Ferramentas de compliance trabalhista

AutorSelma Carloto
Páginas114-167
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Compliance

O compliance trabalhista é duplamente benéco para empregados e em-
pregadores e consiste, como já anteriormente destacado, em uma cultura pre-
ventiva de conformidade.
A empresa que implanta o compliance trabalhista recorre a ferramentas
as quais auxiliam na adequação da empresa às normas, principalmente preve-
nindo atos ilícitos e em desconformidade, além de qualquer impacto negativo
aos direitos humanos dos trabalhadores, tutelando e respeitando os emprega-
dos e simultaneamente prevenindo passivos para a empresa, preservando sua
imagem e reputação e garantindo-lhe sustentabilidade. Estas ferramentas se
auxiliam umas às outras na efetivação do compliance trabalhista e interagindo
entre si para dar-lhe efetividade e o ‘tirar do papel’.
O empregador deverá possuir uma cultura de compliance trabalhista, com
um programa de integridade, transmitindo esta cultura para todos seus em-
pregados, independentemente do nível hierárquico, incluindo gestores e su-
bordinados.
O programa da empresa deverá incluir cláusulas em códigos de condu-
ta, além de regulamentos empresariais, orientando, instruindo e transmitindo a
cultura ética e seus princípios e valores por meio de treinamentos, adequando-
-se às diversas normas internacionais, incluindo as convenções da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e outros instrumentos internacionais, a Cons-
tituição Federal de 1988, a Consolidação das Leis do Trabalho e outras normas
trabalhistas, na tutela dos direitos humanos dos trabalhadores, inclusive a Lei
Geral de Proteção de Dados, a qual tem por escopo principal o respeito aos direi-
tos humanos e fundamentais, com destaque à dignidade da pessoa humana e à
privacidade dos titulares, ao proteger os seus dados pessoais e os dados pessoais
sensíveis, incluindo-se os dados de saúde, os biométricos e outros de potencial
discriminatório, sempre tratados dentro do seio das relações de emprego.
Os códigos de conduta e os regulamentos empresariais, em matéria disci-
plinar, ou em matéria de higiene e segurança do trabalho, constituem normas
internas, sendo ferramentas indispensáveis do compliance trabalhista.
Na França, empresas que possuam mais de 20 empregados devem pos-
suir regulamento interno. Estes também estão positivados no artigo 99 do Có-
digo de Trabalho de Portugal e outros países. No Brasil, não são obrigatórios,
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mas devemos aplicá-los na tutela dos direitos humanos e fundamentais, ainda
que não sejam obrigatórios.
A empresa deverá zelar pelo meio ambiente laboral, evitando-se atos dis-
criminatórios, assédios moral e sexual, desrespeitos à jornada de trabalho, com
seus limites e intervalos, salários “por fora”, acidentes de trabalho e descum-
primento de normas de proteção à saúde e à segurança do trabalho, as quais
são infensas mesmo à negociação coletiva e não podem ser exibilizadas, nos
termos do artigo 611-B da CLT, inciso XVII, entre outras.
Dentro das ferramentas de compliance trabalhista, não podemos nos ol-
vidar ainda dos canais de denúncia que são mecanismos, na área trabalhista,
de detecção, tratamento e prevenção de irregularidades na empresa, princi-
palmente, de assédio moral, assédio sexual e práticas discriminatórias, mas
também de todas e quaisquer irregularidades, que poderão ser tratadas nestes
canais para ser corrigida a desconformidade e a empresa passar a estar adequa-
da às normas trabalhistas e, assim, trazendo a realização dos direitos sociais e
humanos dos seus empregados.
Fonte da imagem: a autora.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
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5.1. Canais de denúncia
Denúncia é o ato de transmitir ou comunicar algo, que inicialmente é con-
siderado segredo. Denúncia, segundo o dicionário signica “ato ou efeito de
denunciar; revelação”(174), e como termo jurídico signica “exposição escrita
que revela o autor de uma ação criminosa e solicita ao juiz criminal pena
prescrita em lei, denunciação” ou “exposição pela qual uma das partes de
um contrato comunica à outra a intenção de rescindi-lo e o prazo para a sua
realização”.(175)
No Brasil, em 2022, a Lei n. 14.457 que criou o Programa Emprega + Mu-
lheres, positivou a obrigatoriedade de canal de denúncia para empresas que
devam possuir CIPA, atualmente denominada de comissão interna de preven-
ção de acidentes e de assédio e o desrespeito às diretrizes normativas, que de-
verão ser implementadas em até 180 dias, poderá acarretar multas e outros
tipos de sanções para as empresas. O objetivo do legislador é a promoção de
um ambiente laboral sadio, seguro e que favoreça a inserção e a manutenção
de mulheres no mercado de trabalho, coibindo-se práticas de assédio sexual e
outras formas de violência no âmbito de trabalho.
Em Portugal, estes canais já são obrigatórios há algum tempo para empre-
sas com mais de 50 empregados, que deverão possuir um programa de com-
pliance, que inclua pelo menos um canal de denúncia e um código de conduta.
Estes canais, como mecanismos de detecção, deverão ser acessíveis a
todos, incluindo não apenas empregados, como outros trabalhadores, in-
clusive autônomos e terceirizados que poderão ser alvo de assédio e outras
práticas ilícitas.
As denúncias deverão poder ser anônimas e os membros do comitê deve-
rão investigar imediatamente quaisquer violações e desrespeitos relacionados
às normas trabalhistas, aos códigos de conduta e aos regulamentos internos da
empresa. Os membros do comitê de denúncias deverão criar programas para
garantir a proteção da condencialidade do denunciante para evitar-se qual-
quer espécie de retaliação.
Os gestores e administradores, assim como outros empregados, não po-
derão praticar qualquer ato de retaliação contra os denunciantes. As normas
de compliance deixam clara a necessidade da independência dos canais de de-
núncia, mas para eliminar-se o risco são necessárias medidas adicionais, como
explicação sobre o funcionamento independente destes canais, em códigos de
conduta, assegurando-se que o denunciante será protegido e que não pode-
rá sofrer qualquer espécie de retaliação, além dos treinamentos explicando o
(174) MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Disponível em:
michaelis.uol.com.br/busca?id=bGZw>. Acesso em: 14 dez. 2020.
(175) Idem.
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funcionamento destes canais e as sanções disciplinares para os envolvidos que
divulgarem uma denúncia, ou para o denunciado que promova retalização do
denunciante. É importante a assinatura de termos de condencialidade dos
envolvidos no tratamento da denúncia. Outro ponto importante é que a equipe
que faz parte do comitê que apura as denúncias esteja bem treinada desde a
triagem inicial e para o tratamento efetivo.
A ABNT lançou a ISO 37002, com as diretrizes de gestão de denúncias,
em fase de aprovação. Recentemente foi publicada a ISO 37301 sobre sistema
de gestão de compliance.
As Normas da ISO são aplicáveis a todas as organizações, independen-
temente do tamanho e setor, sejam públicas ou privadas, e a Norma da ISO
37002 nos traz as diretrizes e mais segurança para o Sistema de Gestão de
Denúncias e tem por objetivo fornecer as orientações para a implementação
de um sistema ecaz e com respostas, sendo dividida em 4 etapas: receber as
denúncias de irregularidades; avaliar relatos de irregularidades; abordar de-
núncias de irregularidades e a conclusão de casos de denúncia. Este processo
parece simples, mas chegará como primeiro protocolo internacional para ges-
tão do canal de denúncia nas organizações e dentro de um ciclo de melhoria
contínua, podendo trazer mais credibilidade e organização no tratamento de
denúncias. A previsão da publicação cou para julho de 2021.(176)
A empresa deverá disponibilizar os mais diferentes meios para recebi-
mento de denúncias, como: urnas, aplicativos, WhatsApp, telefone, internet ou
e-mail, para facilitar o acesso aos seus empregados e a terceiros, os quais pos-
sam estar sofrendo abusos. Assim, deve-se garantir a existência de variedade
de canais e para todos.
O sigilo da denúncia é imperativo para a efetividade e real resultado dos
canais de denúncia e o tratamento daquela. Deverá ser sempre assegurada a
proteção ao denunciante de boa-fé contra a retaliação, principalmente, mas não
apenas, a empregados.
A proteção ao denunciante se justica pela possível retaliação pelos
empregadores contemporâneos à sua delação e em virtude de alguns des-
tes empregadores colocarem, inclusive de forma indevida, os delatores das
denúncias nas “listas negras”. Em algumas legislações, como a Loi Sapin II,
da França, a proteção que é dada ao denunciante tem base legal e, em de-
corrência, o seu descumprimento poderá acarretar sanções para as empresas
que permitam retaliações. Desta forma, vericamos que a proteção dada ao
denunciante resta relevante e imperiosa, o que gera ganhos decorrentes do
anonimato tanto ao denunciante, como ao informado, o qual só receberá a
(176) ISO 37002 — A Norma para Canal de Denúncias. Disponível em: -
borno.com.br/iso-37002-a-norma-para-canal-de-denuncias-2/>. Acesso em: 27 jun. 2021.
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informação caso venha a garantir segurança do meio de contato colocado à
sua disposição.(177)
Não podemos olvidar a importância dos canais de denúncia, no complian-
ce, incluindo-se o trabalhista, tanto para as empresas, como para seus trabalha-
dores, como meio de detecção de irregularidades, já que estas se beneciarão
porque poderão reparar os atos ilícitos internamente e preventivamente, evi-
tando a reincidência e ainda denúncias no Ministério Público do Trabalho, ou
mesmo ações trabalhistas de empregados, além de outras sanções, em virtude
da correção das irregularidades constatadas e que foram detectadas.
Os trabalhadores, ao se sentirem respeitados e protegidos pela empresa
e sabendo da independência e eciência do canal de denúncia, preferirão fazer
suas denúncias internamente, em um canal de denúncia, já que sabendo que a
empresa tomará uma atitude de correção do meio ambiente laboral, ou do ato
ilícito denunciado, optarão por preservar seu trabalho, com a correção do ato
ilícito respectivo e punição do agressor.
Em empresas sem canais de denúncia, que deverão, além de existir, ser
independentes, com o objetivo de proteger os trabalhadores, os quais venham
a ter seus direitos desrespeitados, muitas e na maioria das vezes por um chefe,
mas também por colegas e do mesmo nível hierárquico, muitos empregados
optam pelo ajuizamento de ações trabalhistas contra o empregador e muitas
vezes preferem até sair da empresa, ou mesmo fazer denúncias no site ou apli-
cativo do Ministério Público do Trabalho. Se a empresa não possuir canais de
denúncia ca muito difícil tomar conhecimento ou detectar práticas ilícitas de
seus trabalhadores e não terá a oportunidade de detectar e corrigir estes erros
internamente, que, além de acarretarem desrespeito aos direitos humanos e
fundamentais dos outros trabalhadores, trarão prejuízos nanceiros e de ima-
gem para o empregador.
Desta forma, o canal de denúncia, em sua magnitude, vai evitar a ocorrên-
cia e reincidência das práticas ilícitas, como assédio moral, discriminação, assé-
dio sexual, entre outras práticas, além de adequar e lapidar o meio ambiente la-
boral, corrigindo as desconformidades da empresa com as normas trabalhistas.
Tanto o empregado se sentirá satisfeito pela correção e atitude da em-
presa, como o potencial agressor corrigirá seu comportamento com receio de
perder seu emprego, já que sabe que a empresa tomará atitudes quando detec-
tar irregularidades trabalhistas, sendo um canal efetivo, real e independente.
Imaginemos um gestor que pratica assédio moral com seus subordinados, se a
(177) CARVALHO, André Castro; ALVIM, Thiago Cripa. Funcionamento da linha éti-
ca. In: CARVALHO, André Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho; ALVIM, Tiago
Cripa; VENTURINI, Otávio (Coords.). Manual de compliance. Rio de Janeiro: Forense,
2018. p. 191.
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empresa possuir canais de denúncia sérios e independentes o mesmo vai evitar
tais práticas para preservar seu emprego.
Caberá sempre a correção pelas violações dos códigos de conduta ou re-
gulamentos internos e estas deverão constar em um capítulo ao qual se dará
publicidade.
O canal de denúncia, como ferramenta de compliance trabalhista, identi-
ca fraudes e outros ilícitos no mundo empresarial, já que o empregador não
tem como estar em toda empresa e “em todos locais simultaneamente”, e com
esta ferramenta de compliance poderá detectar as práticas ilícitas, desde que in-
dependente, para os empregados sentirem segurança na utilização da presente
ferramenta, a qual detecta e coíbe principalmente práticas de assédio moral,
assédio sexual e discriminação, como anteriormente mencionado.
É fulcral a empresa promover treinamentos, palestras e capacitações de
compliance, como boa prática, divulgando os canais de denúncia, deixando cla-
ra, para os trabalhadores, a independência e como funcionam estes canais, que
não existe risco de as denúncias serem direcionadas para os “chefes” e que,
mesmo estes serão penalizados se detectadas irregularidades, independente-
mente do nível hierárquico na empresa. É ainda importante orientar os em-
pregados sobre o funcionamento dos canais de ética ou denúncia e como se
processa o tratamento das denúncias e irregularidades detectadas, inclusive
que os envolvidos assinam um termo de condencialidade para o tratamento
das denúncias.
Com um canal independente e clareza sobre seu funcionamento, as de-
núncias tendem a aumentar nas empresas em um momento inicial, mas, com o
tempo, já com os canais de denúncia e outras ferramentas implantadas e com os
ajustes efetivos de conformidade às normas, nos institutos em geral, após de-
tectadas as irregularidades, com a empresa já em conformidade, as denúncias
tendem a diminuir, mas porque a empresa alcançou seu grau de conformidade,
chegando ao estado de conformidade e de respeito efetivo dos trabalhadores
na concretude almejada de realização dos seus direitos sociais.
Após um tempo da implantação destes canais, as denúncias diminuem
pela adequação natural e crescente da empresa às normas trabalhistas porque,
com o tempo e a implantação do compliance trabalhista, o assédio moral di-
minui, ou mesmo chega a ser eliminado na empresa, já que os trabalhadores
passam a sentir-se seguros com o canal de ética e denúncia de sua empresa e
os potenciais agressores cam inibidos para a prática de atos ilícitos sabendo
das consequências de uma denúncia efetiva. Ao possuir estas ferramentas, a
empresa consegue, com uma cultura preventiva, respeitar e proteger seus em-
pregados, além de reparar as falhas ainda existentes.
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As empresas, inicialmente, ao implantarem o compliance trabalhista, in-
cluindo canais de denúncia, recebem principalmente alto índice de denúncias
de assédio moral, devendo passar, depois da detecção, para o tratamento destas
e de outras desconformidades de forma corretiva e inibitória e, posteriormente,
preventiva, com treinamentos e cláusulas claras em códigos de conduta e com
a manutenção permanente de canais de denúncia, sempre independentes, evi-
tando-se a reincidência, o desrespeito aos direitos humanos dos trabalhadores
e passivos para a empresa, o que traz resultados e é efetivo em qualquer insti-
tuto trabalhista.
Os canais de denúncia são a ferramenta que por excelência detecta as irre-
gularidades e ilicitudes em geral, desde corrupção a ilícitos trabalhistas.
É evidente que a denúncia, com seus elementos correlatos, está integral-
mente inserida dentro de um programa de compliance de uma empresa, como
essencial para a efetividade dos seus demais elementos. É fato constatado que
sempre após realizada uma sessão de treinamento de compliance as denúncias
tendem a aumentar inicialmente, como já exposto, logo que implantado o pro-
grama, mas, com o decorrer do tempo e reparados os atos ilícitos, com a ma-
nutenção destes mecanismos de denúncia, estas tendem a diminuir gradativa-
mente, mas porque os ilícitos serão eliminados. Logo, um canal de denúncia ou
uma linha ética, é um poderoso aliado na parte de comunicação e treinamento
corporativo sobre compliance.(178)
A divulgação dos canais de denúncia deverá ser permanente e os pro-
ssionais que forem designados como responsáveis pelos canais de denúncia
deverão possuir total independência e autonomia no desenvolvimento de suas
atividades, uma vez que os mesmos terão acesso a toda a empresa e deverão tra-
tar as denúncias sem revelar o denunciado ou o tratamento daquela, devendo
inclusive estes assinar termos de condencialidade para evitar-se a retaliação,
ou que o tratamento da denúncia deixe de alcançar a sua nalidade coibindo e
corrigindo práticas ilícitas no âmbito empresarial: “O monitoramento do canal,
com sua avaliação periódica, identicando o número e tipos de denúncias e o
tratamento dado às denúncias recebidas, por exemplo, é essencial para aferição
e manutenção de sua qualidade”.(179)
5.2. Regulamento empresarial
O regulamento interno, ou empresarial, ainda denominado em algu-
mas empresas de regimento interno, é uma ferramenta essencial de com-
pliance trabalhista, a qual auxilia na proteção, respeito e efetividade dos
(178) CARVALHO, André Castro; ALVIM, Thiago Cripa. Op. cit., p. 191.
