Institutos do processo do trabalho

AutorGabriele Mutti Capiotto
Ocupação do AutorGraduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas14-60
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INSTITUTOS DO PROCESSO DO TRABALHO
2.1. LIDE
A lide, segundo ensina Francesco Carnelutti, é o conflito havido no
seio social, qualificado por uma pretensão resistida(1). Insuficientes os bens
da vida para o atendimento das necessidades de todos os integrantes do
corpo social, a satisfação de um pode ser obstada pela sua contraposição
ao interesse de outro. A lide, então, representa um modo de ser do conflito
de interesses inserto no substrato social. É, portanto, conceito sociológico.
Do ponto de vista cronológico, a lide é anterior ao processo. O conflito
verificado, no entanto, pode, ou não, ser posto para ser solucionado pelo
Estado-juiz. As partes de um determinado conflito podem encontrar o motivo
para limitar a satisfação de sua necessidade sem a intervenção do Poder
Judiciário(2). Ou seja, a lide nem sempre é solvida pelo aparato estatal.
A solução da lide comporta três modalidades, sendo elas a autotutela,
a autocomposição e a heterocomposição. Ressalvadas as exceções tipi-
camente previstas em lei (por exemplo, desfazimento de obra em caso de
urgência, defesa da posse em caso de esbulho e direito de cortar raízes e
ramos de árvores limítrofes que ultrapassem os limites do imóvel vizinho),
é obstada a autotutela, consistente na imposição da solução do conflito
havido por uma das partes à outra(3).
(1) CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Tradução Antônio Carlos Ferreira. São
Paulo: Lejus, 2000. p. 108-109.
(2) CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Tradução Hiltomar Martins
Oliveira. São Paulo: Classic Book, 2000, 1 v., p. 62.
(3) Tratando-se especificamente do direito do trabalho, com relação à greve, que por muitos é
tida como forma de autotutela, ensina Carlos Henrique Bezerra Leite “que a greve por si só não
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Na autocomposição, as próprias partes resolvem entre si o conflito de
interesses(4), com concessões recíprocas mediante ajuste de vontades(5).
Opostos os interesses e surgida a lide, os próprios integrantes do conflito
podem compor-se, pacificando-se, seja por meio de transação, seja por meio
do reconhecimento da preponderância, em sua integralidade, do interesse
alheio. A autocomposição pode ser espontânea ou induzida. A espontânea
efetiva-se pelas próprias partes envolvidas no conflito, negociando sem o
concurso de terceiros. A induzida, por sua vez, processa-se por meio da
intermediação de um conciliador ou mediador. Ela também pode ser extra-
processual, como a convenção coletiva de trabalho e o acordo coletivo de
trabalho, ou ainda pode ser endoprocessual.
Na conciliação, verifica-se a intervenção de um terceiro alheio aos
litigantes que tentará fazer com que as partes conflitantes possam se auto-
compor. O conciliador é apenas um facilitador para que haja diálogo entre as
partes e são elas que irão propor soluções e que efetivamente decidirão. A
mediação, por sua vez, “é a própria conciliação, quando conduzida mediante
concretas propostas de solução a serem apreciadas pelos litigantes”(6). Em
ambos os casos, a palavra final sobre haver ou não a composição amigável
é exclusivamente das partes.
Na heterocomposição, de outro modo, um terceiro, fora da lide, imporá
a solução ao conflito. Os meios de heterocomposição dos conflitos vão além
do Poder Judiciário, admitindo que terceiro não integrante do aparato estatal
resolva a relação conflituosa, o que se dá na arbitragem.
soluciona o conflito trabalhista, mas constitui importante meio para se chegar à autocomposição
ou à heterocomposição. A rigor, é com o fim da greve que se chega à solução autônoma ou
heterônoma do conflito” (Curso de direito processual do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2012.
p. 115), opinião a qual concordamos.
