Compliance

AutorSelma Carloto
Páginas15-28
Selma Carloto
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1. Compliance
1.1. Contexto Internacional do Compliance
A origem do vocábulo compliance vem do verbo inglês to comply, que re-
vela agir consoante as normas, uma instrução ou uma conduta ética. Estar em
compliance se traduz em estar em conformidade com todas as normas internas
da empresa, assim como as normas externas, regras e princípios. Ainda, é im-
portante salientar que as normas internas não poderão contrariar as externas e,
principalmente, a Constituição Federal.
A cultura do compliance, em nível mundial, não é recente, mas seu cresci-
mento vem tendo uma evolução muito rápida em nível internacional, princi-
palmente na legislação sobre este tema e com o forte aumento de sanções que
vêm sendo trazidas pelas legislações que tratam tal conceito em diversos países.
A cultura do compliance deverá fazer parte das estratégias de gestão de
qualquer organização, como cultura preventiva:
Em princípio, embora o conceito de “COMPLIANCE” não seja uma no-
vidade, a rápida e recente evolução da legislação internacional, aliada ao
endurecimento das sanções, bem como a relevância que a própria legis-
lação confere à tomada de ações preventivas para o cumprimento por
parte das organizações, tornou a implementação deste programa uma
das questões mais inovadoras e incipientes até hoje a ser incorporada nas
estratégias de gestão e visão de qualquer organização.(1)
Existem importantes normas, no compliance, como a recente ISO 37301,
do sistema de gestão de compliance e a ISO 31000, do sistema de gestão de ris-
co, além da ISO 37001, do sistema de gestão antissuborno.
Com o advento da ISO 37301 em junho de 2021, que trata do sistema de
Gestão de Compliance, e com o amadurecimento dos programas de compliance,
(1) ROMERO, Fabiola Silva. Compliance laboral ¿es un lujo o una obligación ante las
reformas? Blog del Abogado, 31 ene. 2020. Disponível em:
com.mx/opinion/compliance-laboral-es-un-lujo-o-una-obligacion-ante-las-reformas/>.
Acesso em: 10 nov. 2020. “En principio, si bien el concepto de “COMPLIANCE” no es algo
nuevo, la rápida y reciente evolución de la legislación internacional, combinada con el endureci-
miento de las sanciones así como la relevancia que la propia legislación otorga hacia la toma de
acciones preventivas de cumplimiento por parte de las organizaciones, ha hecho que la
implementación de dicho programa sea a la fecha uno de las cuestiones más novedosas e incipien-
tes a incorporar en las estrategias de gestión y visión de cualquier organización.”
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foi promulgado o novo Decreto n. 11.129, de 11 de julho de 2022, o qual nos traz
os pilares, parâmetros e as ferramentas de compliance.
O art. 56 do Decreto n. 11.129/2022 conceitua o programa de in-
tegridade e traz os objetivos e pilares do compliance. Esse dispositivo,
transcrito a seguir, positivou de forma expressa, no inciso I, os pilares
do compliance: prevenir (evitar atos ilícitos), detectar (identicar irregu-
laridades e desvios) e sanar (ou reparar, para corrigir os desvios ocor-
ridos):
DO PROGRAMA DE INTEGRIDADE
Art. 56. Para ns do disposto neste Decreto, programa de integridade
consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanis-
mos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e
de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de:
I – prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos
ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estran-
geira; e
II – fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente orga-
nizacional.
Parágrafo único. O programa de integridade deve ser estruturado, apli-
cado e atualizado de acordo com as características e os riscos atuais das
atividades de cada pessoa jurídica, a qual, por sua vez, deve garantir o
constante aprimoramento e a adaptação do referido programa, visando
garantir sua efetividade.(2) (destaques nossos)
O crescimento do comércio, assim como o aumento do número de em-
presas multinacionais, a intensicação e o aumento crescente da competição
por mercados e por cada vez um maior número de negócios, veio acompa-
nhado de um aumento de métodos ortodoxos de se negociar, assim como
do suborno a agentes públicos estrangeiros, o que fomentou o crescimento
do compliance no combate à corrupção, a qual já é tipicada como crime em
grande parte dos países.(3)
1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pes-
soas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Brasília: Presidência da República, 2022. Disponível em:
decreto-n-11.129-de-11-de-julho-de-2022-4144060 06>. Acesso em: 16 out. 2022.