(179) CARVALHO, André Castro; ALVIM, Thiago Cripa. Op. cit., p. 187.
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direitos humanos dos trabalhadores. Este documento deverá conter cláusu-
las concernentes à matéria de higiene, saúde e segurança do trabalho, com
o objetivo de proteger o meio ambiente de trabalho e evitar-se acidentes de
trabalho ou doenças ocupacionais, regras para coibir horas extras acima do
limite legal, incluindo regras sobre uso de WhatsApp e e-mail, evitando-se
abusos e garantindo-se o direito à desconexão dos empregados, entre outros,
com cláusulas, por exemplo, proibindo a cobrança de trabalho fora do horário
de expediente por parte dos superiores hierárquicos.
Empresas com mais de 20 trabalhadores deverão ter regulamentos inter-
nos, na França, incluindo capítulos atinentes à tutela da saúde e segurança do
trabalho e para coibir assédio moral e sexual:
O código de conduta foi desenvolvido paralelamente aos regula-
mentos internos, que são obrigatórios nas empresas com mais de
20 empregados. O âmbito dos regulamentos internos é legalmente
limitado aos compromissos e obrigações do empregador e dos em-
pregados (saúde e segurança no trabalho, assédio moral e sexual,
etc.). O código, portanto, torna possível formalizar um certo nú-
mero de princípios e padrões de ação que vão além das obrigações
legais do empregador. Assim, um código de conduta pode ser glo-
bal ou relacionar-se especicamente com as práticas sociais, éticas
ou ambientais da empresa. Ao publicar este documento, a empresa
compromete-se a seguir estas regras e a fazer com que sejam cum-
pridas pelos seus colaboradores e fornecedores.
O código ou carta de ética é uma verdadeira vitrine para a empresa que o publica, pois
esse tipo de documento permite que as organizações armem seus valores interna-
mente, mas também melhorem sua imagem perante o público em geral, transmitindo
valores de integridade, respeito ao meio ambiente e aos valores humanos, etc.(180)
Na França, estes estão previstos no artigo L1321-1 do Código do Trabalho
ou Code du travail da França:
(180) Code ou charte éthique: leur rôle au sein de l’entreprise et leur portée juridique.
Disponível em:
leur-role-au-sein-de-l-entreprise-et-leur-portee-juridique.html>. Acesso em: 15 out.
2020. “Le code de conduite s’est développé parallèlement au règlement intérieur, obligatoire dans
les entreprises de plus de 20 salariés. Le champ du règlement intérieur est légalement limité aux
engagements et obligations de l’employeur et des salariés (hygiène et sécurité du travail, harcè-
lement moral et sexuel…). Le code permet donc de formaliser un certain nombre de principes
d’actions et de normes qui vont au-delà des obligations légales de l’employeur. Ainsi, un code de
conduite peut être global ou porter spéciquement sur les pratiques sociales, éthiques ou envi-
ronnementales de l’entreprise. En publiant ce document, l’entreprise s’engage à suivre ces règles
et à les faire suivre par ses collaborateurs et ses fournisseurs. Le code ou la charte éthique est une
réelle vitrine pour l’entreprise qui la publie car ce type de document permet aux organisations
d’armer leurs valeurs en interne mais aussi d’améliorer leur image auprès du grand public en
véhiculant des valeurs d’intégrité, de respect de l’environnement et des valeurs humaines, etc.»
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Artigo L1321-1. O regulamento interno é um documento escrito pelo qual
o empregador xa exclusivamente:
2º As condições em que os trabalhadores podem ser chamados a partici-
par, a pedido do empregador, no restabelecimento das condições de tra-
balho que protegem a saúde e segurança dos empregados, caso pareçam
estar comprometidas;
3º As regras gerais e permanentes relativas à disciplina, em particular a
natureza e a escala das sanções que o empregador pode tomar.(181)
O artigo 99, do Código do Trabalho de Portugal, também traz a regula-
mentação dos regulamentos internos, aos quais a empresa deverá dar publici-
dade e preconiza:
Regulamento interno de empresa
1 — O empregador pode elaborar regulamento interno de empresa
sobre organização e disciplina do trabalho.
2 — Na elaboração do regulamento interno de empresa é ouvida a
comissão de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindi-
cais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais.
3 — O regulamento interno produz efeitos após a publicitação do
respectivo conteúdo, designadamente através de axação na sede
da empresa e nos locais de trabalho, de modo a possibilitar o seu
pleno conhecimento, a todo o tempo, pelos trabalhadores.
4 — A elaboração de regulamento interno de empresa sobre deter-
minadas matérias pode ser tornada obrigatória por instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho negocial.(182)
Vimos que no Direito Comparado, em diversos instrumentos, além
dos aspectos e sanções disciplinares, a legislação traz a previsão da
inclusão de cláusulas de higiene, saúde e segurança no trabalho, com
a prevenção de riscos, assim como com instruções de segurança.
(181) FRANCE. Code du travail. Version consolidée au 20 septembre 2019. Disponível em:
.
Acesso em: 20 nov 2020. «Article L1321 — Le règlement intérieur est un document écrit par
lequel l’em-ployeur xe exclusivement: 2º Les conditions dans lesquelles les salariés peuvent être
appelés à participer, à la demande de l’employeur, au rétablissement de conditions de travail pro-
tectrices de la santé et de la sécurité des salariés, dès lors qu’elles apparaîtraient compromises; 3º
Les règles générales et permanentes relatives à la discipline, notamment la nature et l’échelle des
sanctions que peut prendre l’employeur.”
(182) PORTUGAL. Código do Trabalho. (Versão atualizada — 20 de março de 2018), cit.
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No Brasil, serão proibidas cláusulas contrárias à Constituição Federal de
1988 e às demais leis trabalhistas, como códigos do trabalho e à Consolidação
das Leis do Trabalho. No Brasil, assim como em outros países:
Além dos aspectos disciplinares, a higiene, segurança e saúde no
trabalho devem ser tratadas nos regulamentos internos da empresa
que devem indicar as medidas de aplicação dos regulamentos e as
medidas gerais de prevenção de riscos, bem como instruções de se-
gurança, e denir as penalidades para o não cumprimento. As cláu-
sulas são elaboradas pelo empregador, que deve submeter o projeto
à Comissão de Empresa”.(183)
Poderão constar cláusulas, nos regulamentos empresariais, sobre as con-
dições de higiene nos locais de trabalho, incluindo duchas, vestiários, equipa-
mentos de protecção individual, regras de trânsito internas, consultas médicas,
consumo de álcool, tabaco e outras drogas no ambiente de trabalho. Estas po-
derão trazer também procedimentos em caso de acidente de trabalho, rescisão
em caso de perigo grave e iminente, além de regras para coibir-se práticas de
assédio moral ou sexual dentro da empresa. Deverão estar previstas as sanções
disciplinares aplicadas ao empregado acusado, especicando sua natureza e
graduação, desde a advertência para faltas mais leves.(184)
O empregador deve ter regulamentos de higiene e segurança do tra-
balho e disciplinares, já que aquele tem o dever de tutelar o meio
ambiente do trabalho, inclusive, punindo seus colaboradores, se
estes se recusarem a utilizar seus EPIs para evitar acidentes de tra-
balho.
O empregador poderá ainda positivar, neste documento, a ferra-
menta política de advertências e ao advertir o seu empregado estará
tutelando e protegendo a vida de seu colaborador, evitando aciden-
tes, já que é fato que o homem tem mais medo de perder o emprego
do que de perder a vida e a advertência faz parte da ordem peda-
gógica para a justa causa. É fato que o empregado, ao ser advertido
por não utilizar o equipamento de proteção individual, passa a se
(183) Ociel prevention: santé et sécurité au travail. Règlement intérieur et santé et sécurité
au travail. Disponível em:
collectives-organisation-ergonomie/document-unique/reglement-interieur-et-sante-et-
-securite-au-travail>. Acesso em: 18 out. 2020. «En plus des aspects disciplinaires, l’hygiène,
la sécurité et la santé au travail doivent être traitées dans le règlement intérieur de l’entreprise
qui doit indiquer les mesures d’application de la réglementation et les mesures générales de
prévention des risques ainsi que les consignes de sécurité, et xer les sanctions en cas d’inob-
servation. Les clauses sont rédigées par l’employeur qui doit soumere le projet au Comité
d’Entreprise.”
(184) Idem.
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124
disciplinar e policiar quanto à sua utilização com receio de perder
o emprego.(185)
Falamos da importância e valorização dos regulamentos internos no
compliance trabalhista, na União Europeia, exemplo que deverá ser seguido no
Brasil, pela grande importância desta ferramenta, no auxílio para o mundo cor-
porativo estar em conformidade com as normas, com o objetivo de alcançar a
efetiva tutela aos direitos humanos, e diante disso trazemos exemplo prático
de uma empresa de Portugal, da qual apresentamos os dizeres da sua página
inicial, no site, onde dene seu programa de integridade, iniciando pelo con-
ceito de compliance, incluindo logo inicialmente os regulamentos internos ou
empresariais, ao lado de códigos de conduta, apontados no parágrafo seguinte:
Compliance é, pois, agir de acordo com a legislação em vigor, estar
em conformidade com as leis e os regulamentos internos da empre-
sa e do grupo. Ou seja, conciliar as acções, condutas e procedimen-
tos com as exigências legais, éticas e regulamentares.
No nosso caso concreto, signica o cumprimento das leis nacionais
e internacionais, agir de forma honesta, transparente e sustentável,
bem como o cumprimento do Código de Conduta da OCP Portugal
e as directivas internas da McKesson Europe.
O compliance abrange todas as áreas da empresa, desde a área -
nanceira à área comercial e contribui para a observância das boas
práticas organizacionais.(186) (destaques nossos)
Na América do Sul, a cultura do compliance trabalhista, com inclusão
de regulamentos empresariais, também vem crescendo. No Chile, a título de
exemplo, o Código del Trabajo de Chile, tem um capítulo especíco, no título III,
capítulo I, para tratar sobre o regulamento interno. As empresas com mais de
10 empregados serão obrigadas a elaborar regulamento interno de ordem, hi-
giene e segurança:
Capítulo I. DO REGULAMENTO INTERNO. Art. 153. As empresas,
estabelecimentos, tarefas ou unidades econômicas, que empreguem
normalmente dez ou mais trabalhadores permanentes, contados to-
dos aqueles que prestam serviços nas diferentes fábricas ou secções,
ainda que situadas em localidades distintas, serão obrigadas a ela-
borar um regulamento interno de ordem, higiene e segurança que
contenha as obrigações e proibições a que os trabalhadores devem
(185) CARLOTO, Selma. Compliance trabalhista, cit., p. 85.
(186) OCP Portugal. Compliance. Disponível em: -
cao/compliance>. Acesso em: 18 nov. 2020.
Selma Carloto
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estar sujeitos, em relação ao seu trabalho, permanência e vida nas
respectivas dependências da empresa ou estabelecimento.
Em especial, devem ser estipulados os padrões que deverão ser ob-
servados para garantir um ambiente de trabalho digno e o respeito
mútuo entre os trabalhadores.
Uma cópia do regulamento deverá ser enviada ao Ministério da
Saúde e à Direção do Trabalho no prazo de cinco dias após a sua
entrada em vigor.
Qualquer trabalhador ou as organizações sindicais da respectiva
empresa podem contestar as disposições do regimento interno que
considerem ilegais, recorrendo à autoridade sanitária ou à Direção
do Trabalho, conforme o caso. Da mesma forma, essa autoridade ou
essa Diretoria poderão, de ofício, exigir modicações ao referido re-
gulamento em razão de ilegalidade. Da mesma forma, podem exigir
que sejam incorporadas as disposições obrigatórias de acordo com
o artigo seguinte.(187) (tradução e grifo nosso)
O artigo 154 do mesmo capítulo traz as cláusulas obrigatórias, incluin-
do a necessidade de adaptações e serviços para decientes, normas e ins-
truções de prevenção, higiene e segurança que deverão ser observadas pela
empresa, ou estabelecimento e procedimentos a que serão submetidos e as
medidas de salvaguarda e sanções que serão aplicadas em caso de denún-
cias de assédio sexual.
Art. 154. O regulamento interno deve conter, no mínimo, as seguintes
disposições:
(187) GOBIERNO DE CHILE. Código del Trabajo. Disponível em:
cl/legislacion/1624/articles-95516_recurso_2.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2020. “Capítulo I
DEL REGLAMENTO INTERNO. Art. 153. Las empresas, establecimientos, faenas o unidades
económicas que ocupen normalmente diez o más trabajadores permanentes, contados todos los
que presten servicios en las distintas fábricas o secciones, aunque estén situadas en localidades
diferentes, estarán obligadas a confeccionar un reglamento interno de orden, higiene y seguridad
que contenga las obligaciones y prohibiciones a que deben sujetarse los trabajadores, en relación
con sus labores, permanencia y vida en las dependencias de la respectiva empresa o estableci-
miento. Especialmente, se deberán estipular las normas que se deben observar para garantizar
un ambiente laboral digno y de mutuo respeto entre los trabajadores. Una copia del reglamento
deberá remitirse al Ministerio de Salud y a la Dirección del Trabajo dentro de los cinco días
siguientes a la vigencia del mismo. Cualquier trabajador o las organizaciones sindicales de la
empresa respectiva podrán impugnar las disposiciones del reglamento interno que estimaren ile-
gales, mediante presentación efectuada ante la autoridad de salud o ante la Dirección del Trabajo,
según corresponda. De igual modo, esa autoridad o esa Dirección podrán, de ocio, exigir modi-
caciones al referido reglamento en razón de ilegalidad. Asimismo, podrán exigir que se incorporen
las disposiciones que le son obligatorias de conformidad al artículo siguiente.”
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
126
1 — os horários de início e término do trabalho e de cada turno, se execu-
tado por equipes;
2 — pausas;
3 — os vários tipos de remuneração;
4 — o local, dia e hora do pagamento;
5 — as obrigações e proibições a que estão sujeitos os trabalhadores;
6 — a designação dos cargos executivos ou dependentes do estabeleci-
mento perante os quais os trabalhadores devem apresentar seus pedidos,
reclamações, dúvidas e sugestões, e no caso de empresas com duzentos
trabalhadores ou mais, um registro que contenha os diversos cargos ou
funções na empresa e suas características técnicas essenciais;
7 — as normas especiais pertinentes aos diferentes tipos de tarefas, de
acordo com a idade e sexo dos trabalhadores, e às adaptações e serviços
de apoio necessários que permitam ao trabalhador com deciência um
desempenho adequado no trabalho;
8 — a forma de vericação do cumprimento das leis de segurança social,
serviço militar obrigatório, bilhete de identidade e, no caso de menores,
do cumprimento da obrigação escolar;
9 — as normas e instruções de prevenção, higiene e segurança que devem
ser observadas na empresa ou estabelecimento;
10 — As sanções que podem ser aplicadas por violação das obrigações
previstas neste regulamento, que só podem consistir em advertência ver-
bal ou escrita e multa até vinte e cinco por cento da remuneração diária;
11 — o procedimento a que será submetida a aplicação das sanções a que
se refere o número anterior;
12 — O procedimento a que serão submetidos e as medidas de salva-
guarda e sanções que serão aplicadas em caso de denúncias de assédio
sexual.(188) (tradução nossa)
(188) Art. 154. El reglamento interno deberá contener, a lo menos, las siguientes disposicio-
nes: 1 — las horas en que empieza y termina el trabajo y las de cada turno, si aquél se efectúa
por equipos; 2 — los descansos; 3 — los diversos tipos de remuneraciones; 4 — el lugar, día y
hora de pago; 5 — las obligaciones y prohibiciones a que estén sujetos los trabajadores; 6 — la
designación de los cargos ejecutivos o dependientes del establecimiento ante quienes los trabaja-
dores deban plantear sus peticiones, reclamos, consultas y sugerencias, y en el caso de empresas
de doscientos trabajadores o más, un registro que consigne los diversos cargos o funciones en la
empresa y sus características técnicas esenciales; 7 — las normas especiales pertinentes a las di-
versas clases de faenas, de acuerdo con la edad y sexo de los trabajadores, y a los ajustes necesarios
y servicios de apoyo que permitan al trabajador con discapacidad un desempeño laboral adecuado;
8 — la forma de comprobación del cumplimiento de las leyes de previsión, de servicio militar obli-
gatorio, de cédula de identidad y, en el caso de menores, de haberse cumplido la obligación escolar;
Selma Carloto
127
Podemos vericar que a lei do Chile, que acabamos de fazer a leitura, no
artigo 154, número 10, permite sanções disciplinares em pecúnia. No Brasil,
as únicas sanções permitidas, possíveis e lícitas, nas relações de trabalho, são
advertência, suspensão e justa causa, sendo as sanções em pecúnia, ou castigos,
rejeitados pelo nosso ordenamento jurídico nacional.
