A efetividade dos direitos humanos

AutorSelma Carloto
Páginas75-92
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3. A Efetividade dos
Direitos Humanos
A efetividade dos direitos humanos compreende a realização destes di-
reitos por meio de medidas palpáveis que promovam e garantam a concretude
dos direitos humanos e inerentes à pessoa humana.
Para Enoque Ribeiro dos Santos, “o conceito da expressão direitos hu-
manos pode ser atribuído aos valores ou direitos inatos e imanentes à pessoa
humana, pelo simples fato de ter ela nascido com esta qualicação jurídi-
ca”(84). E o autor continua destacando a sua natureza que é intrínseca à pessoa
humana: “são direitos que pertencem à essência ou à natureza intrínseca da
pessoa humana, que não são acidentais e suscetíveis de aparecerem e desa-
parecerem em determinadas circunstâncias”(85). E, no nal, arremata desta-
cando que os direitos humanos são “direitos eternos, inalienáveis, imprescri-
tíveis que se agregam à natureza da pessoa humana, pelo simples fato de ela
existir no mundo do direito”.(86)
De forma poética, arma Norberto Bobbio(87) “que na condição de reivin-
dicações morais, os direitos humanos nascem quando devem e podem nascer,
não nascem todos de uma vez, nem de uma vez por todas”.
Para Arnaldo Süssekind, os direitos humanos sofreram mudanças ou
complementações no tempo, as quais foram decorrentes de profundas modi-
cações culturais conguradoras de fases que se sucederam em nossa história.
Para o autor, não existe uma denição unívoca sobre o tema, podendo seus
fundamentos variar de acordo com as diversas concepções culturais (losó-
cas, religiosas, políticas e jurídicas) das diferentes etnias.(88)
(84) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na valorização do
direito coletivo do trabalho. Jus.com.br, dez. 2003. Disponível em:
artigos/4609/o-papel-dos-direitos-humanos-na-valorizacao-do-direito-coletivo-do-tra-
balho>. Acesso em: 12 fev. 2020.
(85) Idem.
(86) Idem.
(87) BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. 11. ed. Rio
de Janeiro: Campus, 1992. p. 32.
(88) SÜSSEKIND, Arnaldo. Os direitos humanos do trabalhador. Revista do Tribunal Superior
do Trabalho, Brasília-DF, v. 73, n. 3, p. 15-27, jul./set. 2007.
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Arnaldo Süssekind arma ainda que os direitos humanos tendem a cons-
tituir-se em princípios e cita que, segundo Ricardo Lobo Torres, apresentam as
seguintes características(89):
a) fundam-se na liberdade;
b) valem erga omnes;
c) são universais, no sentido de que tocam a todos os homens, in-
dependentemente de suas nacionalidades ou das classes sociais e
econômicas a que pertençam;
d) são negativos, pois exibem o status negativo que protege o cida-
dão contra a constrição do Estado ou de terceiros;
e) criam também o status positivo libertatis, que gera a obrigação de
entrega de prestações estatais individuais para a garantia da liber-
dade e das suas condições essenciais;
f) postulam garantias institucionais e processuais que provocam
custos para o Estado;
g) são plenamente justicáveis;
h) independem de complementação legislativa, tendo ecácia
imediata;
i) positivam-se, entre outros, nas diversas Constituições nacionais
(no Brasil, art. 5º) e na Declaração Universal dos Direitos do Homem
da ONU (“Arquivos de Direitos Humanos”, vol. V, Rio de Janeiro,
Renovar, 2003, Renovar, p. 100 e 101).(90)
Desta forma, os direitos humanos, alcançando esta condição e constituí-
dos em princípios, por uma tendência em si, pertencem a todos os indivíduos,
são universais e de todos, pela sua simples condição humana.
É necessário e não apenas dever do Estado, o respeito aos direitos hu-
manos, existindo aqui um status negativo, na relação verticalizada, entre o in-
divíduo e o Estado, já que o Estado não poderá ingerir nestes direitos, mas é
também dever das empresas o respeito aos direitos humanos dos seus titulares.
Se as empresas não respeitarem os direitos humanos de seus emprega-
dos, o Estado terá obrigação de proteção, além do dever de intervir para prote-
gê-los e sempre que assim houver necessidade, principalmente em decorrência
do abuso que pode surgir em virtude da assimetria desta relação. Nesta situa-
ção, estaremos diante de uma ecácia horizontal de direitos humanos, já que
(89) Idem.
(90) Ricardo Lobo apud SÜSSEKIND, Arnaldo. Os direitos humanos do trabalhador, cit.
Selma Carloto
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o Estado estará intervindo nas relações entre particulares, uma vez que há o
desequilíbrio decorrente da subordinação, pelo maior poder do empregador,
nascendo o dever de proteção estatal.
Os direitos humanos são universais, referindo-se a todos os indivíduos,
independentemente de raça, gênero, cor, religião, classe social ou condição.
Pela simples condição de pessoa humana, todos têm intrinsecamente estes di-
reitos. Neste sentido, Enoque Ribeiro dos Santos:
Qualquer que seja a posição econômica, social, cultural ou legal dos
indivíduos, todos, por força de sua condição de pessoa humana, têm
intrinsecamente esses direitos, independentemente da origem, raça,
credor, cor, religião, prossão, nacionalidade. Os direitos humanos,
por seu caráter universal, podem e devem ser reclamados por todo
indivíduo ou comunidade, já que todos os seres humanos são iguais
em relação a eles.(91)
Os indivíduos devem todos possuir o mesmo nível de proteção e direitos
humanos, os quais são erga omnes, independentes de qualquer característica
que os possa diferenciar porque, de fato, estas diferenças não poderão existir
e, se os direitos independem de suas características, a diferenciação que não
existe gerará uma falta de compliance e, ao mesmo tempo, desrespeito a estes
direitos humanos.
