumentar a
resiliência da vida urbana vibrante. As situações aqui apresentadas busca-
ram identificar as aplicações e as limitações das abordagens hoje presentes
em algumas cidades, demonstrando que a inteligência é ora setorial, ora
focada nos dados mais fáceis, ora desintegrados em tempo e em espaço.
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