Concluímos, pela legislação exposta de vários países, incluindo-se em
alguns destes a sua obrigatoriedade, principalmente em institutos onde mais
devemos combater as irregularidades e práticas ilícitas, pela grande ocorrência
destas, que estamos diante de uma ferramenta essencial para a conformidade
e para alcançar o efetivo diálogo com os empregados na busca de organização,
disciplina, conformidade, destacando-se na tutela do meio ambiente de traba-
lho e outros institutos frequentemente desrespeitados, a qual é instrumento
no compliance em direitos humanos e no compliance trabalhista, os quais estão
conectados na área laboral, onde podemos defender que temos um compliance
trabalhista em direitos humanos.
5.3. Códigos de Ética e de Conduta
Os códigos de ética e de conduta são denominados, na prática, como có-
digos simplesmente de conduta, códigos de conduta ética, ou mesmo códigos
de ética, como traz a própria lei anticorrupção ao referir-se a estes. Não pode-
mos confundir os códigos de ética e conduta empresariais, independente da
nomenclatura utilizada, a qual varia tanto na legislação como de empresa para
empresa, sendo mais adotada a expressão códigos de conduta, com os códigos
de ética de prossões, que são totalmente distintos.
Os códigos de ética e de conduta têm como escopo precípuo denir
os princípios éticos, a moral e as condutas esperadas, de acordo com os va-
lores, dentro de uma empresa e por essa razão preferimos, assim, intitular
o presente capítulo e denominá-los códigos de ética e conduta, já que estes
entrelaçam a ética empresarial com as condutas esperadas pela empresa
dentro do compliance.
Nos códigos de conduta, ou de ética e conduta, devemos colocar cláusulas
que traduzam os valores morais e os princípios da empresa, incluindo instru-
ções para evitar-se assédio moral, assédio sexual, práticas discriminatórias, entre
9 — las normas e instrucciones de prevención, higiene y seguridad que deban observarse en la
empresa o establecimiento; 10 — las sanciones que podrán aplicarse por infracción a las obliga-
ciones que señale este reglamento, las que sólo podrán consistir en amonestación verbal o escrita
y multa de hasta el veinticinco por ciento de la remuneración diaria; 11 — el procedimiento a que
se someterá la aplicación de las sanciones referidas en el número anterior; 12 — El procedimiento
al que se someterán y las medidas de resguardo y sanciones que se aplicarán en caso de denuncias
por acoso sexual.”
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
128
outras práticas ilícitas que acarretem precipuamente desrespeitos aos direitos
humanos dos trabalhadores, demonstrando que estas práticas são contrárias e
incompatíveis com os princípios e a ética da empresa ou instituição, sendo um
compromisso da empresa com seus trabalhadores o respeito aos seus direitos
humanos e fundamentais. Trouxemos como exemplo os códigos da Votoran-
tim e da Petrobras, estudados em capítulo próprio.
O Tribunal Superior do Trabalho, em sua cartilha de prevenção ao as-
sédio moral, traz nas formas de prevenção, que a empresa deverá instituir e
divulgar um código de ética da instituição, enfatizando que o assédio moral é
incompatível com os princípios organizacionais. Aqui, o Tribunal Superior do
Trabalho os denomina de códigos de ética, como na Lei Anticorrupção. Nesta
cartilha, de prevenção de assédio moral, o tribunal ainda aporta a importância
dos canais de denúncia e treinamentos, além de boas práticas, ao lado dos códi-
gos de ética e de conduta, ferramentas de compliance para coibir o assédio moral
e outras desconformidades. Na sequência traremos a cartilha elaborada pelo
Tribunal Superior do Trabalho, o qual arma que o compliance trabalhista traz
efetividade aos direitos humanos dos trabalhadores, não apenas reduzindo,
como eliminando estas práticas.(189)
Nas palavras do Tribunal Superior do Trabalho, em sua cartilha de pre-
venção do assédio moral:
Existem várias formas de prevenir o assédio moral no trabalho, mas
a principal é a informação. Garantir que todos saibam o que é assé-
dio moral e quais são os comportamentos e ações aceitáveis no am-
biente de trabalho contribui para a redução e até para a eliminação
dessa prática. Veja algumas medidas de prevenção:
— Incentivar a efetiva participação de todos os colaboradores na
vida da empresa, com denição clara de tarefas, funções, metas e
condições de trabalho;
Instituir e divulgar um código de ética da instituição, enfati-
zando que o assédio moral é incompatível com os princípios orga-
nizacionais;
;
— Incentivar as boas relações no ambiente de trabalho, com tole-
rância à diversidade de pers prossionais e de ritmos de trabalho;
(189) TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO — TST. Secretaria de Comunicação
Social do TST. Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral. Pare e repare — por um ambiente de
trabalho mais positivo. Disponível em:
Cartilha+ass%C3%A9dio+moral/573490e3-a2dd-a598-d2a7-6d492e4b2457>. Acesso em:
12 dez. 2020.
Selma Carloto
129
— Ampliar a autonomia para organização do trabalho, após forne-
cer informações e recursos necessários para execução de tarefas;
— Reduzir o trabalho monótono e repetitivo;
— Observar o aumento súbito e injusticado de absenteísmo (faltas
ao trabalho);
— Realizar avaliação de riscos psicossociais no ambiente de trabalho;
— Garantir que práticas administrativas e gerenciais na organização
sejam aplicadas a todos os colaboradores de forma igual, com trata-
mento justo e respeitoso;
— Dar exemplo de comportamento e condutas adequadas, evitando
se omitir diante de situações de assédio moral;
— Oferecer apoio psicológico e orientação aos colaboradores que se
julguem vítimas de assédio moral; e
— Estabelecer canais de recebimento e protocolos de encaminha-
mento de denúncias.(190) (destaques nossos)
A Organização Internacional do Trabalho foi fundada em um momen-
to em que o mundo estava devastado pela guerra e ameaçado pela revo-
lução, marcado pela pobreza e miséria dos trabalhadores, com objetivo de
estabelecer uma estrutura social em favor da paz e da estabilidade, onde
a atividade econômica pudesse gerar prosperidade e ao mesmo tempo a
justiça social, tanto no que é atinente às condições de vida dos trabalhado-
res, como ao mundo do trabalho. Já na Conferência de Genebra de 1999, a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) declarou que era hora de ir
além do horizonte dos pequenos negócios e atender às necessidades das
empresas transnacionais, como principais instrumentos de transferência de
capital, tecnologia e boas práticas de trabalho na economia mundial e mui-
tas empresas adotaram seus próprios códigos de conduta, para os quais têm
liberdade, dentro de suas boas práticas.(191)
Um código de ética e de conduta, chamado de apenas código de con-
duta em várias instituições, promove as relações interpessoais saudáveis e
(190) TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO — TST. Secretaria de Comunicação
Social do TST. Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral. Pare e repare — por um ambiente de
trabalho mais positivo. Disponível em:
Cartilha+ass%C3%A9dio+moral/573490e3-a2dd-a598-d2a7-6d492e4b2457>. Acesso em:
12 dez. 2020.
(191) ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO — OIT. 87ª Reunión de
Ginebra, 1999. Disponível em:
ilc87/rep-i.htm>. Acesso em: 13 dez. 2020.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
130
a forma como cada um deverá colaborar com seus colegas, preservando um
bom clima de trabalho.
Podemos constatar, não sendo o mais relevante, que a nomenclatura va-
ria mes mo dentro da legislação. Por exemplo, na Lei Anticorrupção e seu decreto
regulamentador, Decreto n. 8.8420/2015, estes estão denominados como códigos
de ética, já na Lei n. 13.303/2016, e da mesma forma na Lei Geral de Proteção de
Dados, vêm denominados como códigos de conduta.
Este é um documento da empresa, onde a mesma traz sua missão, trans-
mite a sua conduta ética e assim também esperada, de seus empregados e pre-
postos, os valores da empresa, trazendo todas orientações de comportamentos
e de atitudes, os quais deverão estar sempre associados a boas maneiras e prá-
ticas, assim como o compromisso da empresa para com os seus empregados,
com o escopo e meta principal de obtenção de um ambiente de trabalho saudá-
vel e seguro para todos seus empregados.
A empresa deverá dar publicidade aos códigos de conduta e todos os em-
pregados deverão recebê-los e respeitá-los, independente de hierarquia, função e
cargo ocupado por estes.
O Decreto n. 11.129 /2022 dispõe sobre os códigos de ética, de conduta e
políticas, no seu programa de integridade:
Art. 57. Para ns do disposto no inciso VIII do caput do art. 7º da Lei n.
12.846, de 2013, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua
existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:
I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os
conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa,
bem como pela destinação de recursos adequados;
II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos
de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores,
independentemente do cargo ou da função exercida;
III – padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade
estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como fornecedores,
prestadores de serviço, agentes intermediários e associados. (...)(192)
A Lei n. 13.303/2016, artigo 9º, traz também os códigos de conduta, dentro
do seu programa de integridade, com canais de denúncia para receberem de-
núncias sobre o descumprimento de suas cláusulas, assim como, incluindo nos
de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrava e civil de pessoas ju-
rídicas pela práca de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Brasília:
Presidência da República, 2022. Disponível em: .br/en/web/dou/-/decreto-n-11.
129-de-11-de-julho-de-2022-414406006>. Acesso em: 16 out. 2022.
Selma Carloto
131
seus parâmetros treinamentos periódicos, pelo menos anuais, sobre o código
de conduta, tanto para empregados como para administradores.
Art. 9º A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão re-
gras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que
abranjam:
(...)
§ 1º Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta e Integridade,
que disponha sobre:
I — princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de
economia mista, bem como orientações sobre a prevenção de conito de
interesses e vedação de atos de corrupção e fraude;
II — instâncias internas responsáveis pela atualização e aplicação do Có-
digo de Conduta e Integridade;
III — canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias in-
ternas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e
Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais;
IV — mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retalia-
ção a pessoa que utilize o canal de denúncias;
V — sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de Con-
duta e Integridade;
VI — previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código
de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a
política de gestão de riscos, a administradores.(193)
É fundamental, ainda, um capítulo de Lei Geral de Proteção de Dados,
nos códigos de conduta, incluindo segurança da informação, nos termos da Lei
Geral de Proteção de Dados, artigo 50, o qual traz um capítulo especíco para
tratar das boas práticas e de governança, incluindo políticas internas que asse-
gurem o cumprimento da lei, como veremos adiante ao transcrever o presente
artigo e com o escopo de evitar-se lesão aos titulares, já que esta norma visa
proteger a privacidade e as liberdades fundamentais dos titulares, incluindo-se
aqui os trabalhadores:
Art. 50. Os controladores e operadores, no âmbito de suas competências,
pelo tratamento de dados pessoais, individualmente ou por meio de as-
sociações, poderão formular regras de boas práticas e de governança que
estabeleçam as condições de organização, o regime de funcionamento, os
procedimentos, incluindo reclamações e petições de titulares, as normas
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
132
de segurança, os padrões técnicos, as obrigações especícas para os diver-
sos envolvidos no tratamento, as ações educativas, os mecanismos inter-
nos de supervisão e de mitigação de riscos e outros aspectos relacionados
ao tratamento de dados pessoais.
§ 1º Ao estabelecer regras de boas práticas, o controlador e o operador
levarão em consideração, em relação ao tratamento e aos dados, a nature-
za, o escopo, a nalidade e a probabilidade e a gravidade dos riscos e dos
benefícios decorrentes de tratamento de dados do titular.
§ 2º Na aplicação dos princípios indicados nos incisos VII e VIII do caput
do art. 6º desta Lei, o controlador, observados a estrutura, a escala e o
volume de suas operações, bem como a sensibilidade dos dados tratados
e a probabilidade e a gravidade dos danos para os titulares dos dados,
poderá:
I — implementar programa de governança em privacidade que, no mínimo:
a) demonstre o comprometimento do controlador em adotar processos e
políticas internas que assegurem o cumprimento, de forma abrangente,
de normas e boas práticas relativas à proteção de dados pessoais;
b) seja aplicável a todo o conjunto de dados pessoais que estejam sob seu
controle, independentemente do modo como se realizou sua coleta;
c) seja adaptado à estrutura, à escala e ao volume de suas operações, bem
como à sensibilidade dos dados tratados;
d) estabeleça políticas e salvaguardas adequadas com base em processo
de avaliação sistemática de impactos e riscos à privacidade;
e) tenha o objetivo de estabelecer relação de conança com o titular, por
meio de atuação transparente e que assegure mecanismos de participação
do titular;
f) esteja integrado a sua estrutura geral de governança e estabeleça e apli-
que mecanismos de supervisão internos e externos;
g) conte com planos de resposta a incidentes e remediação; e
h) seja atualizado constantemente com base em informações obtidas a
partir de monitoramento contínuo e avaliações periódicas;
II — demonstrar a efetividade de seu programa de governança em priva-
cidade quando apropriado e, em especial, a pedido da autoridade nacio-
nal ou de outra entidade responsável por promover o cumprimento de
Selma Carloto
133
boas práticas ou códigos de conduta, os quais, de forma independente,
promovam o cumprimento desta Lei.(194) (destaques nossos)
A Lei de Proteção de Dados da Argentina, artigo 30, também estabelece
que as associações ou entidades representativas dos responsáveis ou utiliza-
dores de bancos de dados privados poderão desenvolver códigos de conduta
para a prática prossional com normas sobre o tratamento de dados pessoais
que tendam a garantir e melhorar as condições de funcionamento dos sistemas
de informações:(195)
ARTIGO 30º — (Códigos de conduta).
1. As associações ou entidades representativas dos responsáveis ou
utilizadores de bancos de dados privados podem desenvolver códigos
de conduta para a prática prossional, que estabeleçam normas para
o tr atamento de dados pessoais que tendam a assegurar e melhorar as
condições de funcionamento dos sistemas de informações com base nos
princípios estabelecidos nesta lei.
2. Os referidos códigos devem ser inscritos no registro mantido para o
efeito pelo organismo de controle, que pode recusar o registro quando
considerar que não cumprem as disposições legais e regulamentares so-
bre a matéria.
Os códigos de conduta, como ferramentas de compliance trabalhista e ins-
trumentos de alcance da conformidade, promovem a função social da empresa,
em respeito aos princípios constitucionais da ordem econômica e à dignidade
da pessoa humana, ajudando na melhoria da vida econômica e social e na va-
lorização dos agentes, incluindo-se os empregados.
Dessa forma, pode-se ver como na prática seria alcançada a função social
da empresa, em respeito aos princípios constitucionais da ordem econô-
mica e à dignidade da pessoa humana.
Na medida em que se estabelece um código próprio a ser seguido pela
empresa, que irá regular como as coisas devem funcionar, levando em
(194) BRASIL. Lei n. 13.709/2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), cit.
(195) ARGENTINA. Ley n. 25.326 de 2000. 30 de outubro de 2000. Disponível em:
2000-10-04/123456789-0abc-defg-g99-44000 scanyel>. Acesso em: 21 dez. 2020. “ARTI-
CULO 30 — (Códigos de conducta). 1. Las asociaciones o entidades representativas de responsa-
bles o usuarios de bancos de datos de titularidad privada podrán elaborar códigos de conducta de
práctica profesional, que establezcan normas para el tratamiento de datos personales que tiendan
a asegurar y mejorar las condiciones de operación de los sistemas de información en función de los
principios establecidos en la presente ley. 2. Dichos códigos deberán ser inscriptos en el registro
que al efecto lleve el organismo de control, quien podrá denegar la inscripción cuando considere
que no se ajustan a las disposiciones legales y reglamentarias sobre la materia.”
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
134
consideração a voz do empregado e dos fornecedores, e não só a voz do
empresário, acaba-se por valorizar os agentes e promover a melhoria da
sua vida econômica e social.(196)
Não obstante os códigos de conduta não sejam obrigatórios na maioria
das empresas privadas, onde não existe legislação que exija um programa de
integridade, estes tendem a crescer junto ao compliance trabalhista e a ser cada
vez mais utilizados nas empresas, já que auxiliam no cumprimento da norma
em diversos institutos trabalhistas.
Ao formalizar os princípios éticos da empresa, assim como os demais
valores, em um documento, tratamos de um compromisso moral genuíno,
mormente com os empregados. Se zermos uma comparação com a legislação
externa podemos comparar o código de ética e conduta à Constituição Fede-
ral, principalmente aos princípios constitucionais e o regulamento interno à
Consolidação das Leis do Trabalho e demais legislações infraconstitucionais.