(3) BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In: CARVALHO, André Castro;
BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho; ALVIM, Tiago Cripa; VENTURINI, Otávio (Coords.).
Manual de compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 43.
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Hoje a cultura de compliance é aplicada em praticamente todos os setores
industriais e econômicos com o objetivo de garantir-se que as empresas, assim
como seus empregados, cumpram as diversas normas internas e externas.
Com a exceção feita aos Estados Unidos, com a edição do Foreign Cor-
rupt Practices Act, que pune esta prática, valorizando-se o compliance, muitos
países mais desenvolvidos resistem ainda à criação de uma legislação interna
sobre o tema, com o principal receio de trazer principalmente prejuízo para a
competitividade das suas empresas no plano internacional. Nas últimas déca-
das, a adoção de medidas mais efetivas no combate à corrupção culminou em
vários instrumentos multilaterais, como a Convenção Interamericana Contra a
Corrupção (CEA, 1996), a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Empre-
gados Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (OCDE,
1997), o convênio sobre luta contra o suborno dos empregados públicos es-
trangeiros em transações comerciais internacionais (Comitê de Ministros do
Conselho Europeu, 1999) e a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção
(ONU, 2003), entre outros instrumentos.(4)
Claro que incorporar políticas de conformidade na cultura de uma em-
presa requer medidas práticas adicionais, mais do que ter simplesmente políti-
cas de conformidade, mas não aplicá-las, já que o compliance não seria efetivo,
o que pode ser quase tão prejudicial ou igual a não tê-las. Esse princípio não
pode apenas ser implantado, mas tem de existir de fato, sair do papel e ser
adotado como cultura empresarial e a partir da alta administração para trazer
resultados reais e positivos. A maneira mais ecaz de se garantir a conformida-
de é por meio de orientação e treinamento de empregados, assim como veri-
cações regulares de saúde e procedimentos claros para relatar preocupações.(5)
O modelo de compliance poderá seguir, nas empresas privadas, o modelo
dos Estados e daquelas entidades onde este já é obrigatório, em decorrência
da legislação, ou de outras normas, para demonstrar a ética e a transparência
empresarial, alcançando-se a conformidade, na prevenção da prática de atos
ilícitos e para a garantia do cumprimento destas normas.
O modelo de compliance pode ser denido como o regulamento interno
adotado por entidades jurídicas privadas com o objetivo de garantir a éti-
ca empresarial e prevenir a prática de atos ilícitos. Essa regulamentação
se baseia, mundialmente, em uma série de recomendações e propostas
(4) BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In: CARVALHO, André Castro;
BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho; ALVIM, Tiago Cripa; VENTURINI, Otávio (Coords.).
Manual de compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 43.
(5) The increasing importance of compliance. Disponível em:
com/en-gb/global/news-and-insights/publications/the-increasing-importance-of-com-
pliance>. Acesso em: 12 dez. 2020.
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que ditam os Estados e que organizações privadas podem adotar volun-
tariamente.”(6)
Veremos a importância de regulamentos internos, assim como dos códigos
de ética e conduta, também podendo ser estes denominados códigos de conduta,
como ferramentas efetivas de tal conceito, principalmente de compliance traba-
lhista, porém, não apenas, sendo este obrigatório em alguns países, mas poden-
do e devendo ser adotado, independentemente desta obrigatoriedade, em nível
mundial, como instrumento para realização da conformidade e do compliance.
1.1.1. Corrupção sistêmica, endêmica e sindrômica
Alguns países têm a corrupção mais verticalizada e a esta se denomina de
corrupção sistêmica, sendo de fato a mais comum e presente nos últimos anos
da nossa história, com escândalos envolvendo grandes investigações, como o
da Operação Lava Jato, e com infração ao próprio dever ético-social.
Existe uma tendência de poderosos, que acabam se corrompendo diante
do “poder” que lhes foi concedido, em decorrência de ganância, abuso de po-
der e do próprio sistema, acarretando dano ao Estado e à sociedade massiva,
incluindo indicações, articulações, trocas de favores, que deságuam em verda-
deiros escândalos políticos e até no Judiciário.