(4) A denominação “adequada” tem sido preferida à “alternativa”, que faz referência a se tratar
de meios alternativos à jurisdição estatal. Como anota Carlos Alberto Carmona, em “boa lógica
(e tendo em conta o grau de civilização que a maior parte das sociedades atingiu neste ter-
ceiro milênio), é razoável pensar que as controvérsias tendam a ser resolvidas, num primeiro
momento, diretamente pelas partes interessadas (negociação, mediação, conciliação); em
caso de fracasso deste diálogo primário (método autocompositivo), recorrerão os conflitantes
às fórmulas heterocompositivas (processo estatal, processo arbitral)”, de forma que, sob “este
enfoque, os métodos verdadeiramente alternativos de solução de controvérsias seriam os
heterocompositivos” e “não os autocompositivos” (Arbitragem e processo. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2009. p. 33).
(5) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 10. ed. São
Paulo: LTr, 2012. p. 115.
(6) DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003, 1 v. p. 123.
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Na autocomposição espontânea, na conciliação, na mediação e na arbi-
tragem, houve lide, contudo, sem exercício do poder jurisdicional(7). Porém,
havendo um conflito não resolvido pelas partes, o aparato estatal pode vir a
ser chamado a intervir. Oposta, pois, resistência a uma pretensão surgida
na sociedade, por meio da propositura da demanda, haverá formulação de
pedido de tutela jurisdicional para que, observado o devido processo legal,
o Estado, exercendo parcela de sua soberania, coloque fim ao conflito
mediante a solução posta pelo ordenamento jurídico, que consagra modelos
típicos de conduta.
Para Francesco Carnelutti, haverá o exercício da jurisdição todas as
vezes em que o Estado, por meio do processo, for instado a solucionar a
lide(8). Nessa função de julgador, seus órgãos irão impor, portanto, a atua-
ção do direito mesmo se for contra a vontade individual, fazendo valer sua
decisão, se for o caso, por meio de técnicas coercitivas e sub-rogatórias. O
processo é a forma para o exercício da função de natureza pública na qual
se constitui a jurisdição e que se caracteriza pela atuação da lei no caso con-
creto e pela atividade de substituição da vontade das partes exercida pelo
juiz(9).
Pode ocorrer, no entanto, de apenas parte da lide ser levada ao conhe-
cimento do Poder Judiciário pela parte conflitante, por uma opção dela(10). Do
(7) Para Carlos Alberto Carmona, a Lei de Arbitragem, em seu art. 31, ao constituir a sentença
arbitral como título executivo judicial, teria adotado a tese da jurisdicionalidade da arbitragem
(Arbitragem e processo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 26-27). Não há, entretanto, com a
devida vênia, exercício do poder jurisdicional, decorrência da soberania, pelo árbitro, tanto
assim que, por exemplo, a execução da sua decisão, uma vez não cumprida espontanea-
mente, exige intervenção do Poder Judiciário, que detém o monopólio da jurisdição. O que se
constata, então, é a mera equiparação pelo legislador da sentença arbitral à sentença judicial
para que aquela observe o regime de execução desta, o qual é dotado de maior efetividade
para a satisfação do exequente que a execução fundada em título executivo extrajudicial, com
redução da amplitude de oposição pela parte executada, como se constata do art. 525, § 1º
do Código de Processo Civil de 2015.
(8) “Quando a pretensão acompanhada ou não da posse, encontrar resistência e não conseguir
vencê-la por si, faz falta algo para que se conserve a paz social. Este algo tem uma distinta
função, conforme o conflito esteja ou não regulado pelo Direito (...). Em ambos os casos, esse
algo é o que chamamos de processo” (CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual
civil. Tradução Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo: Classic Book, 2000, 1 v. p. 97).
(9) CONSOLO, Claudio. Domanda giudiziale. Digesto delle discipline privatistichesezione
civile. Torino: UTET, 1998, 7 v. p. 49.
(10) Cândido Rangel Dinamarco afirma que “nem sempre toda a lide existente na vida das
pessoas é trazida a juízo, nunca se podendo saber com certeza se se está diante de um
processo por lide integral ou parcial” (Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, 2 v., p. 183). No mesmo sentido BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes
instrutórios do juiz. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 28.

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