A coisa julgada no processo do trabalho

AutorGabriele Mutti Capiotto
Ocupação do AutorGraduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas78-122
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A COISA JULGADA NO PROCESSO DO TRABALHO
A coisa julgada finca suas raízes no direito romano, quando surge a
ideia de que ninguém podia ser demandado judicialmente mais de uma vez
pelo mesmo motivo, a despeito de não se falar ainda em coisa julgada pro-
priamente dita. A causa petendi ou causa actionis foi, então, utilizada “para
indicar duas res iudicium deductae, que embora tivessem as mesmas partes
e o mesmo petitum, contrastavam-se por encerrarem fundamentos dife-
rentes”(304) ou como critério para os jurisconsultos verificarem se “em duas
ações entre as mesmas pessoas, a causa era idêntica, ou se, na demanda
posterior, havia sido deduzida uma nova causa”(305). Havia, no período das
legis actiones, vedação de “rem actam agere, entendendo-se por res acta
a controvérsia que tinha sido objeto de uma legis actio encerrada por sen-
tença”(306), atribuindo-se ao fenômeno do agere um efeito preclusivo similar
àquele conferido posteriormente à função negativa da coisa julgada(307).
No processo formular romano, a fórmula encerrava-se com a litis con-
testatio, consistente em um “comportamento processual das partes, dirigido
a um escopo comum, qual seja o de aceitarem o juízo apud iudicem e seu
ulterior julgamento”(308), bem como tinha entre seus efeitos a novatio neces-
(304) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 32.
(305) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2009. p. 32.
(306) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 36-37.
(307) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2009. p. 36-37.
(308) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 40.
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saria, que extinguia a relação de direito material, dando origem a uma nova
relação, o que impedia o ajuizamento de nova ação fundada na mesma rela-
ção jurídica material (bis de eadem re ne sit actio)(309). Ajuizada idêntica ação,
o “próprio pretor denegava a ação (denegatio actionis)”(310). Entretanto, o
autor “poderia limitar a preclusão decorrente da litis contestatio, e, portanto,
da sentença, ao especificar, de modo minudente, a causa petendi na fór-
mula, de sorte que em momento posterior pudesse agir alegando um diverso
título de aquisição”(311). O réu “poderia deduzir uma exceptio, com intuito de
delimitar o âmbito do objeto da actio in rem, e com isso restringir a cognitio
judicial a uma determinada causa actionis(312).
No período da extraordinaria cognitio, tornando-se o processo inteira-
mente público, introduz-se a litis denuntiatio escrita, em que os fundamentos
de fato da causa petendi deviam ser deduzidos, podendo o autor alterar o
fundamento da ação, desde que autorizado pelo juiz(313). No período justinia-
neu, a litis contestatio “deixa de produzir aquele efeito extintivo da relação de
direito material deduzida em juízo, sendo certo que a bis de eadem re ne sit
actio passa a incidir sobre a sentença condenatória ou absolutória”(314).
Nos sistemas processuais vigentes, a coisa julgada pode ser vista sob
duas perspectivas. A primeira delas se dá na relação entre demandas, impe-
dindo a propositura de uma demanda com idênticos elementos de outra
julgada anteriormente em definitivo. Ou seja, o estabelecimento da com-
posição da relação material controvertida havida entre as partes e posta
ao crivo do Poder Judiciário afasta sua rediscussão com o julgamento de
mérito prolatado ao final do trâmite procedimental. Nesta primeira sede, há
um encadeamento lógico entre demanda, objeto da sentença e limites objeti-
vos da coisa julgada material(315). A segunda visão da coisa julgada é aquela
objeto do presente estudo, isto é, seus limites objetivos.
(309) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 40.
(310) DIAS, Handel Martins. O processo formulário. Revista da Faculdade de Direito da Uni-
versidade de São Paulo, São Paulo, v. 108. p. 169-195, jan./dez. 2013. p. 180.
(311) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 44.
(312) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2009. p. 44.
(313) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 45-46.
(314) TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2009. p. 47.
(315) Assim, aponta Augusto Cerino Canova que é tarefa do autor fixar o thema decidendum,
que deve permanecer inalterado durante o curso do processo e formar o objeto do julgamento,
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vedando aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já deci-
didas, excetuados os casos expressamente previstos no seu Título X, que
cuida do processo judiciário do trabalho e, também, da ação rescisória.
O Código de Processo Civil de 2015, no seu art. 337, § 4º, afirma haver
coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transi-
tada em julgado. O art. 502 define a coisa julgada material como a autoridade
que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a
recurso(316).
4.1. CONCEITO DE COISA JULGADA
Fixadas as premissas do estudo, há necessidade de se conceituar o que
vem a ser a coisa julgada, partindo-se da análise se ela se consubstancia, ou
não, em um efeito da sentença.
fornecer o critério para a litispendência e para a definição dos limites objetivos da coisa julga-
da (La domanda giudiziale ed il suo contenuto. Commentario del Codice di Procedura Civile.
Torino: UTET, 1980, 2 l., 1 t.. p. 119). Salvatore Satta alerta, por sua vez, que não é o pedido,
mas a demanda que define o objeto da sentença (Direito processual civil. Tradução Ricardo
Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2003, 1 v., p. 204).
(316) Com relação ao Código de Processo Civil de 2015, a coisa julgada é “um dos temas
que sofreram alterações na Câmara, em relação ao texto base do Senado” (DELLORE, Luiz.
Da coisa julgada no novo Código de Processo Civil (PLS 166/2.010 e PL 8.046/2010): limites
objetivos e conceito, in FREIRE, Alexandre et al. (Org.). Novas tendências do processo civil.
Estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: Jus Podivm, 2013.
p. 632). Antonio do Passo Cabral, a respeito da coisa julgada no Código de Processo Civil de
2015, afirma que a novel lei “avançou bastante em relação ao superado modelo do CPC
de 1973, que se demonstrava ultrapassado porque, além de ser dogmaticamente incoerente,
não resolvia inúmeros problemas práticos” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coord.).
Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015. p. 1280). Daniel Amorim Assumpção Neves diz que “no novo Código de Processo Civil, o
art. 502, que conceitua a coisa julgada, substitui uma palavra e uma expressão do art. 467
do atual CPC/1973. Em vez de prever que a coisa julgada é a eficácia da sentença que torna
imutável e indiscutível, o dispositivo legal sugerido menciona a autoridade da sentença. Acredito
que a substituição do termo ‘eficácia’ por ‘autoridade’ busca deixar clara a distinção entre coisa
julgada e efeitos da decisão. E substitui ‘sentença’ (espécie) por ‘decisão de mérito’ (gênero),
o que deve ser elogiado, considerando-se que sempre houve outras decisões de mérito aptas
a transitar em julgado e produzir coisa julgada material, como as decisões monocráticas finais
de relator e acórdãos de tribunal. Por outro lado, o dispositivo implicitamente reconhece a
existência de decisões interlocutórias de mérito, com capacidade de geração de coisa julgada
material” (Novo CPC. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105/2015. Inovações. Alterações.
Supressões comentadas. São Paulo: Método, 2015. p. 315).

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