Renato Janine Ribeiro, na série sobre corrupção, lembra que “muitos po-
líticos já se elegeram com o discurso de combate à corrupção e acabaram con-
denados como corruptos”.(7)
Em um cenário vivido de tentativa de combate à corrupção e marcado por
corrupção principalmente sistêmica, inclusive em tempos pandêmicos, uma
das preocupações é a própria inecácia da legislação penal brasileira, que não
consegue ainda combater um subsistema corrompido pela pressão de outros
subsistemas, como destaca Rodrigo de Pinho Bertoccelli:
A preocupação recorrente para os juristas no cenário atual é a ine-
cácia da legislação penal brasileira. O presente trabalho visa realizar
(6) JIMÉNEZ MIRAYO, Dario. Recomendaciones para implementar un plan de compliance
o prevención de delitos en una empresa. 19 enero 2018. Disponível em:
pe/recomendaciones-implementar-plan-compliance-prevencion-delitos-empresa/>.
Acesso em: 15 out. 2020. “El modelo de compliance puede denirse como la regulación in-
terna que adoptan las personas jurídicas privadas con el n de garantizar la ética empresarial
y prevenir la comisión de actos ilícitos. Esta regulación parte, a nivel mundial, de una serie de
recomendaciones y propuestas que los Estados dictan, y que las organizaciones privadas
pueden adoptar voluntariamente.”
(7) AVANZA, Marcia. Renato Janine critica o uso político do combate à corrupção.
Jornal da USP, São Paulo, 29 jun. 2016. Disponível em:
renato-janine-critica-o-uso-politico-do-combate-a-corrupcao>. Acesso em: 3 abr. 2021.
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uma análise do Direito como um subsistema corrompido pela pressão
de outros subsistemas. E tal análise tem como ponto de partida a teoria
sistêmica de Niklas Luhmann, que vê o Direito como um subsistema au-
topoiético, ou seja, fechado do ponto de vista operacional, mas aberto do
ponto de vista cognitivo, circular, autorreferente e que tem a capacidade
de se autorreproduzir.(8)
Além da corrupção sistêmica, a qual atinge o próprio sistema e as institui-
ções, mais verticalizada, temos ainda a endêmica e a sindrômica, em camadas
distintas, mas muitas vezes conexas, com a diferença que o agente detém mais
poder na primeira.
É interessante que, muitas vezes, verificamos a indignação com a
corrupção dos políticos, mas acabamos aceitando a face endêmica da
corrupção, quando o cliente não comunica o estabelecimento que comprou
menos do que lhe foi colocado, ou quando um indivíduo corrompe um policial
e podemos analisar que existe dentro da corrupção endêmica uma verdadeira
face da corrupção e uma tendência a esta, ainda que não verticalizada, ou
envolvendo valores menores, e daí poderíamos nos perguntar: esse mesmo
indivíduo, que não tem poder e pratica esta forma de corrupção, ainda que
em menor escala, se estivesse em uma relação de poder, será que também
não faria parte do sistema? É diferente corromper um policial ou um guarda
rodoviário? Será que não estamos diante de uma cultura de corrupção que
devemos combater e coibir preventivamente? Há necessidade de mudança
de cultura! Um indivíduo que pratica a corrupção endêmica se estiver em um
alto cargo público terá, provavelmente, uma tendência maior de praticar a
corrupção sistêmica. A ética e a moral, aliadas ao direito, deveriam prevalecer
em qualquer tipo e nível de relação, verticalizada ou não. Poderíamos então
dizer que só é ladrão aquele que rouba um banco? Aquele que rouba bens de
valor menor não é do mesmo modo criminoso?
Por m, temos ainda a corrupção sindrômica, que é inerente à buro-
cracia existente. No Brasil, existe uma forte tendência de se criar burocra-
cia, tendência à criação em consequência de leis sufocantes, contraditórias e
inexequíveis, tudo aliado à má gestão, a qual leva à ineciência dos serviços
públicos. Segundo Luiz Alberto Hanns, em entrevista dada ao Sincodiv-SP, na
sua fala, o que nos impede de evoluirmos na solução da corrupção é que “não
adianta só combater a corrupção sistêmica, temos de lutar ao mesmo tempo
(8) FRONZA, Maíra. A corrupção do sistema punitivo moderno e a inuência política
e midiática na criação da Lei Penal. ANIMA: revista eletrônica do Curso de Direito das
Faculdades OPET, Curitiba, ano 7, n. 13, jan./jun. 2015. Disponível em:
anima-opet.com.br/pdf/anima13/08-Anima13-A-CORRUPCAO-DO-SISTEMA-PUNI-
TIVO-MODERNO.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2021.