5.3.1. Código de Conduta da empresa Votorantim
Os códigos de conduta têm por escopo passar a missão, valores e cultura
das empresas àqueles com os quais estas se relacionam, incluindo-se os tra-
balhadores. É importante a empresa, por meio destes, explicar e deixar muito
claras e transparentes as condutas esperadas, de acordo com a ética, normas
em geral e valores da empresa, sendo o mais didático possível, conseguindo
passar as informações e orientar corretamente seus empregados, podendo,
quanto a estes, aplicar sanções disciplinares por descumprimento de suas
cláusulas, o que congurará ato de indisciplina. As capacitações também são
uma importante ferramenta de compliance, inclusive do compliance trabalhista,
e que também vão auxiliar na compreensão dos empregados das cláusulas ali
estabelecidas. Merece lembrarmos que a Lei Anticorrupção traz, atualmente,
estas mesmas ferramentas, dentro dos seus parâmetros, no artigo 57 do De-
creto n. 11.129/2022, seu decreto regulamentador.
Escolhemos como exemplo, já que não há um modelo especíco ou obriga-
tório a seguir, o Código de Conduta da Votorantim(197), no presente trabalho, em
formato de perguntas e respostas e que se apresenta de forma muito didática.
Devemos ressaltar que o mais importante é que o código de conduta ética,
de conduta ou de ética e conduta, passe as informações, que seja o mais didáti-
co e claro possível e que não apresente condutas contrárias às normas externas,
(196) MORAIS, Uérlei Magalhães de. Compliance trabalhista: a utilização da lei anticor-
rupção como instrumento de prevenção de conitos de natureza trabalhista, cit.
(197) Disponível em: -
tim_portugues.pdf>.
Selma Carloto
135
seja à legislação e outras regras, seja aos princípios. Muitas vezes, o empregado
que entrou na empresa após um treinamento e lendo um código de conduta
com informações claras, concisas e objetivas, autoexplicativas, por exemplo,
com perguntas e respostas, terá maior facilidade de seguir suas orientações.
No presente trabalho, apresentamos três exemplos de perguntas e respos-
tas atinentes ao compliance trabalhista do código da Votorantim, o qual se pode
encontrar na íntegra na internet(198).
O primeiro exemplo, páginas 11 e 12 do código objeto de estudo, é escla-
recedor quanto à aplicação deste código para todos os empregados, inclusive
os gestores, e explica o funcionamento do canal de denúncia da Votorantim, o
qual é denominado de “Linha Ética”, sendo destacada, na resposta, a impar-
cialidade e transparência do canal, com intuito de retirar “medos”, às vezes
existentes, por parte dos trabalhadores, de que a denúncia se direcione para
o “chefe”, além de ser destacada a possibilidade do anonimato. As empresas
deverão também reforçar a independência, transparência, imparcialidade e a
possibilidade de anonimato, nos treinamentos e capacitações aos empregados.
Exemplo: tenho dúvidas sobre a aplicação dos conceitos do Có-
digo e se os colegas e os gestores levarão a sério as questões nele
abordadas.
Resposta: na Votorantim, temos como referência os mais altos pa-
drões de integridade, transparência e conabilidade. Estamos sem-
pre buscando a conscientização de nossos empregados e de todos
aqueles com quem temos negócios. Mantemos uma estrutura pronta
para lidar com esses desaos e esperamos de nossos empregados
que não aceitem conviver com atos antiéticos, utilizando-se de tais
ferramentas para inuenciar seus colegas ou dirigir-se aos canais
adequados.
Para conhecer, analisar e resolver qualquer questão referente ao
Código de Conduta, a Votorantim mantém um canal denominado
Linha Ética, que pode ser acessado pelos públicos interno e externo.
Imparcial e transparente, a Linha Ética garante a condencialidade
das informações, preserva a identidade das pessoas envolvidas e
promove um ambiente melhor para todos. Por meio dela, é possível
esclarecer dúvidas de interpretação e encaminhar denúncias de des-
cumprimento do Código de Conduta. Esse é um serviço disponível
a todas as Empresas, que permite ao empregado buscar um canal
diferente para solução de alguma questão relacionada a este Código
(198) Disponível em: -
tim_portugues.pdf>.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
136
de Conduta. O serviço está disponível em diversas línguas, entre
elas português, inglês, espanhol e francês. Ao fazer uma denúncia,
você pode ainda escolher permanecer no anonimato. Para entrar em
contato com a Linha Ética, você pode escolher uma das formas dis-
ponibilizadas pelo canal: por telefone ou por meio do portal, onde
você encontra os acessos para fazer uma denúncia, fazer perguntas
ou realizar o acompanhamento de uma denúncia já realizada.(199)
No exemplo 2, temos um caso ligado diretamente ao compliance traba-
lhista, estando este incluindo dentro do compliance geral da empresa, com uma
pergunta sobre a exclusão e discriminação negativa e mascarada de candidata,
mãe de gêmeos, com alta experiência e qualicações, sob a justicativa da di-
culdade desta trabalhadora lidar com viagens. A empresa deixa claro, em seu
código de conduta, que esta atitude seria contrária aos princípios da empresa,
já que as contratações deverão ser baseadas no mérito e transparência. Isto é,
a empresa, por meio de seu representante, no ato da entrevista, deverá deixar
claro que a/o candidata/o, estará participando de um processo seletivo para
uma vaga que envolverá viagens constantes e, a partir dali, a opção e a decisão
por aceitar ou não a vaga serão tomadas pela própria candidata ou candidato:
Estamos realizando um processo de recrutamento para uma vaga
que envolve viagens extensivas. Uma das candidatas é mãe de

não creio que será capaz de lidar com todas as viagens. Diante
 
seu tempo?
Resposta: ao fazer essa suposição, você está violando nosso Código
e também a lei. Você não deve discriminar ou fazer suposições sobre
candidatos com base em seus atributos pessoais, tais como as res-
ponsabilidades familiares deles. Nossas contratações são baseadas
em mérito. Sua preocupação pode ser pertinente, no entanto, você
deve fornecer a todos os candidatos as informações relacionadas às
exigências de viagem do cargo. A decisão de atender a essa exigên-
cia deve ser tomada pelo próprio indivíduo.(200)
O terceiro exemplo escolhido, dentro de várias perguntas e respostas in-
teressantes, dentro do código em análise, é atinente a práticas de assédio moral.
Indaga-se se um empregado se deparar diante de uma situação de assédio moral,
praticada contra seu colega de equipe pelo seu gestor, prática já reiterada em
(199) VOTORANTIM. Código de Conduta. p. 11. Disponível em: -
tim.com.br/codigo_de_conduta_votorantim_portugues.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2021.
(200) VOTORANTIM. Código de Conduta, cit., p. 23.
Selma Carloto
137
várias reuniões, como os colegas deverão agir constatando a situação de assédio
que estão testemunhando? A Votorantim orienta que os colegas deverão apro-
ximar-se do colega assediado e indagar-lhe como ele se sente nessa situação, di-
vidindo como ele se sentiu e estimular a utilização do canal de denúncia, Linha
Ética da Votorantim. A Votorantim traz esta pergunta e resposta com o objetivo
de proteger o meio ambiente de trabalho, pelo qual é responsável, tutelando a
vida e saúde dos trabalhadores e, se precisar, intervindo para corrigir.
Em nossa última reunião de departamento, um colega da minha
equipe fez uma pergunta, e nosso gestor disse que esse era o tipo
de pergunta sem sentido que ele esperaria desse colega. Essa não
é a primeira vez que vejo isso acontecer. Todos comentam sobre
esse “comportamento, mas ninguém sente-se confortável para to-
mar uma atitude. O que devo fazer?
Resposta: a atitude de seu gestor, além de recorrente, parece deixar
todos desconfortáveis, principalmente seu colega. Se achar apro-
priado, pergunte a seu colega como ele se sentiu naquela situação,
dividindo com ele que você achou ter sido um comportamento
inapropriado. Incentive-o a falar com o seu gestor e, caso não fun-
cione, com o superior acima dele. Caso necessário, recomende a uti-
lização de um dos canais da Linha Ética.
A saúde, a integridade física dos empregados e a proteção ao meio
ambiente são prioridades para a Votorantim, estando acima de
questões econômicas ou de produção. É de responsabilidade de
cada um estar familiarizado com as políticas, os procedimentos e
as práticas de saúde, segurança e meio ambiente e cumpri-los rigo-
rosamente. Tratamos de forma transparente todas as informações
relativas à saúde, à segurança e ao meio ambiente que possam ter
impacto sobre os nossos empregados, sobre as comunidades ou so-
bre o meio ambiente”.(201)
Ainda, analisando o código de conduta da Votorantim, trazido como
exemplo, objeto da presente pesquisa, este traz as sanções disciplinares pelo
descumprimento das normas do código de conduta, tema que analisaremos no
próximo capítulo, na sequência, e com o qual nalizo a análise do código de
conduta da Votorantim.
Estas sanções disciplinares, como ferramentas do compliance trabalhista,
dão efetividade a este código, com intuito pedagógico de correção do com-
portamento de empregados que não seguirem as orientações da instituição,
devendo sempre ser observada a ordem pedagógica e a proporcionalidade.
(201) VOTORANTIM. Código de Conduta, cit., p. 29.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
138
Lembremos que as sanções disciplinares pelo descumprimento de códigos de
conduta, ou de ética e conduta, da nomenclatura adotada pela organização ou
empresa, estão dentro das ferramentas previstas no decreto que regulamenta a
Lei Anticorrupção.
Medidas disciplinares têm por objetivo estabelecer regras para ga-
rantir os padrões de comportamento exigidos e devem ser aplicadas
em todas as situações em que um comportamento estiver em desa-
cordo com esses padrões. As aplicações dependerão da gravidade
da violação e de outras circunstâncias relevantes e podem incluir:
1. Advertência verbal ou por escrito
2. Suspensão
3. Demissão com ou sem justa causa A aplicação de penalidades
deve ser feita, tanto quanto possível, logo em seguida à falta come-
tida, sob pena de caracterizar o perdão tácito.
Admite-se um período maior de tempo para a aplicação de penali-
dade quando a falta requerer apuração de fatos e das devidas res-
ponsabilidades. Os casos de aplicação da gestão de consequências
devem ser discutidos no âmbito do Grupo de Trabalho (GT) de
Compliance, grupo que reúne os membros das áreas de Compliance
das Empresas, para que estes busquem embasar o Comitê de Con-
duta a tomar medidas semelhantes para os casos tratados.(202)
5.4. Política de advertências e sanções disciplinares
Assim como os treinamentos, as sanções disciplinares trazem efetividade
ao compliance trabalhista, já que o exteriorizam e tiram do papel o compliance
trabalhista, como cultura de conformidade, corrigindo condutas irregulares
dentro da empresa e alcançando a tutela e efetividade dos direitos humanos e
fundamentais.
Como vimos, ao falarmos sobre a corrupção, a impunidade fomenta o cri-
me, assim como as irregularidades e práticas ilícitas. Logo, é importante aplicar
sanções disciplinares aos empregados e gestores que descumprirem as políticas
internas, códigos de conduta, regulamentos empresariais e as normas-regras e
princípios, já que da mesma forma que na corrupção não haverá correção sem
um ato positivo das empresas, na tentativa de correção de comportamento de
trabalhadores, que desrespeitem subordinados, ou colegas, com práticas discri-
minatórias, assédio moral, assédio sexual, cobrança de horas extras acima do
limite legal, entre outras.
(202) VOTORANTIM. Código de Conduta, cit., p. 18.
Selma Carloto
139
Podemos concluir que dentro do compliance trabalhista este se encarre-
ga da função reparatória, quando detectadas irregularidades praticadas entre
empregados em nível vertical por gestores e horizontal por colegas, ou mesmo
quando o trabalhador descumpre normas internas ou externas, muitas vezes
até em seu próprio prejuízo e de sua vida e saúde, devendo a empresa intervir
para corrigir, já que esta é responsável pelo meio ambiente de trabalho.
O artigo 42 do Decreto n. 8.420/2015, decreto que regulamenta a Lei Anti-
corrupção, já trazia dentro dos seus parâmetros, ao lado dos canais de denúncia
e dos códigos de ética e de conduta, as sanções disciplinares, como parâmetro
e ferramenta do compliance e dispõe que:
para ns do disposto no § 4º do art. 5º, o Programa de Integridade será
avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes
parâmetros:
(...)
XI — medidas disciplinares em caso de violação do Programa de Integri-
dade;(203) (destaque nosso).
Da mesma forma, preconiza o atual Decreto Federal 11.129/2022:
Art. 57. Para ns do disposto no inciso VIII do caput do art. 7º da Lei n.
12.846, de 2013, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua
existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:
(...)
XI – medidas disciplinares em caso de violação do programa de integri-
dade.(204)
O artigo 9º da Lei n. 13.303/2016 também dispõe que deverão ser aplica-
das sanções disciplinares, em caso de violação às regras do Código de Conduta
e Integridade:
A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão regras de
estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam:
(...)
de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrava e civil de pessoas ju-
rídicas pela práca de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Brasília:
Presidência da República, 2022. Disponível em: hps://in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.
129-de-11-de-julho-de-2022-414406006. Acesso em: 16 out. 2022.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
140
V — sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de Con-
duta e Integridade;(205) (destaque nosso)
Como é possível perceber, as sanções, ao lado dos treinamentos, dão efe-
tividade ao compliance em geral, o tirando do papel e também ao compliance
trabalhista, já que garantem o cumprimento dos códigos de conduta, regula-
mentos internos e as outras normas internas e externas, mesmo a legislação.
Nas relações de trabalho, as sanções lícitas, decorrentes do poder discipli-
nar, se traduzem na advertência, suspensão e justa causa:
A política de advertências, como ferramenta do compliance trabalhis-
ta, faz parte do poder empregatício do empregador, e mesmo da
função social da empresa, ao demandar graus e proporcionalida-
de antes da dispensa, para faltas mais leves, porque o empregador
consegue provar, por meio desta ferramenta, que está adequado à
norma legal prevista no artigo 482 da CLT, ao regulamento interno
e aos princípios constitucionais, ao tentar corrigir o comportamento
do trabalhador.
O programa de integridade deve trazer sempre medidas discipli-
nares e sanções em caso de violação para se garantir a efetividade
do compliance trabalhista, o que também podemos observar nas diversas
legislações de compliance.(206)
As sanções disciplinares tutelam e corrigem as inadequações do meio am-
biente laboral e muitas vezes chegam a proteger a vida e saúde do trabalhador,
como bens maiores do empregado, sendo obrigação do empregador scalizar
a utilização efetiva dos equipamentos de proteção individual pelos trabalhado-
res, com o intuito de evitar-se acidentes de trabalho na empresa. O empregador
tem o dever de proteger o trabalhador, assim como de corrigir seu comporta-
mento. A Consolidação das Leis do Trabalho dispõe ser falta grave a recusa do
empregado à utilização de equipamentos de proteção individual.
O artigo 158 da CLT, parágrafo único, letra b, dispõe que: “constitui ato
faltoso do empregado a recusa injusticada (...) b) ao uso dos equipamentos de
proteção individual fornecidos pela empresa”.(207)
Pelo já exposto, arrematamos que a empresa que possui um programa de
compliance trabalhista eleva e melhora o meio ambiente laboral, evitando aciden-
tes de trabalho na empresa, protegendo o bem de maior valor dos seus emprega-
dos, a própria vida do trabalhador, além de tutelar a sua integridade física:
(206) CARLOTO, Selma. Compliance trabalhista, cit., p. 86-87.
Selma Carloto
141
Como já falamos anteriormente, o empregado tem mais medo de
perder o emprego que a vida e, ao ser advertido porque não utili-
zava um equipamento de proteção individual que lhe foi entregue,
e este foi orientado e treinado para sua utilização, passa a se poli-
ciar para não reincidir na mesma falta com o objetivo principal de
proteger o seu emprego e o sustento de sua família.(20 8)
A empresa tem o dever de scalizar a concreta utilização dos Equipamen-
tos de Proteção Individual (EPI) para proteger o direito fundamental à vida dos
seus empregados, devendo, nos termos do artigo 158 da CLT, parágrafo úni-
co, letra b, já transcrito, observada a proporcionalidade da aplicação da sanção
disciplinar, aplicar uma advertência, ou mesmo uma suspensão, para evitar
um acidente de trabalho pela não utilização dos EPI’s pelos seus empregados,
podendo na reiteração ser alcançada a justa causa, se o empregado não corrigir
seu comportamento para proteger sua própria vida e evitar-se um acidente.
