O Código do Consumidor no Exercício da Odontologia

AutorArtur Cristiano Arantes
Páginas121-132

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Em 2006, quando da primeira edição, escrevíamos que, se aplicado nos limites da justeza e do equilíbrio, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor104seria a maior contribuição jurídica dos últimos anos em nosso País, e continuamos acreditando nisso; principalmente no que esse diploma traz sobre a assistência médico-odontológica, com destaque na relação entre os profissionais e os pacientes, consumidores desta área. Primeiro, pelo cuidado de não tratar a saúde como uma atividade estritamente comercial. Depois, pela importância que o Código representa como instrumento de moderação e disciplina nas relações de consumo entre o prestador de serviço e o usuário. E, ainda, por revelar-se como uma garantia e um complemento de ordem Constitucional105, diante da vulnerabilidade da população no mercado de consumo.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor tem o condão do protecionismo, decorrente diretamente do texto constitucional que estabelece a defesa do consumidor como um dos princípios gerais da atividade econômica106e impõe ao Estado o dever de promover tal defesa107. Desta forma fica patenteado que todas as normas instituídas têm como princípio e meta a proteção e a defesa do consumidor. E ao observarmos as situações por ele reguladas não se pode olvidar desse protecionismo, assim, por exemplo, este surge estampado nos arts. 46 e 47, que estabelecem:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

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As cláusulas contratuais devem ser elaboradas para a devida compreensão pelo brasileiro médio (pessoa natural comum). Assim sendo, diante da realidade cultural brasileira, os termos devem ser simples, sem grandes desafios em sua leitura e compreensão, sob pena de sua não vinculação ou a cabível solução de nulidade absoluta, conforme outrora se expôs.

Existe no art. 46 do CDC um ponto de simbiose entre o princípio da boa-fé objetiva e a função social do contrato, a mitigar a força obrigatória da convenção. Isso porque o desrespeito ao dever de informar com clareza gera como consequência a interpretação do pacto de acordo com a realidade social, afastando aquilo que aparentemente foi convencionado entre as partes. Em outras palavras, o concreto e o efetivo prevalecem sobre o meramente formal, tendência do Direito Civil Contemporâneo.

O art. 47 da Lei 8.078/1990 consagra a máxima in dúbio pro consumidor, ao preconizar que “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Aqui, o princípio da função social do contrato, em sua eficácia interna é flagrante pela preocupação em se proteger o consumidor como parte vulnerável da relação negocial, o que repercute na hermenêutica do negócio jurídico. Nesse sentido, mencionando a interação entre a regra e o princípio da recente jurisprudência paulista:

Plano de saúde. Obrigação de fazer. Negativa de atendimento quanto à realização do tratamento denominado ‘oxigenoterapia em câmara hiperbári ca’, sob alegação de se tratar de tratamento sem aprovação da ANS e estar excluído do contrato. Abusividade. Tratamento aprovado pela comunidade médica. Parte integrante do tratamento demandado pelo autor. Incidência do Código de Defesa do Consumidor e da Lei 9.656/1998. Presente o prin cípio da vulnerabilidade emergente do Código de Defesa do Consumidor. O contrato de consumo, como o de seguro individual de saúde, típicos de adesão, devem ser interpretados de modo favorável ao aderente (CDC, art. 47) atendendo à função social do contrato. Reconhecida a abusividade na exclusão do tratamento. Mantida a sentença de procedência. Recurso im pávido’* (TJSP Apelação 0003799-67.2009.8.26.0024 - Acórdão 4992907, Andradina Quinta Câmara de Direito Privado - Rei. Des. James Siano - j. 02.03.2011 - DJESP 20.04.2011).

Também o Código Civil de 2002 adota a mesma pre missa para o contrato de adesão, dispondo o seu art. 423 que:

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

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Consubstancia a norma a regra in dúbio pro aderente, interpretando-se o negócio jurídico em desfavor do seu estipulante (interpretatio contra stipulatorem). Assim, a tendência é justamente a de interpretar os contratos em desfavor da parte que tem o poder de impor o seu conteúdo108.

Portanto, a regra é claríssima, não merecendo maiores comentários, destarte que toda e qualquer cláusula contratual ambígua ou não tem de ser interpretada de modo mais favorável ao consumidor109.

1 - Prestador de serviço e consumidor

Antes de adentrarmos propriamente ao tema da relação de consumo ligado à Odontologia, vamos definir, nos termos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o que venha a ser prestador de serviço e consumidor.

Logo no seu art. 2º, o Código define que:

“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

(grifo nosso)

A expressão “destinatário final” define aquele que adquire o produto ou serviço para uso próprio sem finalidade de produção de outros produtos ou serviços. É esta expressão que regula nosso Código Consumerista, pois, se a finalidade não é uso próprio, foge às proteções deste, trata-se de um bem de produção e este não é contemplado pela proteção do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mas sim pelas normas contidas no Código Civil.

Exemplificando:

Um paciente qualquer contrata os préstimos de um Cirurgião Dentista para que este lhe confeccione uma prótese. O Cirurgião Dentista dirige-se a uma Dental110e lá adquire determinado material para moldagem do qual fará uso para a confecção da prótese ao paciente. No primeiro caso o paciente é o consumidor final da prótese confeccionada

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pelo Cirurgião Dentista, pois se trata de um bem de consumo, logo protegido pelo CPDC111. Já o Cirurgião Dentista NÂO é o consumidor final, pois que o material de moldagem adquirido por este não é um bem de consumo e sim um bem de produção, ou seja, será usado na produção de um outro bem, a prótese.

Outro exemplo:

O mesmo Cirurgião Dentista dirige-se a uma papelaria e adquire uma agenda para seu uso pessoal. Neste caso é ele o consumidor final, ou seja, a agenda é um bem de consumo, nela não será agregado valor e repassado a terceiros, ele é o destinatário final.

Desta forma, se o material de moldagem estiver com problemas112, não cabe ao Cirurgião Dentista acionar o Código de Proteção e Defesa do Consumidor para o ressarcimento de seu prejuízo, mas sim as normas do Código Civil; entretanto, no caso da agenda adquirida na papelaria é cabível, pois ele está na posição de consumidor final, tal qual o paciente no caso da prótese, qual seja, o material de moldagem é um bem de produção (serve para produzir outro bem), já a prótese e a agenda são bens de consumo, foram dirigidas ao consumidor final.

Na linguagem do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o paciente é o consumidor para quem se presta um serviço; o Cirurgião Dentista é o fornecedor que desenvolve atividades de...

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