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contra seus três cúmplices: a falta de ética na vida privada (corrupção endêmi-
ca) e a péssima gestão e burocracia (corrupção sindrômica)”.(9)
Gustavo Justino de Oliveira, em palestra no USP talks, sobre corrupção,
armou e lembrou que a corrupção no Brasil não aumentou, mas sim o acesso
à informação. O mesmo rejeitou o argumento de que faltam leis para o combate
à corrupção e argumentou que o problema brasileiro é a impunidade e a ausên-
cia de aplicabilidade dessas leis, que existe uma legislação contra a corrupção,
mas que esta não é cumprida. De acordo com o professor, são três os principais
fatores que levam as pessoas a praticarem atos de corrupção: “a oportunidade
(incentivos que acabam motivando a cometer a corrupção), a análise de custo/
benefício (entendem que dicilmente serão descobertos) e a impunidade (se
descoberto, a punição seria pequena ou não existiria)”.(10)
Em artigo intitulado de “Cepas virais da corrupção: a escrita como
força motriz a atenuar o efeito colateral de denunciar”, Elton Rockenbach
Baron, equipara a corrupção a um vírus. Assim, podemos dizer que o que
afeta a humanidade atualmente são os vírus, não apenas a Covid-19, mas
também o vírus da corrupção e, precisamos combater e eliminar ambos os
patógenos do Brasil:
Calha referir, contudo, que, em ocorrendo a compreensão, a solução
eventualmente permaneça distante, especialmente no que toca às cepas
do vírus da corrupção, pois estas podem ser sistêmicas, endêmicas e sin-
drômicas, o que de per si já são emaranhados ainda mais agravantes.
Escrever a despeito de questões sui generis assim denidas pode repre-
sentar a busca de alívio para reorganizar pensamentos e expressar sen-
timentos, pode ser o oxigênio fundamental aos derradeiros suspiros da
motivação. Motivação tal que deniria o resultado entre a vida e a morte
de milhares de pessoas que anualmente sucumbem no silêncio que nada
expressa, tampouco revela o que deve ser ente ndido primordialmente
dentro de si.(11)
(9) Bate-papo com Luiz Alberto Hanns, psicólogo da mentalidade brasileira sobre cor-
rupção, burocracia e má gestão [entrevista para Juliana de Moraes e Renan de Simone].
Sincodiv SP. Disponível em: -
-papo-com-luiz-alberto-hanns-psicologo-da-mentalidade-brasileira-sobre-corrupcao-bu-
rocracia-e-ma-gestao-4443>. Acesso em: 3 abr. 2021.
(10) DIAS, Hérika. Corrupção sistêmica diminuirá se mudarmos a perspectiva de sua
aceitação. Jornal da USP, São Paulo, 25 maio 2016. Disponível em:
universidade/corrupcao-sistemica-diminuira-se-mudarmos-a-perspectiva-de-sua-acei-
tacao/>. Acesso em: 3 abr. 2021.
(11) BARON, Elton Rockenbach. Cepas virais da corrupção: a escrita como força mo-
triz a atenuar o efeito colateral de denunciar. Jus Brasil. Disponível em:
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1.2. Compliance no Brasil
O compliance surgiu no Brasil, inicialmente, pela necessidade de combate
à corrupção e cada vez mais empresas estão adotando esta nova cultura de
conformidade, com objetivo de combate e eliminação de atos ilícitos em geral.
O mundo corporativo vem mudando e as empresas em nível internacio-
nal vêm exigindo de outras empresas, com quem passam a se relacionar, a ética,
boas práticas de governança e um efetivo compliance, inclusive no que concerne
aos direitos humanos, não podendo mais o direito daqueles estar dissociado,
trazendo-se consequências drásticas e negativas, principalmente de imagem,
além de outros prejuízos, para as empresas que não possuírem atualmente um
programa de integridade.