Logo, podemos vericar que as sanções disciplinares têm escopo pedagógi-
co, corretivo e preventivo, além de exemplar, para corrigir o comportamento dos
trabalhadores e auxiliar a empresa na conformidade com as normastrabalhistas.
As sanções disciplinares, ao dar efetividade aos códigos de conduta da
empresa e aos regulamentos empresariais, dão efetividade, em consequên-
cia, aos direitos humanos dos trabalhadores e fundamentais dos empregados.
Quando desrespeitados os códigos de conduta e os regulamentos empresariais
pelos empregados, estamos diante de ato de indisciplina, nos termos do artigo
482, letra h, da CLT.
A advertência tem a função corretiva e educativa para o empregado que
não cumpriu com as obrigações decorrentes do seu contrato trabalho.
“Revertida justa causa de ajudante de cozinha demitido por faltas
injusticadas
A JT reverteu a demissão por justa causa de um ajudante de cozinha
que trabalhou por quatro anos para o Hotel Nacional S.A., em Brasí-
lia. Antes de ser dispensado por faltar ao serviço sem justicativa, o
empregado tinha sido advertido várias vezes, mas apenas verbal-
mente. Na sentença, foi destacado que a empresa não comprovou a
adoção de medidas para corrigir o comportamento do empregado.
Sem provas: de acordo com o juízo de primeira instância, as provas
     , e não era pos-
sível, a partir delas, concluir que o trabalhador tivesse faltado ao
serviço sem justicativa. Segundo a sentença, o representante da
(208) CARLOTO, Selma. Compliance trabalhista, cit., p. 87.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
142
empresa informou que o ajudante foi advertido apenas verbalmen-
te várias vezes, “transmitindo a ideia de uma certa permissividade
da conduta do trabalhador”, e mesmo quanto a essas advertências
não havia provas. O juízo considerou que a empresa não poderia,
sem lançar mão de medidas visando a corrigir o comportamento
do trabalhador, demiti-lo por justa causa, e concluiu que faltou
bom senso na medida. Processo: AIRR-1903-12.2013.5.10.0002”.(209)
(grifos nossos)
5.4.1. Poder disciplinar do empregador e a vacina da Covid-19
A pandemia marcou a história da humanidade e, no mesmo sentido, o em-
pregador, no uso de seu poder disciplinar, dentro do poder empregatício, poderá
utilizar-se de sanções disciplinares, como instrumento de correção de comporta-
mento do trabalhador, para alcançar a adequação, caso um empregado se recuse
injusticadamente a tomar a vacina da Covid-19, quando esta for fornecida e
promovida de forma gratuita, como política interna e com o objetivo de prote-
ger a saúde da coletividade de trabalhadores, que prevalece, “sendo direito-de-
ver de empregadores e empregados”(210):
O Ministério Público do Trabalho (MPT) entende que a vacinação
contra a Covid-19 é direito-dever de empregadores e empregados em
atenção ao Plano Nacional de Vacinação, considerando-se os aspectos
epidemiológicos que exigem a vacinação em massa para contenção e
controle da pandemia. Para a instituição, é importante destacar tam-
bém a recente decisão do Supremo Tribunal Federal e as legislações
pertinentes, que determinam a obrigatoriedade da vacinação.
Em Guia Técnico destinado a procuradores e procuradoras da ins-
tituição, o MPT lista pontos de normas brasileiras sobre saúde e se-
gurança no trabalho para demonstrar que o objetivo da vacinação é
concretizar o direito fundamental à vida e à saúde do trabalhador,
(209) Revertida justa causa de ajudante de cozinha demitido por faltas injustica-
das. Notícias do TST, 2 maio 2015. Disponível em:
asset_publisher/89Dk/content/revertida-justa-causa-de-ajudante-de-cozinha-demitido-
-por-faltas-injusticadas>. Acesso em: 14 dez. 2020.
(210) Para MPT, vacinação contra a Covid-19 é direito-dever de empregadores e em-
pregados. Ministério Público do Trabalho em São Paulo. Disponível em:
mpt.mp.br/858-para-mpt-vacinacao-contra-a-covid-19-e-direito-dever-de-empregado-
res-e-empregados>. Acesso em: 14 fev. 2021.
Selma Carloto
143
inclusive no seu aspecto coletivo e social. O interesse coletivo deve
se sobrepor aos interesses individuais, conforme determina a CLT.(211)
Nesta situação, observando-se a ordem pedagógica (advertência, sus-
pensão e justa causa) e na reiteração da falta do trabalhador, este poderá ser
dispensado por justa causa, com o escopo de proteção da saúde deste mesmo
empregado e dos demais colegas, assim como do meio ambiente de trabalho.
Será exceção, caso o empregado comprove possuir uma doença autoimune, ou
outra justicativa válida para a recusa, podendo, neste caso, exercer seu direito
de resistência. O ideal é o empregador solicitar uma declaração médica para
comprovar tal condição.
A justa causa não poderá ser direta, devendo ser observada uma ordem
pedagógica, na tentativa de correção sempre do comportamento do trabalha-
dor. Temos faltas mais graves como a improbidade, que passam a ensejar justa
causa direta, sem passar por advertência e por suspensão.
Não podemos esquecer que a promoção da vacina da Covid-19, em plena
pandemia, visa à tutela do direito fundamental à vida, como um bem maior e
à saúde do trabalhador, sendo estes direitos humanos e fundamentais do tra-
balhador e da coletividade. Este é o entendimento do Ministério Público Tra-
balho por meio de guia técnico, já citado, sobre a obrigatoriedade da vacina
da Covid-19 na empresa e na defesa do direito fundamental à saúde, interesse
coletivo ou metaindividual.
É importante que o empregador elabore programas de saúde e segurança
do trabalho, mapeando os riscos biológicos do vírus da Covid-19, por meio de
um Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), incluindo ações para
a diminuição do risco da doença, como a vacina contra o vírus. Desta forma será
considerado um ato faltoso a recusa da vacina da Covid-19, podendo ensejar jus-
ta causa, como antes já exposto, observada sempre a ordem pedagógica.
A empresa poderá também fazer uma política interna especíca para a
proteção da saúde dos trabalhadores durante a pandemia, ou um capítulo es-
pecíco para a pandemia, no regulamento interno, com regras de distancia-
mento mínimo, uso de máscaras, álcool em gel, promoção da vacina, entre ou-
tras, com o intuito de proteger a saúde e a vida do trabalhador e de promover a
proteção do meio ambiente laboral. O desrespeito a estes será considerado ato
de indisciplina, nos termos do artigo 482, letra h, da CLT.
Outro fundamento é que o Supremo Tribunal Federal (STF) permite a
aplicação de consequências jurídicas àqueles que não tomarem a vacina:
(211) Para MPT, vacinação contra a Covid-19 é direito-dever de empregadores e em-
pregados, cit.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
144
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado
pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamen-
te, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei n. 13.979/2020. De
acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que re-
cusem a vacinação, as medidas restritivas previstas em lei (multa,
impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula
em escola), mas não pode fazer a imunização à força. Também cou
denido que os estados, o Distrito Federal e os municípios têm au-
tonomia para realizar campanhas locais de vacinação.
O entendimento foi rmado no julgamento conjunto das Ações Di-
retas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que tratam unica-
mente de vacinação contra a Covid-19, e do Recurso Extraordinário
com Agravo (ARE) 1267879, em que se discute o direito à recusa
à imunização por convicções losócas ou religiosas. O exame da
matéria foi iniciado na sessão de ontem (16), com o voto do ministro
Ricardo Lewandowski, relator das ADIs.
Direito coletivo
Em seu voto, apresentado na sessão de hoje, o ministro Luís Rober-
to Barroso, relator do ARE 1267879, destacou que, embora a Cons-
tituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas
convicções losócas, religiosas, morais e existenciais, os direitos
da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais. Com
isso, o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas,
mesmo contra sua vontade — como, por exemplo, ao obrigar o uso
de cinto de segurança.(212)
Recentemente, tivemos já algumas decisões do judiciário trabalhista,
mantendo a justa causa do funcionário que se recusou a tomar infundadamen-
te a vacina da Covid-19. Entre estas, trago uma decisão de São Paulo que va-
lidou a dispensa por justa causa de uma auxiliar de limpeza que se recusou a
tomar a vacina e ser imunizada:
A Justiça do Trabalho de São Paulo validou a dispensa por justa
causa de uma auxiliar de limpeza que se recusou a ser imunizada
contra a Covid-19. A justa causa é a falta grave do empregado que
resulta no rompimento unilateral do contrato por parte do empre-
gador. A decisão foi proferida na 2ª Vara do Trabalho de São Caeta-
no do Sul pela juíza Isabela Flai.
(212) Plenário decide que vacinação compulsória contra Covid-19 é constitucional.
Supremo Tribunal Federal, Notícias, 17 dez. 2020. Disponível em:
noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457462&ori=1>. Acesso em: 24 jun. 2021.
Selma Carloto
145
A auxiliar de limpeza atuava em um hospital infantil em São Caetano
do Sul e buscou reverter a dispensa, alegando que não teve oportu-
nidade de explicar sua decisão. Nos autos, a reclamada, porém, com-
provou ter realizado campanhas sobre a importância da vacinação,
em especial para os que atuam em áreas críticas do ambiente hospi-
talar, e juntou advertência assinada pela trabalhadora por recusar a
vacina. Outra negativa de vacinação pela mulher ocorreu menos de
uma semana depois.
Para a magistrada, é dever do empregador oferecer condições dig-
nas que protejam a saúde, a integridade física e psíquica de todos
os trabalhadores que lhe prestem serviços. E ainda: a liberdade
de consciência não deve se sobrepor ao direito à vida. “A neces-
sidade de promover e proteger a saúde de todos os trabalhadores
e pacientes do Hospital, bem como de toda a população deve se
sobrepor ao direito individual da autora em se abster de cumprir a
obrigação de ser vacinada”, completou a magistrada. No processo,
a trabalhadora não apresentou qualquer motivo médico que justi-
casse a falta de vacinação.
De acordo com Isabela Flai, a empresa cumpriu a obrigação de
informar seus empregados sobre como se proteger e evitar possí-
veis transmissões da doença e, citando pneumologista especialista
no assunto, armou que a vacina é a única e perfeita solução de
controle de uma epidemia do porte da Covid-19.
Para balizar sua decisão, trouxe entendimento do Supremo Tribunal
Federal, que considerou válida a vacinação obrigatória disposta no
artigo 3º da Lei n. 13.979/2020 (ADIs 6.586 e 6.587 e ARE 1.267.897),
além de mencionar guia técnico do Ministério Público do Trabalho
sobre a vacinação de Covid-19, que prevê afastamento do trabalhador
e considera falta grave a recusa injusticada em não se vacinar.(213)
Diante de um direito da coletividade, que se sobrepõe aos inte-
resses individuais, de uma questão de saúde pública, devendo o em-
pregado colaborar com a empresa na garantia de um meio ambiente
de trabalho seguro, sendo obrigação da empresa proteger seus traba-
lhadores, com gestão de saúde e segurança do trabalho, inclusive na
(213) Empregada de hospital infantil se recusa a tomar vacina contra Covid-19 e rece-
be justa causa. Justiça do Trabalho da 2ª Região, Notícias, 13 maio 2021. Disponível em:
-
til-se-recusa-a-tomar-vacina-contra-covid-19-e-recebe-justa-causa/?tx_news_pi1%255B-
controller%255D=News&tx_news_pi1%255Baction%255D=detail&cHash=4a1f82c-
89c00b6edf90136534cc59a21>. Acesso em: 25 jun. 2021.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
146
Covid-19, incluindo o PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Am-
bientais) e o PCMSO (Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacio-
nal), esta deverá mapear riscos e rever o seu programa inserindo formas
de prevenção à Covid-19, inclusive a vacina, salvo declaração médica
do trabalhador.
O Ministério de Trabalho, em 01 de novembro de 2021, editou
a Portaria n. 620, a qual proíbia a adoção de qualquer prática discri-
minatória e limitativa para acesso à relação de trabalho, citando a Lei
n. 9.029/95 e incluía, como prática discriminatória, a exigência, pelo
empregador, do comprovante da vacina. A portaria, também consi-
derava discriminatória, a obrigatoriedade de certicado de vacinação,
em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a
demissão por justa causa de empregados, em razão da não apresenta-
ção do certicado de vacinação:
“ Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e
limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua ma-
nutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação
familiar, deciência, reabilitação prossional, idade, entre outros, res-
salvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente
previstas no inciso XXXIII do art. da Constituição Federal, nos ter-
§ 1º Ao empregador é proibido, na contratação ou na manutenção do
emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminató-
rios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de
vacinação, certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame,
perícia, laudo, atestado ou declaração relativos à esterilização ou a es-
tado de gravidez.
§ 2º Considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certica-
do de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores,
assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não
apresentação de certicado de vacinação.”(214)
Foram ajuízadas 4 (quatro) arguições de descumprimento depreceito fun-
damental, ADPFs, as de número 898, 900, 901 e 905, respectivamente, pela
Rede Sustentabilidade, pelo PartidoSocialista Brasileiro – PSB, pelo Partido dos
Trabalhadores – PT e pelo Partido Novo, em face da Portaria n. 620/2021.
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF),
suspendeu dispositivos da Portaria n. 620/2021, do Ministério do Trabalho e
(214) BRASIL. Portaria n. 620, de 1 de novembro de 2021. Disponível em:
in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mtp-n-620-de-1-de-novembro-de-2021-356175059>.
Acesso em: 30 out. 2022.
Selma Carloto
147
Previdência, que proibia as empresas de exigirem o comprovante de vacinação,
seja na contratação, ou para manutenção do emprego do trabalhador, o que
autorizou que empregadores solicitassem o comprovante de seus empregados.
Na decisão, o ministro explicou que as pesquisas indicavam que a vacinação
seria medida essencial para reduzir o contágio da Covid-19 e levou em conta o
entendimento de que a presença de empregados não vacinados dentro da em-
presa ensejaria uma ameaça para a saúde dos demais trabalhadores e armou
que a rescisão do contrato de trabalho, por justa causa, por recusa de entrega
do comprovante, deveria ser adotada com proporcionalidade.(215)
5.5. Treinamentos e palestras
O compliance trabalhista, como cultura de conformidade, deverá ser divul-
gado e fomentado em toda empresa, a qual deverá passar orientações e instru-
ções aos empregados por meio de capacitações e treinamentos.
Os treinamentos são ferramentas fundamentais e de efetividade do com-
pliance trabalhista, alcançando e concretizando a ecácia de tal conceito traba-
lhista, tirando principalmente do papel outras ferramentas, tanto as escritas
(códigos de ética e de conduta, regulamentos internos ou empresariais e outras
políticas internas), como os canais de denúncia. Dicilmente todos os trabalha-
dores lerão todas as cláusulas de um código de conduta, ou de um regulamento
empresarial, por meio da mera ciência destes documentos.
Deverão ser realizadas ainda capacitações de temas especícos que a em-
presa identique como de risco, como de assédio moral, para coibir este tipo
de agressão, assim como de Lei Geral de Proteção de Dados, com o objetivo
de garantir a conformidade da empresa e o desrespeito aos titulares, além de
outros, muitas vezes de acordo com o risco identicado na própria empresa e
na sua área de atuação.
A Lei n. 13.303/2016 dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pú-
blica, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, trazendo a neces-
sidade de treinamentos e capacitações periódicos, no mínimo anuais, sobre
Códigos de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e so-
bre a política de gestão de riscos, a administradores, nos termos da lei:(216)
(215) Supremo Tribunal Federal- STF. Ministro Barroso suspende portaria que impede
demissão de trabalhador não vacinado. Disponível em: hps://portal.stf.jus.br/noticias/
verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=476523. Acesso em: 21 out. 2022
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
148
Art. 9º A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão
regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno
que abranjam:
(...)
§ 1º Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta e Integridade,
que disponha sobre:
(...)
VI — previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código
de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a
política de gestão de riscos, a administradores.(217)
O antigo Decreto n. 8.420, de 2015, que regulamentava a Lei n. 12.846, de
1º.08.2013, já mencionada, ao falar das outras ferramentas, também elencava
e nos brindava, dentro de seus parâmetros, com os treinamentos, destacando
que deverão ser periódicos, sobre o seu programa de integridade:(218)
Art. 42. Para ns do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integrida-
de será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os
seguintes parâmetros:
(...)
IV — treinamentos periódicos sobre o programa de integridade.(219)
Da mesma forma, o atual Decreto Federal 11.129/2022, mas acrescentan-
do, ao lado dos treinamentos, as ações de comunicação, as quais são também
importantíssimas para conscientizar e difundir a cultura de compliance:
Art. 57. Para ns do disposto no inciso VIII do caput do art. 7º da Lei
n. 12.846, de 2013, o programa de integridade será avaliado, quanto
a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:
(...)