No combate à corrupção, no Brasil, destacam-se os compromissos assu-
midos com as convenções internacionais da ONU (Organização das Nações
Unidas), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, principalmente, da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).(12)
A falta de uma cultura de conformidade poderá trazer consequências de-
vastadoras e adversas, principalmente na esfera trabalhista, tanto para os empre-
gados como para as empresas, já que o desrespeito aos direitos humanos e aos
direitos sociais dos trabalhadores, independente do tamanho e porte da empresa,
poderá levar os empregados a problemas sérios de saúde e as empresas terão
gastos com afastamentos, rotatividade de mão de obra, ações trabalhistas, san-
ções administrativas, multas e outros prejuízos.
A garantia da conformidade com as normas nacionais e internacionais
deverá fazer parte das atividades normais e do dia a dia de uma empresa.
É fato que cresce a necessidade das empresas desenvolverem uma cultura
de conformidade, incluindo desde a alta administração e todos os empregados,
em todos setores, introduzindo processos ecazes de gestão de risco e monito-
ramento do cumprimento das normas trabalhistas, com os escopos de proteção
dos seus trabalhadores, além do combate a todas as modalidades de corrupção.
Empresas maiores buscam sempre certicações. No compliance pode-
mos destacar a ISO 37001(13), que se destaca no compliance antissuborno, na
melhoria de um sistema de gestão antissuborno. Temos ainda a norma ISO
37301(14), mais recente, sobre sistemas de gestão de compliance, que veio para
jusbrasil.com.br/artigos/903286196/cepas-virais-da-corrupcao-a-escrita-como-forca-
-motriz-a-atenuar-o-efeito-colateral-de-denunciar>. Acesso em: 3 abr. 2021.
(12) BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Op. cit., p. 51.
(13) ISO ABNT 37001. Disponível em:
184-iso-37001>. Acesso em: 24 jun. 2021.
(14) ISO ABNT 37301. Disponível em: .
Acesso em: 24 jun. 2021.
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disseminar a cultura do compliance, permitindo que a instituição, ou a empresa,
demonstre seu comprometimento com as normas externas, assim como com as
normas organizacionais e de boa governança, incluindo as melhores práticas.
Dentro das mudanças trazidas pela ISO ABNT 37301(15), a organização será
responsável por avaliar os riscos de compliance relacionados a serviços terceiri-
zados; será necessário um alinhamento do sistema de gestão de compliance com
os seus objetivos; a gerência deverá se assegurar de que todos os prossionais
da empresa estejam em conformidade com as obrigações, políticas, processos e
procedimentos de compliance, e também será de responsabilidade da organização
se certicar de que os produtos e serviços providos externamente são pertinentes
ao sistema de gestão de compliance e que estes sejam controlados.
O compliance equivale a uma cultura preventiva de conformidade e ade-
quação às normas não apenas nacionais, mas também às internacionais, in-
cluindo-se as normas legais e regulamentares, entre outras, tendo inicialmente
nascido no meio nanceiro, mas deverá ser aplicado em todas as empresas,
independentemente do setor ou área, e deverá partir inicialmente da alta admi-
nistração, sendo uma meta empresarial.
1.2.1. Origem do compliance no Brasil
O Brasil aprovou o Projeto de Lei n. 6.826/2010, que se converteu na Lei
n. 12.846/2013, a Lei Brasileira Anticorrupção, a qual instituiu no Brasil a res-
ponsabilidade objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática
de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.(16)
O compliance vem crescendo dia a dia, no mundo corporativo, após o ad-
vento da Lei n. 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização civil e admi-
nistrativa da pessoa jurídica pela prática de atos lesivos contra a administração
pública e, principalmente, após os escândalos de corrupção política. Esse prin-
cípio teve início nas instituições nanceiras, com a Lei de Prevenção à Lavagem
de Dinheiro, Lei n. 9.613/98, que foram obrigadas a possuir um departamento
próprio de prevenção à lavagem de dinheiro, além de sistemas sólidos de mo-
nitoramento e capazes de identicar quaisquer indícios de branqueamento de
capitais, sob pena de responsabilidade civil, criminal e administrativa de seus
dirigentes. A Lei n. 9.613/98 posteriormente foi alterada pela Lei n. 12.683/2012,
(15) ISO ABNT 37301: Conheça a nova Norma de Sistema de Gestão de Compliance.
Disponível em: a-norma-de-
-sistema-de-gestao-de-compliance/>. Acesso em: 24 jun. 2021.
(16) BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Op. cit., p. 51.
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a qual dispõe sobre a responsabilização civil e administrativa das pessoas jurí-
dicas por atos contra a administração pública.(17)
A Lei n. 12.846/2013, também denominada de Lei Anticorrupção, ou Lei da
Empresa Limpa, e seu desígnio regulamentar, o Decreto Federal n. 8.420/2015,
foram editados com a principal meta de combate à corrupção. Este último foi
revogado e substituído pelo Decreto Federal 11.129/2022.
A Operação Lava Jato cou conhecida no Brasil pela sua importância
no combate à corrupção e desde então as empresas vêm, cada vez mais,
preocupando-se em manter um efetivo programa de integridade, tendo sido
a mesma, propulsora do compliance no país, sendo que, após esta precurso-
ra, já tivemos e temos várias operações decorrentes de corrupção sistêmica.
Podemos citar empresas, como o caso da própria Petrobras, que já teve
altos prejuízos nanceiros e de imagem, estando os dois interligados, já que o
prejuízo de imagem também traz prejuízo nanceiro e ambos são consequência
da falta de compliance.
Em consequência, tendo sofrido altos prejuízos, hoje a empresa possui
um programa de compliance robusto, que vem sempre sendo atualizado e é por
essa razão que a Petrobras, responsável pelo maior escândalo de corrupção no
Brasil, hoje é modelo de compliance e, inclusive, trazemos como exemplo o códi-
go de conduta ética desta empresa(18).
Na seara laboral, não possuímos uma lei especíca sobre compliance traba-
lhista, mas as já existentes brindam-nos com parâmetros que devemos aplicar
nesse conceito e que também são efetivos na tutela dos direitos humanos dos
trabalhadores; e assim as ferramentas e parâmetros deste se identicam com os
do compliance geral, o que nos leva a concluir que o compliance trabalhista não
deverá ser dissociado do geral, ou, do contrário, não chegaremos a uma efetiva
concretude do compliance empresarial.
No compliance trabalhista, que assim deverá integrar esse princípio nas
empresas, com uma cultura ética e sempre preventiva, deveremos nos nortear
pelos princípios de direitos humanos e pelos princípios fundamentais previs-
tos na Constituição Federal Brasileira de 1988 (CFB).
Vericamos que as ferramentas que empregamos no compliance trabalhis-
ta, na jornada da conformidade com as normas, no respeito e tutela dos direitos
humanos dos trabalhadores, podiam ser transportadas, dos parâmetros do Pro-
grama de Integridade da Lei Anticorrupção e do Decreto Federal n. 8.420/2015
(17) BLOCK, Marcella. Compliance e governança corporativa. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 2018. p. 69.
(18) Disponível em:
e-transparencia/>.
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substituído pelo novo Decreto Federal 11.129/2022, que traz nos seus parâmetros
capacitações e treinamentos periódicos, códigos de ética e de conduta, além das
políticas de integridade, inclusive os canais de denúncia, que assegurem a pos-
sibilidade de recebimento de denúncias anônimas e proteção aos denunciantes de
boa-fé, contra retaliações. Destacamos, em negrito, no atual decreto, a seguir,
que regulamenta a Lei Anticorrupção, as ferramentas de compliance trabalhista,
identicadas todas nos programas de compliance anticorrupção:
Art. 57. Para ns do disposto no inciso VIII do caput do art. 7º da Lei n.