IV – treinamentos e ações de comunicação periódicos sobre o programa
de integridade;(220)
(217) Idem.
de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrava e civil de pessoas ju-
rídicas pela práca de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Brasília:
Presidência da República, 2022. Disponível em: hps://in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.
129-de-11-de-julho-de-2022-414406006. Acesso em: 16 out. 2022.
Selma Carloto
149
Por todo o exposto, torna-se vital para as empresas ministrarem treina-
mentos sobre seu programa de integridade e sobre institutos especícos como
dano moral, principalmente assédio moral, segurança da informação em pro-
teção de dad os e Lei Geral de Proteção de Dados, em geral, teletrabalho, entre
outros institutos, sempre com o escopo de evitar-se incidentes e ofensa aos direitos
fundamentais dos trabalhadores, orientando e instruindo estes trabalhadores, com
o objetivo principal de coibir as práticas ilícitas na empresa.
Já na segunda frente, é preciso comprovar o envio de esforços, de
forma constante, no cumprimento de todo o regramento criado, tan-
to interna quanto externamente. Devem, então, as empresas, pro-
moverem treinamentos constantes, palestras explicativas, submete-
rem-se a auditorias de controle e, também, provar a aplicação de
penalidades (que obedeçam critérios objetivos) aos infratores das
políticas internas criadas (sempre observando a razoabilidade e di-
reito de defesa).(221)
Podemos ver que as diversas legislações de compliance, sendo que trare-
mos algumas, não apenas a do Brasil, como as de outros países, nos aportam,
sempre, os treinamentos e capacitações a empregados, como ferramenta, que
se destaca e é profícua e substancial na orientação e instrução dos empregados,
para dar efetividade e realizar o compliance:
Não apenas os bancos, mas também as empresas foram criando prá-
ticas para prevenir problemas de diversas naturezas, adotando có-
digos de condutas, regimentos internos, realização de treinamento
de empregados, auditorias de análise e prevenção de riscos, dentre
outras medidas.(222)
Em outros países, como no Peru, a Lei de Compliance traz a necessidade
de treinamentos ou capacitações periódicas, do modelo de prevenção, aos
trabalhadores:
Artigo 41: Divulgação e capacitação periódica do modelo de prevenção
1. A pessoa jurídica deve divulgar e treinar periodicamente, interna e
externamente, quando apropriado, o modelo de prevenção que permite
uma cultura de integridade empresarial contra a prática de crimes. 2. A
divulgação e a formação devem ser efectuadas pelos meios mais adequa-
dos e, pelo menos uma vez por ano, de forma a transmitir os objectivos do
(221) NOVELLI, Breno. Implementação de programa de compliance e seus impactos na
área trabalhista. Direito Net, 8 maio 2016. Disponível em:
br/artigos/exibir/9732/Implementacao-de-programa-de-compliance-e-seus-impactos-
na-area-trabalhista>. Acesso em: 18 out. 2020.
(222) MORAIS, Uérlei Magalhães de. Compliance trabalhista: a utilização da lei anticor-
rupção como instrumento de prevenção de conitos de natureza trabalhista, cit.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
150
modelo de prevenção a todos os trabalhadores e gestores, independente-
mente do seu cargo ou função, bem como bem como para parceiros de
negócios e partes interessadas, quando apropriado. O treinamento pode
ser presencial ou virtual.(223) (tradução nossa)
É primordial vericarmos, pelas legislações já transcritas, inclusive na-
cionais, a importância desta periodicidade e do diálogo entre a empresa e seus
empregados com as correspondentes orientações necessárias.
A Lei de Compliance da Argentina, Ley n. 27.401, de 8.11.2017, também
nos traz o compliance, incluindo aqui as capacitações ao lado dos códigos de
ética e conduta:
Artigo 23 — Conteúdo do Programa de Integridade. O Programa de In-
tegridade deve conter, de acordo com as diretrizes estabelecidas no pa-
rágrafo segundo do artigo anterior, pelo menos os seguintes elementos:
a) Um código de ética ou conduta, ou a existência de políticas e proce-
dimentos de integridade aplicáveis a todos os diretores, administrado-
res e empregados, independentemente do cargo ou função ocupada, que
orientem o planejamento e execução de suas tarefas ou tarefas dessa for-
ma prevenir a prática dos crimes previstos nesta lei;
b) normas e procedimentos especícos para a prevenção de atividades
ilícitas no âmbito de concursos e licitações, na execução de contratos ad-
ministrativos ou em qualquer outra interação com o setor público;
c) realizar treinamentos periódicos sobre o Programa de Integridade para
diretores, administradores e colaboradores.(224)
(223) PERU. Congreso de la República. Ley n. 30424. Ley que Regula la Responsabilidad
Administrativa de las Personas Jurídicas por el Delito de Cohecho Activo Transnacional.
Disponível em: -
sabilidad-administrativa-de-las-pers-ley-n-30424-1370638-1/>. Acesso em: 18 out. 2020.
Artículo 41. La difusión y capacitación periódica del modelo de prevención 1. La persona jurídica
debe difundir y capacitar periódicamente, tanto interna como externamente, cuando corresponda, el
modelo de prevención que permita una cultura de integridad corporativa frente a la comisión de delitos.
2. La difusión y capacitación debe desarrollarse por los medios más idóneos y, cuando menos una vez
al año, con la nalidad de transmitir los objetivos del modelo de prevención a todos los trabajadores y
directivos, independientemente de la posición o función que ejerzan, así como a los socios comerciales y
partes interesadas cuando corresponda. La capacitación puede ser presencial o virtual.”
(224) ARGENTINA. Ley n. 27.401, de 08.11.2017. Régimen de responsabilidad penal para
las personas jurídicas por delitos cometidos contra la administración pública y cohecho
transnacional. Disponível em: -
ma/124>. Acesso em: 28 set. 2020. Art. 23. Contenido del Programa de Integridad. El Programa
de Integridad deberá contener, conforme a las pautas establecidas en el segundo párrafo del artículo
precedente, al menos los siguientes elementos: a) un código de ética o de conducta, o la existencia
de políticas y procedimientos de integridad aplicables a todos los directores, administradores y em-
pleados, independientemente del cargo o función ejercidos, que guíen la planicación y ejecución
de sus tareas o labores de forma tal de prevenir la comisión de los delitos contemplados en esta ley;
Selma Carloto
151
As várias legislações que trazem o compliance geral trazem os treinamen-
tos, capacitações e palestras como forma de dar efetividade do mesmo. No
compliance trabalhista, estes são indispensáveis na orientação dos empregados,
com o objetivo de cumprimento das normas e respeito aos direitos humanos de
empregados subordinados e os demais colaboradores, e para seguir as regras
das empresas previstas em políticas internas especícas, códigos de conduta
ou mesmo em regulamentos empresariais.
O Ministério Público do Trabalho muitas vezes determina treinamentos
de assédio moral para coibir esta prática ilícita. Recentemente, o mesmo órgão
emitiu a Nota Técnica n. 17, de 2020, a qual dispõe sobre o teletrabalho, trazen-
do orientações para a proteção da saúde e dos demais direitos fundamentais
dos empregados e ali vericamos que o órgão evidencia, em vários momentos,
a necessidade de orientações e capacitação. Lembremos que estas orientações,
por meio de treinamentos e capacitações, garantem a conformidade da empre-
sa e são ferramentas de efetividade do compliance trabalhista na concretização
dos direitos humanos dos trabalhadores.
4. GARANTIR ao trabalhador em teletrabalho e em especial no tele-
marketing, a aplicação da NR 17, anexo II, prevendo-se períodos e pro-
cedimentos adequados de capacitação e adaptação, para introdução de
novos métodos ou dispositivos tecnológicos que traga alterações sobre os
modos operatórios dos trabalhadores (no item 3.4), a garantia de pausas
e intervalos para descanso, repouso e alimentação, de forma a impedir
sobrecarga psíquica, muscular estática de pescoço, ombro, dorso e mem-
bros superiores; com a devida adequação da equipe às demandas da pro-
dução, de forma a impedir sobrecarga habitual ao trabalhador (5.2 a 5.4).
5. OFERECER apoio tecnológico, orientação técnica e capacitação às tra-
balhadoras e aos trabalhadores para realização dos trabalhos de forma
remota e em plataformas virtuais, nos termos da Convenção 142 da OIT e
(...)
ADOTAR mecanismo de controle da jornada de trabalho da trabalhado-
ra ou trabalhador para o uso de plataformas digitais privadas ou abertas
na realização de atividade de capacitação, a qual é incompatível com
medidas de redução da jornada de trabalho ou de suspensão do trabalho,
nos termos da Medida Provisória n. 936/2020.(225) (grifo nosso)
b) reglas y procedimientos especícos para prevenir ilícitos en el ámbito de concursos y procesos
licitatorios, en la ejecución de contratos administrativos o en cualquier otra interacción con el sector
público; c) la realización de capacitaciones periódicas sobre el Programa de Integridad a directores,
administradores y empleados.”
(225) MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO — MPT. Procuradoria Geral do
Trabalho. Nota Técnica 17/2020 do GT Nacional Covid-19 e do GT Nanotecnologia/2020.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
152
O teletrabalho, positivado por meio da Lei n. 13.467/2017, também traz a
necessidade de orientação e instrução expressa e ostensiva quanto às precau-
ções a tomar a m de evitar-se doenças e acidentes de trabalho, e estas orien-
tações deverão constar em políticas internas especícas, ou mesmo em regula-
mentos empresariais ou internos e códigos de conduta, devendo ser passados
treinamentos ou capacitações sobre estas orientações para os trabalhadores,
que assinarão um termo de responsabilidade de que seguirão todas as instru-
ções dos seus empregadores:
Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira ex-
pressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a m de evitar doenças
e acidentes de trabalho. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017) (Vigência)
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilida-
de comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo emprega-
dor.(226) (grifo nosso)
Diante do exposto, vimos mais uma vez, a importância do compliance
trabalhista e das capacitações ou treinamentos, ferramenta deste, utilizada na
orientação dos empregados no instituto também do teletrabalho, com o objeti-
vo de resguardar e preservar a saúde física e mental do trabalhador.
Os treinamentos corporativos fazem parte da estratégia empresarial com
o objetivo de consolidar, adaptar e promover a cultura de compliance nas em-
presas, os quais, se bem estruturados, permitem a aderência e o comprometi-
mento de seus colaboradores em temas diversos que são de maior relevância
para a instituição. Não podemos confundir treinamento com uma aula, já que
o primeiro tem por objetivo consolidar conhecimentos já internalizados ou o
aprofundamento de temas que já são anteriormente debatidos na empresa.(227)
5.6. Ferramentas de compliance trabalhista e a efetividade dos direitos
humanos na prática
Os treinamentos, como as demais ferramentas de compliance trabalhista,
são indispensáveis na tutela e efetividade dos direitos humanos dos trabalha-
dores, independentemente do instituto, como podemos ver em alguns exem-
plos, sejam orientações para coibir práticas de assédio moral, com seu pacote
completo, incluindo desde treinamentos e capacitações sobre o tema a adequar.
Disponível em: -
to-gt-covid-19-e-gt-nanotecnologia-2.pdf>. Acesso em: 1º out. 2020.
(227) CARVALHO, André Castro. Treinamentos corporativos. In: CARVALHO, André
Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho; ALVIM, Tiago Cripa; VENTURINI, Otávio
(Coords.). Manual de compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 84.
Selma Carloto
153
No caso dos assédios moral e sexual, na prática, os gestores são os maiores res-
ponsáveis pelo assédio moral e precisam ser orientados.
Canais de denúncia, códigos de conduta, com cláusulas com condutas a
seguir, para evitar-se e coibir o assédio moral, a discriminação, desrespeitos à
jornada de trabalho e outras práticas ilícitas, entre os trabalhadores, sejam de
nível vertical ou horizontal, regulamentos empresariais e sanções disciplinares,
além de treinamentos sobre as cláusulas dos códigos de conduta, regulamentos
internos e outras políticas internas.
Os treinamentos deverão alcançar todos os trabalhadores, desde a alta
administração até a fábrica, e, para completar, com um canal de denúncia inde-
pendente, com o escopo de tratar e coibir preventivamente eventuais práticas
de assédio, já que o dono da empresa não consegue estar em todo lugar e, ao
mesmo tempo, scalizando os trabalhadores e seus prepostos.
Outro exemplo, de aplicação das ferramentas de compliance trabalhista
para alcançarmos a conformidade e a efetividade dos direitos humanos dos
trabalhadores, seria no retorno do teletrabalho e durante uma pandemia, como
a Covid-19, para a tutela do meio ambiente de trabalho, com um capítulo espe-
cíco no regulamento interno, com regras sobre a pandemia para prevenção da
proliferação da doença, como, por exemplo, de distanciamento mínimo, troca
de máscara, uso de álcool em gel, até possível promoção da vacinação. A em-
presa poderá incluir um capítulo com orientações especícas para a pande mia
no regulamento empresarial e treinar, orientar e explicar as cláusulas por
meio de palestras e treinamentos, que poderão ser inclusive on-line, que são
ferramentas de efetividade do compliance trabalhista e, caso desrespeitadas,
aplicar as sanções disciplinares, que são oriundas do poder disciplinar do
empregador, como estudado, para corrigir o comportamento do emprega-
do, que está expondo a sua saúde e a de seus colegas, a coletividade de tra-
balhadores. Os canais de denúncia, independentemente do exemplo dado,
servirão para detectar os atos ilícitos e desconformidades para posterior
tratamento e correção para alcançarmos a adequação, inclusive do meio am-
biente de trabalho.
Não podemos olvidar que dentre os principais direitos sociais e fun-
damentais destacamos a saúde, ao lado de um valor ainda maior, o direito à
vida, que estão sempre vinculados à adequação e proteção do meio ambiente
de trabalho pelo empregador, como dever constitucional, estando estes intrin-
secamente relacionados, como muito bem pontua Ronaldo Lima dos Santos:
O artigo 200 da Constituição Federal de 1988 elucida a estreita vinculação
entre o meio ambiente de trabalho e o direito à saúde, pois a proteção do
primeiro aparece no rol de atribuições programáticas do campo da saúde,
constituindo assim um elemento de política social mais ampla, que não se
limita às relações de trabalho.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
154
Desse modo, o meio ambiente de trabalho gura como um direito subs-
tantivo constitucionalmente protegido; é um direito intrinsecamente re-
lacionado a um outro valor maior tutelado pela Constituição Federal: o
direito à vida, a uma vida saudável.(228)
No teletrabalho, também vimos que alcançamos a conformidade, prin-
cipalmente na tutela da saúde física e mental do trabalhador, com cláusulas
especícas em códigos de conduta sobre, por exemplo, proteção de dados
no teletrabalho e um capítulo especíco no regulamento empresarial para a
tutela do meio ambiente de trabalho à distância, com consequentes sanções
disciplinares em caso de descumprimento na ordem pedagógica e observan-
do-se sempre uma proporcionalidade. É fundamental para dar efetividade
a estas cláusulas, ainda, que os empregados recebam treinamentos e capa-
citações sobre as mesmas, mesmo que on-line, além de assinarem termos de
responsabilidade que as seguirão, como inclusive previsto na CLT, para evi-
tar-se acidentes no teletrabalho, além dos canais de denúncia para eventuais
denúncias para detecção de irregularidades e posterior tratamento.
5.7. Ferramentas de compliance trabalhista e a jurisprudência
Pela efetividade do compliance trabalhista, coibindo atos ilícitos, resguar-
dando os trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho já vem pedindo em
ações coletivas a implantação de ferramentas deste conceito, nos seus pedidos,
como única forma efetiva do empregador resguardar e respeitar os direitos hu-
manos dos trabalhadores, como já suscitado pela ONU, Conselho de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas em seus princípios orientadores.
No exemplo a seguir, em ação ajuizada pelo Ministério Público do Tra-
balho, foi proferida liminar favorável pela 1ª Vara do Trabalho, da cidade de
Presidente Prudente, no Estado de São Paulo, determinando que a Santa Casa
de Martinópolis se abstenha de práticas de assédio moral e adote providências
em relação à correção do meio ambiente de trabalho. O Ministério Público do
Trabalho requereu, em pedido liminar, a abstenção da prática do assédio mo-
ral, assim como a adoção de normas de conduta para construir um ambiente
de trabalho saudável e de respeito aos empregados e dos pedidos denitivos;
o mesmo pleiteou outras medidas, incluindo a manutenção de canal perma-
nente de comunicação para receber, orientar e investigar as denúncias sobre
assédio no ambiente de trabalho.(229)
(228) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça e tutela
dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008.
p. 104.