12.846, de 2013, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua
existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:
I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os
conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa,
bem como pela destinação de recursos adequados;
II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos
de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores,
independentemente do cargo ou da função exercida;
III – padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade es-
tendidas, quando necessário, a terceiros, tais como fornecedores, pres-
tadores de serviço, agentes intermediários e associados;
IV – treinamentos e ações de comunicação periódicos sobre o progra-
ma de integridade;
V – gestão adequada de riscos, incluindo sua análise e reavaliação
periódica, para a realização de adaptações necessárias ao programa de
integridade e a alocação eciente de recursos;
VI – registros contábeis que reitam de forma completa e precisa as
transações da pessoa jurídica;
VII – controles internos que assegurem a pronta elaboração e a cona-
bilidade de relatórios e demonstrações nanceiras da pessoa jurídica;
VIII – procedimentos especícos para prevenir fraudes e ilícitos no âm-
bito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos
ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada
por terceiros, como pagamento de tributos, sujeição a scalizações ou
obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;
IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna respon-
sável pela aplicação do programa de integridade e pela scalização de
seu cumprimento;
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X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divul-
gados a funcionários e terceiros, e mecanismos destinados ao tratamen-
to das denúncias e à proteção de denunciantes de boa-fé;
XI – medidas disciplinares em caso de violação do programa de inte-
gridade;
XII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregula-
ridades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos
gerados;
XIII – diligências apropriadas, baseadas em risco, para:
a) contratação e, conforme o caso, supervisão de terceiros, tais como
fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários, despa-
chantes, consultores, representantes comerciais e associados;
b) contratação e, conforme o caso, supervisão de pessoas expostas poli-
ticamente, bem como de seus familiares, estreitos colaboradores e pes-
soas jurídicas de que participem; e
c) realização e supervisão de patrocínios e doações;
XIV – vericação, durante os processos de fusões, aquisições e reestru-
turações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou
da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas; e
XV – monitoramento contínuo do programa de integridade visando ao
seu aperfeiçoamento na prevenção, na detecção e no combate à ocor-
rência dos atos lesivos previstos no art. 5º da Lei n. 12.846, de 2013.(19)
A Lei n. 13.303, de 2016, da mesma forma, determina que as empresas -
blicas, assim como as sociedades de economia mista, adotem um programa de
integridade, incluindo códigos de conduta, canais de denúncia, os quais possi-
bilitem o recebimento de denúncias, sejam internas ou externas, relacionadas
ao descumprimento daqueles, além de treinamentos periódicos, no mínimo
anuais, sobre código de ética e de conduta, para todos, empregados e mesmo
administradores, incluindo-se uma política permanente de gestão e monito-
ramento de riscos, com fundamento na Lei n. 13.303, de 2016, nos termos do
artigo 9º, parágrafo 1º, inciso III. Destacamos ainda as ferramentas de complian-
ce trabalhista identicadas, todas, nos programas de compliance anticorrupção:
de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrava e civil de pessoas ju-
rídicas pela práca de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Brasília:
Presidência da República, 2022. Disponível em: .br/en/web/dou/-/decreto-n-11.
129-de-11-de-julho-de-2022-414406006>. Acesso em: 16 out. 2022.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
26
Art. 9º A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão re-
gras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que
abranjam:
I — ação dos administradores e empregados, por meio da implementação
cotidiana de práticas de controle interno;
II — área responsável pela vericação de cumprimento de obrigações e
de gestão de riscos;
III — auditoria interna e Comitê de Auditoria Estatutário.
§ 1º Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta e Integridade,
que disponha sobre:
I — princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de
economia mista, bem como orientações sobre a prevenção de conito de
interesses e vedação de atos de corrupção e fraude;
II — instâncias internas responsáveis pela atualização e aplicação do Có-
digo de Conduta e Integridade;
III — canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias in-
ternas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e
Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais;
IV — mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retalia-
ção a pessoa que utilize o canal de denúncias;
V — sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de Con-
duta e Integridade;
VI — previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código
de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a
política de gestão de riscos, a administradores.(20) (grifos nossos)
Ao examinarmos as ferramentas e os parâmetros do compliance geral,
podemos constatar que os mesmos serão utilizados amplamente em um pro-
grama de compliance trabalhista, que a empresa não os separará. Por exemplo,
não existirá um canal de denúncia apenas para a gestão e prevenção de riscos
trabalhistas, o mesmo será utilizado para detectar fraudes, assim como ilícitos
trabalhistas. O compliance trabalhista não poderá estar dissociado do compliance
geral. As mesmas ferramentas serão trazidas nas diversas normas de compliance
no Brasil e no direito comparado e darão efetividade ao compliance trabalhista.