(229) Liminar determina que Santa Casa de Martinópolis não pratique assédio moral no
ambiente de trabalho. FM Metrópole. Disponível em:
Selma Carloto
155
A 1ª Vara da Justiça do Trabalho em Presidente Prudente proferiu li-
minar favorável ao pedido feito pelo Ministério Público do Trabalho
(MPT), determinando que a Santa Casa de Martinópolis se abstenha
de praticar assédio moral e adote providências em relação à corre-
ção do meio ambiente de trabalho.
A ação foi ajuizada pela procuradora, Renata Botasso, após a rea-
lização de investigação sobre denúncia recebida, relatando que os
empregados daquele hospital estavam sofrendo assédio moral.
As provas coletadas apontaram que os empregados eram pressio-
nados a participar de eventos como quermesses e leilões, fora do
horário de trabalho (para arrecadação de fundos ao hospital), e tam-
bém tinham que vender cartelas de bingo, pois se não participassem
dessas promoções, sofreriam a ameaça de demissão. Além disso, os
empregados se sentiam excessivamente vigiados, com pressão psi-
cológica e com alguns tipos de comportamento que revelavam um
ambiente degradado de trabalho, caracterizando o assédio moral.
No pedido liminar, o MPT requereu a abstenção da prática do as-
sédio e adoção de normas de conduta para construir um ambiente
de trabalho saudável e de respeito dos empregados. Já nos pedidos
denitivos, o MPT pleiteou outras medidas, como diagnóstico e es-
tratégias de intervenção precoce, a ser indicadas por prossional da
área de psicologia, a manutenção de canal permanente de comuni-
cação para receber, orientar e investigar as denúncias sobre assé-
dio no ambiente de trabalho e, ainda, o pagamento de indenização
por dano moral coletivo, no valor de R$ 100 mil.
(...)
O juízo determinou que a Santa Casa comprove as providências
no processo judicial e determinou, ainda, a expedição de ofício
ao Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos dos Serviços
de Saúde de Presidente Prudente e Região, para que acompanhe
o cumprimento das obrigações impostas. Os demais pedidos (de-
nitivos) serão analisados após a instrução processual (Processo n.
0010826-67.2020.5.15.0026).(230) (grifos nossos)
noticias/regio/liminar-determina-que-santa-casa-de-martin-polis-nao-pratique-ass-dio-
-moral-no-ambiente-de-trabalho-22-06-2020>. Acesso em: 10 nov. 2020.
(230) Idem.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
156
Diante do exposto, no processo acima, vimos que o Ministério Público so-
licitou as ferramentas de compliance trabalhista, que, no seu conjunto, garantem
a efetividade aos direitos humanos e corrigem a prática de assédio moral, além
de coibir e evitar a futura reincidência. Em muitas ações ainda são solicitados
os treinamentos contra o assédio moral para instruir e orientar os trabalhadores
e coibir-se esta prática.
Assim, trazemos, na sequência, a decisão do Tribunal Regional do Traba-
lho da 15ª Região, o qual julgou improcedente a ação ajuizada pelo reclamante,
já que a empresa possuía compliance trabalhista, com código de ética e conduta,
o qual foi violado pelo trabalhador, após orientações, inclusive em treinamen-
tos, tendo plena ciência da gravidade da conduta, a qual, pelo código de conduta,
é considerada gravíssima, inclusive consta um item no código de conduta que mencio-
na sobre desvio de registros, o que era do conhecimento do reclamante. No caso, trata-se
de questão de saúde pública, sendo que a liberação de um lote contaminado
poderia causar graves prejuízos aos consumidores e à imagem da empresa:
“Por seu turno, o próprio obreiro admitiu, em sindicância instaurada pela
reclamada, que não realizou o teste do detector de metal após o processo de
formulação do produto alimentício e anotou falsamente no diário que reali-
zou o procedimento, conforme documento de . 90. (...)”.
Outrossim, duas questões estão envolvidas neste caso: a primeira, trata-
-se do fato de o reclamante ter violado o código de ética da empre-
gadora, eis que apôs informação falsa em registro ocial da empresa e; a
segunda, ainda que nada tenha sido encontrado no lote produzido na data
de 22/10/2016, o reclamante tinha plena ciência (pois havia recebi-
do orientações a respeito, conforme documento de . 83) de que deveria
proceder ao teste de detecção de metal e também recebeu treinamento/
orientação acerca da “Importância do atendimento aos requisitos de
boas práticas de fabricação e segurança de alimentos e toda necessidade
de ética no atendimento e registro destes procedimentos” (. 81).
Mesmo que o autor, durante todo o período em que vigorou o con-
trato de trabalho, jamais tivesse sido punido por qualquer falta, con-
soante disse o preposto da reclamada, há que se destacar que esta
        
        -
gado, tendo em vista que, por tratar-se de fabricação de produto
destinado à alimentação humana, é inadmissível a ocorrência de
qualquer erro que seja na produção.
Assim, diante do conjunto probatório, concluo que a conduta do
obreiro enquadrou-se nas disposições do artigo 482, alínea b da CLT
Selma Carloto
157
(mau procedimento), razão pela qual reputo legítima sua dispensa
por justa causa.
Outrossim, não há falar-se em violação ao princípio da proporcio-
nalidade (eis que houve a devida proporcionalidade entre a falta e
a punição), bem como em ausência de imediatidade da punição ou,
ainda, de perdão tácito, (...)
na ocasião o reclamante confessou que não havia feito a detecção e as-
sinado o checklist, porque ele achou que o outro colega havia feito; os dois
poderiam fazer, mas quem assinava o checklist tinha a obrigatoriedade de
realizar a ação.
(...)
Com efeito, se o próprio reclamante assinou o checklist apondo a sua
identicação na realização do teste presume-se que ele tenha feito
ou ao menos, na dúvida, perguntado ao seu colega de trabalho se
este tinha realizado, mas não foi isso que aconteceu.
Importante consignar que o procedimento do teste de vericação
de metais em que o trabalhador foi omisso é de grande importân-
cia, pois é nele que se verica ou não a contaminação de metais em
produtos alimentícios de consumo humano, atestando a segurança
dos alimentos produzidos. Trata-se de questão de saúde pública o
que poderia gerar graves riscos aos consumidores, sendo que a li-
beração de um lote contaminado poderia causar enormes prejuízos
aos consumidores e à imagem da empresa.
Destaca-se, ainda, que os empregados passam por treinamentos,
conforme comprovam os documentos — IDs. 440dd54 e 598e478, e
o reclamante já tinha passado pelo aludido treinamento meses antes
do ocorrido e de acordo com a testemunha “pelo código de conduta
a falta cometida pelo reclamante é considerada gravíssima, inclusi-
ve consta um item no código de conduta que fala sobre desvio de
registros, o qual era do conhecimento do reclamante”.
Ressalte-se que na investigação do episódio a ré considerou o ato
como declaração falsa nos registros ocias da empresa, em violação
ao código de ética da empresa e diante do ocorrido recomendou
internamente uma análise com base na “Mais sete exigências para
um programa de compliance e ética ecaz”, prezando pelo contro-
le de qualidade de seus produtos, não admitindo qualquer tipo de
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
158
tolerância, sendo rigorosa em todas as etapas do procedimento de
fabricação de produto até o destinatário nal.
Ademais, não há como negar a gravidade do fato diante da possibi-
lidade de contaminação de produtos com metais, e o fato de não ter
causado nenhum prejuízo não isenta a conduta negligente do pro-
ssional. Ora, independentemente do resultado, é certo que a prá-
tica constatada violou drasticamente a dúcia contratual existente
entre o empregador e o obreiro, que tem uma política de qualidade
de seus produtos.
(...)
Por consequência, o reclamante não faz jus às verbas rescisórias ine-
rentes da despedida imotivada, tampouco enseja indenização por
danos morais.(231) (grifos nossos)
Em decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, TRT-15, o
tribunal manteve a justa causa de uma reclamante, em empresa com compliance
trabalhista. A reclamante confessou que desrespeitou as normas de conduta da
empresa, havendo a consequente quebra de conança. Entre os documentos
apresentados pela ré, consta que a investigação interna, a qual foi promovida
pela empresa reclamada, quanto aos fatos que ensejaram a justa causa e os re-
latos dos fatos apontados pela empregadora, como faltosos, praticamente não
diferem do que foi levado pelas partes a juízo. Ainda, ao contrário do que ar-
mou a reclamante em seu depoimento pessoal, na investigação realizada pela
empresa, ela admitiu ter ciência de que a sua conduta desrespeitava o código
de conduta da empresa, na medida em que intermediou uma relação comercial
para uma colaboradora. A reclamante foi imediatamente dispensada com justa
causa, após concluída a investigação pela empresa, tendo sido inclusive res-
peitada a imediatidade requerida para ser congurada a justa causa, além da
gradação da pena e gravidade tal que impossibilite a continuidade do vínculo
empregatício, ante a ruptura da conança. O tempo decorrido entre a entrevis-
ta da reclamante, em procedimento de investigação interna, que foi realizada
em 15/02/2019, e a demissão, em 1º/03/2019, se mostra razoável, principalmente
(231) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO — TRT-15. RO: 00100899320175150115
0010089-93.2017.5.15.0115. Relator: Luiz Roberto Nunes, 8ª Câmara, Data de Publicação:
07/05/2018. Disponível em:
recurso-ordinario-trabalhista-ro-100899320175150115-0010089-9320175150115/inteiro-
-teor-575210764>. Acesso em: 15 dez. 2020.
Selma Carloto
159
se considerado o porte da empresa, que conta com setores especícos para a
realização dos atos internos:(232)
Os recorrentes não se conformam com a r. sentença que julgou a
reclamação trabalhista parcialmente procedente. Enquanto a tra-
balhadora alega preliminar de cerceamento de defesa e, no mérito,
discorda da rejeição dos pedidos de indenização por danos morais
e equiparação salarial, a empregadora não se conforma com a rever-
são da justa causa, com a condenação ao pagamento dos honorários
sucumbenciais e com os critérios de juros e de correção monetária
aplicados. A empregadora apresentou contrarrazões. É o relatório.
VOTO (...) À análise. (...) Passada uma semana, diz que a empresa
consultou uma analista de “compliance”, que armou que a autora
errou por ter intermediado a cobrança, e após outras duas sema-
nas fora demitida por justa causa. Entende que a ré agiu com abuso
de direito, na medida em que a sua conduta não trouxe qualquer
prejuízo à empresa. Além disso, arma jamais ter recebido qual-
quer punição, sendo uma funcionária exemplar. Em defesa, arma
a empregadora que a demissão por justa causa foi realizada após
apuração de conduta irregular em inquérito administrativo. Destaca
que possui normas internas de Conduta, Ética e de Compliance, de
conhecimento de todos os empregados, incluindo a reclamante.
Alega que a trabalhadora admitiu ter recebido valores referentes às
“corridas” feitas pelo seu marido em benefício de empregados da
empresa diretamente na sua conta bancária, em evidente conito
de interesses, na medida em que ela não só intermediou a prestação
de serviço por terceiro, mas também recebeu os pagamentos cor-
respondentes. Além disso, diz que cabia a reclamante levar o as-
sunto ao Departamento de Gente, evitando, assim, possível sanção
administrativa. Dessa forma, defende que a falta grave cometida
pela trabalhadora quebrou a conança que deve existir na relação
de emprego. Embora tenha sido concedida à autora oportunidade
para se manifestar sobre a defesa em razões nais, esta deixou trans-
correr “in albis” o prazo que lhe fora concedido. Entre os documen-
tos apresentados pela ré, consta a investigação interna promovida
por ela quanto aos fatos que ensejaram a justa causa. Os relatos
dos fatos apontados pela empregadora como faltosos praticamen-
te não diferem do que foi trazido pelas partes a juízo. No entanto,
(232) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO — TRT-15. ROT: 00111121220195150113
0011112-12.2019.5.15.0113. Relator: José Carlos Abile, 1ª Câmara, Data de Publicação:
05/11/2020. Disponível em:
rot-111121220195150113-0011112-1220195150113>. Acesso em: 15 dez. 2020.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
160
ao contrário do que armou a reclamante em depoimento pessoal,
na investigação realizada pela empresa, ela admitiu ter ciência de
que a sua conduta desrespeitava o Código de Conduta da empresa,
na medida em que intermediou uma relação comercial para uma
colaboradora, tendo, inclusive, recebido valores decorrentes dos
serviços prestados por meio de depósito em sua conta corrente ou
ainda na conta corrente de uma amiga, que após lhe repassava. (...)
Além disso, o tempo decorrido entre a entrevista da reclamante no
procedimento de investigação interna, realizada em 15/02/2019, e a
demissão (1º/03/2019) se mostra razoável, principalmente se consi-
derado o porte da empresa, que conta com setores especícos para a
realização dos atos internos. Por m, o enquadramento da conduta
faltosa na alínea b, do art. 482 da CLT também se mostra adequado,
na medida em que a falta praticada pela autora não se enquadra nas
demais alíneas, mas é considerada mau procedimento. (...).(233)
Em acórdão da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região,
Porto Alegre, em que foi negado provimento ao recurso dos réus, Banco do Esta-
do do Rio Grande do Sul S.A. e Bem Promotora de Vendas e Serviços, foi destaca-
do o Decreto n. 9.571/18(234), que institui as Diretrizes Nacionais sobre Empresas
em Direitos Humanos, para médias e grandes empresas e multinacionais, que
operem no território nacional e o qual vem chamando a atenção das empresas,
ao pressupor a existência de regras legais efetivas sobre uma responsabilização
pela cadeia produtiva. O decreto estipula as diretrizes sobre direitos humanos,
que deverão ser adotadas por empresas nacionais e também por empresas mul-
tinacionais, de todos os portes, no contexto de suas operações. Esta regulamen-
tação merece destacada atenção em matéria trabalhista, uma vez que as normas
vigentes, assim como a jurisprudência trabalhista, são pautadas em princípios de
promoção aos direitos humanos, assim como da dignidade da pessoa humana
para a proteção ao trabalhador, como questões atinentes às matérias de segu-
rança e medicina do Trabalho. O texto busca promover os direitos humanos no
meio empresarial, em respeito a normas previstas na Consti tuição Federa l de
1988, em normas infraconstitucionais e ainda em convenções internacionais,
das quais o Brasil seja signatário.(235)
(233) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO — TRT-15. ROT: 00111121220195150113
0011112-12.2019.5.15.0113. Relator: José Carlos Abile, 1ª Câmara, Data de Publicação:
05/11/2020, cit.
(234) BRASIL. Decreto n. 9.571/2018. Estabelece as Diretrizes Nacionais sobre Empresas
e Direitos Humanos. Disponível em:
2018/2018/Decreto/D9571.htm>. Acesso em: 15 dez. 2020.
(235) Decreto Federal n. 9.571/2018 e a responsabilidade das empresas pela cadeia produ-
tiva. Inteligência Jurídica, 22 fev. 2019. Disponível em:
Selma Carloto
161
Segundo a norma, para evitar-se a imputação da responsabilidade resta
recomendável adotar-se algumas medidas, não apenas como meio de ressaltar
a preocupação da empresa com a responsabilidade social, mas também para o
fortalecimento de sua imagem no mercado, principalmente no atual contexto
de proeminência da cultura de compliance, incluindo a elaboração de um che-
ck-list das determinações a serem cumpridas na contratação de fornecedores, a
revisão de contratos de prestação de serviços destes fornecedores; e a revisão
dos códigos de conduta, que deverão ser publicamente acessíveis e elaborados
pela alta administração da empresa, para implementação das diretrizes sugeri-
das e mecanismos de governança.(236)
COMPLIANCE TRABALHISTA. DECRETO N. 9.571/18. TERCEIRI-
ZAÇÃO. BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S.A. E BEM
PROMOTORA DE VENDAS E SERVIÇOS S.A. SERVIÇOS LIGADOS À
ATIVIDADE-FIM DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. TERCEIRIZAÇÃO
ILÍCITA. Decreton. 9.571/18 que institui as Diretrizes Nacionais sobre
Empresas e Direitos Humanos, para médias e grandes empresas e multi-
nacionais que operem no território nacional. Redução drástica de estrutu-
ra das empresas decorrente de novas tecnologias e a busca incessante por
lucros, mantendo em seus quadros apenas empregados inseridos em ati-
vidades consideradas essenciais. Tentativa de manutenção do padrão de
direitos sociais pelos países ditos desenvolvidos, os quais vêm adotando
sistemas de Compliance, buscando uma forma de incentivar o cumprimen-
to de leis e regulamentos que protejam os direitos dos trabalhadores, com
valorização da ética e da transparência na cultura organizacional. Tarefas
realizadas pela autora de atendimento e cobrança de clientes que cons-
tituem atividade nalística bancária, perfeitamente inserida no objetivo
nuclear do empreendimento negocial do banco, cuja terceirização é ilícita,
por desvirtuar, impedir e fraudar a aplicação de direitos trabalhistas pró-
prios da categoria dos bancários. Processo de intermediação ocorrido que
implicou agrante desigualdade entre a autora e os empregados direta-
mente contratados pelo banco réu, tratando-se de clara violação não só
às Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, como tam-
bém diretamente aos Tratados Internacionais rmados pelo Brasil sobre
o tema. Recurso provido. (TRT-4 — RO: 00211945820165040002, Data de
Julgamento: 15/04/2019, 2ª Turma)(237) (grifos nossos)
br/pt/inteligencia-juridica/publicacoes-ij/trabalhista-ij/decreto-federal-n-9-571-2018-e-
-a-responsabilidade-das-empresas-pela-cadeia-produtiva>. Acesso em: 15 dez. 2020.
(236) Decreto Federal n. 9.571/2018 e a responsabilidade das empresas pela cadeia pro-
dutiva, cit.
(237) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO — TRT-4. RO: 00211945820165040002.
Data de Julgamento: 15/04/2019, 2ª Turma. Disponível: hps://trt-4.jusbrasil.com.br/juris-
prudencia/712560993/recurso-ordinario-ro-211945820165040002>. Acesso em: 15 dez. 2020.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
162
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão da Sexta Turma, con-
rmou a justa causa de um empregado por levar o telefone celular para seu
posto de trabalho. A empresa tinha norma interna que vedava o acesso ao am-
biente de trabalho com o aparelho e por essa razão o trabalhador foi dispensa-
do por insubordinação e indisciplina.
Vimos que o Judiciário respeita as normas internas da empresa, ferra-
mentas de compliance trabalhista, que são válidas sempre que não extrapolem
os limites da norma externa e que buscam a conformidade e organização na
empresa, trazendo cláusulas para proteger a saúde e vida dos trabalhadores,
evitando-se acidentes de trabalho, evitar-se horas extras desnecessárias e acima
dos limites estipulados em lei, coibir práticas de assédios moral e sexual e a dis-
criminação na empresa, sendo ferramentas essenciais do compliance trabalhista,
na busca da conformidade.
Operador de telemarketing que levou celular para o trabalho não re-
verte justa causa
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão da Sexta Tur-
ma, rejeitou agravo de instrumento de um operador de telemarke-
ting demitido por justa causa por levar o telefone celular para seu
posto de trabalho. Empregado da Contax — Mobitel S.A., ele sabia
que estava infringindo norma da empresa que vedava o acesso ao
ambiente de trabalho com o aparelho, e foi dispensado por insu-
bordinação e indisciplina.
O próprio operador, contratado pela Contax para trabalhar no Hi-
percard Banco Múltiplo S.A., conrmou em depoimento que, me s-
mo sabendo da proibição, foi para seu posto com o telefone no dia
22/10/12. A justicativa foi a de que, embora houvesse armário para
guardar objetos pessoais, a empresa não se responsabilizava por
eventuais furtos, e já teria havido casos de desaparecimento de ob-
jetos de valor. Ainda segundo seu relato, dias depois do episódio foi
comunicado pela supervisora de que não poderia fazer login, mas
como ela não apresentou nenhum motivo, desobedeceu a ordem.
Ao conrmar a justa causa, o juízo de primeiro grau entendeu que o
empregado não podia “fazer uso arbitrário de suas próprias razões”
e deixar de cumprir as normas da empresa. O juiz considerou que a
justicativa apresentada pelo empregado para levar o telefone não
legitima sua atitude, uma vez que trabalhava há anos na empresa
e somente naquele dia ele se recusou a cumprir a norma. Concluiu
então que as faltas eram graves o suciente para acarretar a quebra
de conança, “elo necessário para o prosseguimento normal da re-
lação de emprego”.
163
Em recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE), o
operador sustentou que a justa causa era nula, “uma vez que não
cometeu nenhum ato de insubordinação aos prepostos do Hiper-
card, seu real empregador”. O TRT, porém, manteve a sentença, re-
gistrando que, apesar de o vínculo de emprego diretamente com o
Hipercard ter sido reconhecido em outra reclamação trabalhista, a
decisão ainda não transitou em julgado e pode ser reformada.
Ao analisar o agravo de instrumento pelo qual o trabalhador bus-
cava trazer a discussão para o TST, o relator, ministro Augusto Cé-
sar Leite de Carvalho, salientou que os dados descritos pelo TRT
demonstram que houve ato de insubordinação e indisciplina. “As
assertivas que constam da decisão regional não permitem identi-
car violação ao artigo 482, alínea ‘h’, da CLT”, armou. Com base
na fundamentação do relator, a Sexta Turma negou provimento ao
agravo de instrumento. Processo: AIRR-1699-80.2012.5.06.0012.(238)
Em decisão recente, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que o
descumprimento, pelo empregado, de normas de governança empresarial e de
compliance trabalhista, assumindo a boa-fé objetiva, relevância extremada no
vínculo jurídico estabelecido, com o qual assume natureza contínua, ao proje-
tar-se no tempo, com a respectiva renovação permanente de direitos e deveres
recíprocos dos atores, deverá ser conduzido com ética e transparência para o
fortalecimento da conança mútua entre as partes e na qual se deverá pau-
tar o relacionamento. Logo, entendeu caber ao Tribunal Regional do Trabalho
examinar, se a atuação do trabalhador, na condição de gerente, ao contratar
empresas com as quais se relacionava comercialmente, traduz-se em manifesto
conito de interesses, congurando a quebra da conança e do dever ético de
probidade, capaz de ensejar a dispensa por justa causa e diante disso determi-
nou o retorno dos autos à Corte de origem, com o objetivo de que seja comple-
mentada a prestação jurisdicional:
I. (...) A análise dos autos revela que a empresa agravante defen-
deu, como fundamento autônomo para a resolução do contra-
to de trabalho, a quebra da boa-fé que deve presidir o vínculo
de emprego, em razão da contratação pelo trabalhador — que
atuava na condição de gerente — de empresas com as quais
mantinha, por intermédio de outra empresa de sua proprie-
dade, relações comerciais paralelas. (...). 1. Hipótese em que a
(238) Operador de telemarketing que levou celular para o trabalho não reverte justa
causa. Notícias do TST, 10 nov. 2015. Disponível em:
asset_publisher/89Dk/content/operador-de-telemarketing-que-levou-celular-para-o-
-trabalho-nao-reverte-justa-causa>. Acesso em: 12 dez. 2020.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
164
empresa apresentou vários argumentos em abono da justa cau-
sa aplicada ao trabalhador, entre os quais a circunstância, au-
tônoma e independente, da quebra da boa-fé que deve presidir
o pacto laboral, em razão da contratação de empresas com as
quais o trabalhador, por meio de empresa de sua propriedade,
mantinha relações comerciais paralelas. A Corte Regional exa-
minou a questão apenas sob o prisma de inexistência de paga-
mentos pelas referidas empresas para a empresa da qual o Autor
era sócio, salientando não haver qualquer prova nesse sentido.
E não obstante a oposição de embargos de declaração, manteve-
-se silente acerca do aspecto suscitado e que assume, em tese,
potencial para justicar a dissolução do contrato. 2. No campo
das relações contratuais, por imposição da própria nota ética que
fundamenta e preside o convívio social, estruturado sob a égide
do Estado Democrático de Direito, assume prestígio a função so-
cial do contrato (instrumento jurídico que materializa o exercício
da liberdade no campo negocial), que deve ser celebrado e exe-
cutado com estrito cumprimento dos princípios da probidade e
da boa-fé (CCB, artigos 421 e 422). No âmbito das relações de
emprego, em particular, em que o vínculo se estabelece entre o
trabalhador (pessoa natural) e a pessoa física ou jurídica contra-
tante, a boa-fé objetiva assume ainda relevância extremada, pois
o vínculo jurídico estabelecido, de caráter pessoal em relação ao
trabalhador, assume natureza contínua, projetando-se no tempo,
com a renovação permanente de direitos e deveres recíprocos.
Há, por isso, a expectativa legítima de que os atores se conduzam
de forma ética e transparente, como condição necessária para o
fortalecimento da conança mútua que deve pautar esse rela-
cionamento. 3. Cabe, pois, à Corte Regional, fundamentalmente,
examinar se a atuação do trabalhador na condição de gerente,
contratando empresas com as quais mantinha relacionamento
comercial, em manifesto conito com os interesses do grupo
empresarial, congura quebra da conança e do dever ético de
probidade, capaz de ensejar a dispensa por justa causa. Assim,
diante da omissão regional no exame da questão, patente a lesão
ao art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, a ensejar a nulidade
do julgado declaratório, com a determinação de retorno dos autos
à Corte de origem, a m de que seja complementada a prestação
jurisdicional. Prejudicada a análise dos temas remanescentes. Re-
curso de Revista conhecido e provido.(239)
(239) TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO — TST. Recurso de Revista: RR 469-
16.2011.5.02.0055. Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 07/11/2018,
Selma Carloto
165
5.8. Relatório de Impacto à Proteção de Dados
O relatório de impacto à proteção de dados é uma ferramenta de com-
pliance, incluindo o trabalhista, que demanda conformidade também com a Lei
Geral de Proteção de Dados, com o principal escopo de identicar e avaliar
riscos e tutelar os direitos humanos dos titulares, encontrando-se medidas e
salvaguardas de eliminação e mitigação de risco, incluindo-se os empregados e
como forma de efetivar e realizar estes direitos:
Artigo 5º, inciso XVII — relatório de impacto à proteção de dados pes-
soais: documentação do controlador que contém a descrição dos proces-
sos de tratamento de dados pessoais que podem gerar riscos às liberda-
des civis e aos direitos fundamentais, bem como medidas, salvaguardas e
mecanismos de mitigação de risco.(240)
A diretriz da União Europeia, com orientações relativas à Avaliação de
Impacto sobre a Proteção de Dados (AIPD), denominada de Relatório de Im-
pacto à Proteção de Dados (RIPD) na Lei Geral de Proteção de Dados do
Brasil e que determina se o tratamento é “suscetível de resultar num elevado
risco” para efeitos do Regulamento da União Europeia, traz uma abordagem
embasada no alto risco de lesão aos direitos e às liberdades dos titulares dos
dados, fazendo relevância aos direitos de proteção dos dados e privacidade
dos titulares e incluindo outros direitos fundamentais como a liberdade de ex-
pressão, assim como a liberdade de pensamento, a liberdade de circulação, a
proibição de discriminação, o direito à liberdade, à consciência e à religião:
O artigo 35º faz referência a um tratamento suscetível de implicar um ele-
vado risco “para os direitos e liberdades das pessoas singulares”. Como
consta da declaração do Grupo de Trabalho do Artigo 29º sobre o papel
de uma abordagem baseada no risco em relação aos quadros jurídicos em
matéria de proteção de dados, a referência aos “direitos e liberdades” dos
titulares dos dados diz sobretudo respeito aos direitos de proteção dos
dados e privacidade, mas também envolve outros direitos fundamentais
como a liberdade de expressão, a liberdade de pensamento, a liberdade
de circulação, a proibição de discriminação, o direito à liberdade, cons-
ciência e religião.(241)
5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/11/2018. Disponível em:
com.br/jurisprudencia/650914071/recurso-de-revista-rr-4691620115020055>. Acesso em:
10 dez. 2020.
(240) BRASIL. Lei n. 13.709/2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), cit.
(241) EUROPA. WP 248 rev.01. Orientações relativas à Avaliação de Impacto sobre a
Proteção de Dados (AIPD) e que determinam se o tratamento é “suscetível de resultar
num elevado risco” para efeitos do Regulamento (UE) 2016/679. Adotadas em 4 de abril
de 2017. Revistas e adotadas pela última vez em 4 de outubro de 2017. p. 7. Disponível em:
. Acesso em: 12 dez. 2020.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
166
Os empregadores sempre estão tratando dados pessoais sensíveis, os
quais são os de maior potencial discriminatório, o que sempre potencializa
os riscos de lesão e falta de conformidade, e os dados biométricos e os dados
genéticos, quando um incidente puder gerar consequências verdadeiramente
desastrosas para os titulares, nos termos do artigo 5º, inciso II da LGPD: “dado
pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, -
liação a sindicato ou a organização de caráter religioso, losóco ou político,
dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando
vinculado a uma pessoa natural”(242) e os quais, se houver tratamento inade-
quado, poderão trazer um prejuízo maior ao trabalhador.
Destacam-se, dentre os dados pessoais sensíveis tratados pelos emprega-
dores, os dados de saúde porque os exames admissionais, periódicos e demis-
sionais são obrigatórios, nos termos da lei, além disso, há o constante recebi-
mento de dados de saúde e estes precisam de uma maior cautela e segurança
da informação para não serem expostos para os demais trabalhadores, como
ocorreu no caso da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), que
trouxemos em capítulo anterior, ainda antes da vigência da Lei Geral de Prote-
ção de Dados (LGPD).
Ocorre que a Lei Geral de Proteção de Dados já traz que poderá ser so-
licitado o relatório de impacto à proteção de dados quando há tratamento de
dados pessoais sensíveis, nos termos do art. 38:
A autoridade nacional poderá determinar ao controlador que elabore re-
latório de impacto à proteção de dados pessoais, inclusive de dados sen-
síveis, referente a suas operações de tratamento de dados, nos termos de
regulamento, observados os segredos comercial e industrial.
Parágrafo único. Observado o disposto no caput deste artigo, o relatório
deverá conter, no mínimo, a descrição dos tipos de dados coletados, a
metodologia utilizada para a coleta e para a garantia da segurança das
informações e a análise do controlador com relação a medidas, salvaguar-
das e mecanismos de mitigação de risco adotados.(243)
Ao falarmos de trabalhadores com vínculo empregatício, relações de em-
prego, estamos diante de uma relação onde existe evidente assimetria de poder
e onde também tratamos dados pessoais sensíveis, havendo uma maior neces-
sidade de compliance e cultura de prevenção, já que o risco de lesão aos direitos
humanos e fundamentais encontra-se de pronto maximizado.
O Grupo de Trabalho do artigo 29, identicou a necessidade de ser elabo-
rada uma avaliação de impacto à proteção de dados, quando diante de relações
de emprego, colocando estes trabalhadores como titulares vulneráveis, ao lado
(242) BRASIL. Lei n. 13.709/2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), cit.
(243) BRASIL. Lei n. 13.709/2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), cit.
Selma Carloto
167
das crianças, devido ao acentuado desequilíbrio de poder entre os titulares dos
dados e o responsável pelo tratamento dos dados:
Com vista a fornecer um conjunto mais concreto de operações de trata-
mento que exigem uma AIPD devido ao elevado risco inerente, tendo em
conta os elementos especícos dos artigos 35º, n. 1, e 35º, n. 3, alíneas a
a c, a lista a adotar a nível nacional nos termos do artigo 35º, n. 4, e dos
considerandos 71, 75 e 91, e outras referências no RGPD a operações de
tratamento “suscetível de implicar um elevado risco”, devem ser conside-
rados os seguintes nove critérios.
(...)
7. Dados relativos a titulares de dados vulneráveis (considerando 75): o
tratamento deste tipo de dados constitui um critério devido ao acentua-
do desequilíbrio de poder entre os titulares dos dados e o responsável
pelo tratamento dos dados, signicando isto que os indivíduos podem
não ser capazes de consentir, ou opor-se, facilmente ao tratamento dos
seus dados ou de exercer os seus direitos. Os titulares de dados vulne-
ráveis podem incluir crianças (estas podem ser consideradas incapazes
de consentir ou opor-se consciente e criteriosamente ao tratamento dos
seus dados), empregados, segmentos mais vulneráveis da população
que necessitem de proteção especial (pessoas com doenças mentais, re-
querentes de asilo, idosos, doentes, etc.) e todos os casos em que possa
ser identicado um desequilíbrio na relação entre a posição do titular dos
dados e o responsável pelo tratamento.(244) (grifo nosso)
Diante de todo o exposto, vericamos que, pela desigualdade decorrente
da própria relação de emprego, precisamos de um compliance mais efetivo e
ferramentas do mesmo para minimizar quaisquer riscos de falhas e incidentes
e como instrumentos de concretização dos direitos humanos e fundamentais,
e que, por esta razão, acrescentamos uma ferramenta importantíssima para
identicação ou detecção de riscos e demonstração de medidas adotadas como
resposta a estes riscos para a proteção do titular, que nas relações de emprego
é o empregado.
(244) EUROPA. WP 248 rev.01. Orientações relativas à Avaliação de Impacto sobre a
Proteção de Dados (AIPD) e que determinam se o tratamento é “suscetível de resultar
num elevado risco” para efeitos do Regulamento (UE) 2016/679, cit.

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