(20) BRASIL. Lei n. 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da
empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Disponível em:
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm>. Acesso em: 10 dez. 2020.
Selma Carloto
27
1.2.2. Caso Petrobras
A Petrobras tem sua história marcada por escândalos de corrupção sistê-
mica, tendo sofrido altos prejuízos nanceiros e à sua imagem, em nível não
apenas de Brasil, mas mundial, por falta de um programa de integridade. Hoje,
a empresa, com o objetivo de compensar seu prejuízo de imagem e evitar no-
vos prejuízos econômicos e de reputação, passou a ser modelo de programa de
integridade, com todas as ferramentas de compliance.
A Petrobras chega a ser, atualmente, a empresa melhor avaliada pelo Go-
verno Federal, em termos de governança e transparência e foi premiada pela Bol-
sa de Valores de São Paulo:
Se ainda não é um benchmark global, a Petrobras já se destaca entre
seus pares no Brasil. A empresa foi a estatal melhor avaliada pelo
Governo Federal em termos de governança e transparência e foi pre-
miada pela Bolsa de Valores de São Paulo como a empresa de des-
taque de governança entre as estatais listadas no pregão.(21)
O Programa Petrobras de Prevenção à Corrupção, por estes denomi-
nados PPPC, pode ser facilmente visualizado no site(22) da empresa, onde o
dene, destacando e explicando cada um de seus pilares: prevenção, detec-
ção e correção:
Programa Petrobras de Prevenção da Corrupção (PPPC)
O PPPC é nosso programa de compliance e representa o conjunto de
medidas desenvolvidas e implementadas de forma integrada, com o
objetivo de prevenir, detectar e corrigir a ocorrência de desvios éticos,
incluindo fraude, corrupção e lavagem de dinheiro.
O programa destina-se aos nossos diversos públicos de interesse, in-
cluindo: alta administração, força de trabalho, clientes, fornecedores,
investidores, parceiros, entidades patrocinadas, Poder Público e todos
àqueles que se relacionam e/ou representam os interesses da Petrobras
em suas relações de negócios.
O programa é composto por três pilares, que visam reforçar continuamente
a ética, a integridade e a transparência em todos os nossos negócios:
Prevenção: visa identicar, avaliar e mitigar o risco de ocorrência de
desvios éticos.
(21) Petrobras pós-Lava Jato: O que a estatal mudou na área de compliance? LEC: Legal
Ethics Compliance. Disponível em: -
-que-a-estatal-mudou-na-area-de-compliance/>. Acesso em: 2 abr. 2021.
(22) Compliance, ética e transparência. Petrobras. Disponível em:
br/pt/quem-somos/perl/compliance-etica-e-transparencia/>. Acesso em: 3 abr. 2021.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
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Detecção: contempla mecanismos capazes de, tempestivamente, identi-
car e interromper eventual desvio ético que porventura não tenha sido
evitado pelas ações de prevenção, possibilitando a responsabilização
dos envolvidos.
Correção: estabelece a responsabilização e a penalidade aplicável a cada
caso de desvio ético comprovado, bem como possibilitar o aperfeiçoa-
mento das fragilidades que originaram o respectivo desvio e a recupe-
ração de eventuais prejuízos.
O programa deve ser lido e compreendido em conjunto com o Código
de Conduta Ética, a Política de Compliance e demais normas e procedi-
mentos internos. O conhecimento e a observância destes documentos
contribuem para o compromisso de todos com o fortalecimento do am-
biente de compliance da companhia, em especial com a prevenção e o
combate à fraude, à corrupção e à lavagem de dinheiro, com tolerância
zero a qualquer tipo de desvio de conduta.
O Programa de Compliance da Petrobras inclui diversos códigos: código
de conduta ética, guia de conduta ética para fornecedores, código de conduta
concorrencial, código de boas práticas, além das outras ferramentas de tal
conceito, inclusive canais de denúncia independentes, treinamentos e capa-
citações, o que demonstra que quanto mais completo o compliance de uma
empresa (incluindo-se o compliance trabalhista), muitas vezes deixado de lado
por algumas, a empresa conseguirá alcançar o êxito, garantir sua sobrevivên-
cia e sustentabilidade, além de respeitar os direitos humanos dos trabalhado-
res e de outros indivíduos com quem se relacione.

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