Segundo Celso Lafer, a asserção de que a igualdade é algo inerente à
própria condição humana não passa de mais do que uma abstração destituída
da própria realidade, podendo ser considerada mesmo uma ilusão facilmente
vericável, em uma situação-limite, como a dos refugiados, ou dos interna-
dos, dentro dos campos de concentração, os quais deram-se conta de que(92)
“a única dimensão que lhes sobrava era o fato de serem humanos”(93). Pessoas
“forçadas a viver fora de um mundo comum, vale dizer, excluídas de um re-
pertório compartilhado de signicados que uma comunidade política oferece
e que a cidadania garante”.(94)
Como arma Fábio Konder Comparato, em sua obra “Armação Histó-
rica dos Direitos Humanos”, foi a concepção medieval de pessoa que iniciou
a elaboração do princípio da igualdade que é essencial do próprio e de todos
(91) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos da personalidade e dano moral coletivo.
Gen Jurídico. Disponível em: -
reitos-da-personalidade-e-dano-moral-coletivo?ref=feed>. Acesso em: 12 fev. 2020.
(92) LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento
de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 150.
(93) Idem.
(94) Idem.
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os seres humanos, ressalvadas as diferenças de origem biológica, cultural, ou
mesmo individual:
Foi, de qualquer forma, sobre a concepção medieval de pessoa que
se iniciou a elaboração do princípio da igualdade essencial de todo
ser humano, não obstante a ocorrência de todas as diferenças indivi-
duais ou grupais, de ordem biológica ou cultural. E é essa igualdade
de essência da pessoa que forma o núcleo do conceito universal de
direitos humanos. A expressão não é pleonástica, pois que se trata
de direitos comuns a toda a espécie humana, a todo homem enquan-
to homem, os quais, portanto, resultam da sua própria natureza,
não sendo meras criações políticas.(95)
Podemos constatar que, de forma crescente, muitos países, mundial-
mente, encontram-se fortemente empenhados e preocupados com a efetiva-
ção de tratados humanitários, à luz dos direitos humanos, para a realização
destes direitos.
Ao acolhermos como ponto principal, a ser considerado o valor da
primazia da pessoa humana, os mecanismos passam a se complementar,
somando-se ao sistema nacional de proteção, a m de proporcionar uma
maior efetividade possível na tutela e na promoção de direitos humanos
e fundamentais. Estes são a lógica e o conjunto de princípios próprios do
Direito dos Direitos Humanos.(96)
A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, nas palavras de
Flávia Piovesan, é aplicável a todos os países e pessoas, independente da raça,
sexo, religião, seja qual for o regime político dos territórios nos quais incide. O
indivíduo é membro direto da sociedade humana, na condição direta de Direi-
to das Gentes, sendo cidadão do seu país e também do mundo, com a proteção
internacional que lhe é assegurada e, ainda, segundo a autora, a Declaração
Universal de 1948 tem por objetivo principal o delineamento de uma ordem
pública, em nível mundial, fundada no respeito à dignidade humana, já que
consagra os valores básicos universais.(97)
Ao longo da presente pesquisa, vimos a importância da proteção universal
dos direitos humanos e das normas e instrumentos internacionais de direitos
humanos, com destaque à Declaração Universal de Direitos Humano s de 1948,
(95) COMPARATO, Fábio Konder. A armação histórica dos direitos humanos. São Paulo:
Editora Saraiva. 2003. p. 14-15.
(96) PIOVESAN, Flávia. O direito internacional dos direitos humanos e a redenição da
cidadania no Brasil. Disponível em: -
taspge/revista2/artigo3.htm>. Acesso em: 1º out. 2020.
(97) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 141-142.
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que nos trouxe a própria independência do ser humano, ou sua emancipação,
que, nas palavras de Hanna Arendt, em sua obra Origens do Totalitarismo,
signica:
ao mesmo tempo, igualdade e privilégios (...) a igualdade de con-
dição para todos os cidadãos constitui a premissa do novo corpo
político e, embora essa igualdade houvesse sido realmente posta
em prática — pelo menos no tocante à privação das antigas clas-
ses governantes do privilégio de governar e das classes oprimidas
do direito de serem protegidas. (...) A igualdade de condição, como
entendida pelos jacobinos da Revolução Francesa, só se tornou rea-
lidade na América do Norte; no continente europeu, foi substituída
por uma simples igualdade perante a lei.
A contradição fundamental entre o corpo político baseado na igualda-
de perante a lei e a sociedade baseada na desigualdade do sistema de classes
impediu o desenvolvimento de sistemas ecazes e o nascimento de uma nova
hierarquia política.(98)
Uma diferenciação que devemos destacar é entre direitos humanos e fun-
damentais, já que muitas vezes estamos diante de direitos humanos e neste
trabalho, como de outros autores, acabamos utilizando ambas terminologias,
aparentando termos sinônimos e muitas vezes utilizados em obras, como se as-
sim o fossem. O que ocorre é que muitos direitos humanos, reconhecidos assim
internacionalmente e em diplomas internacionais, com caráter supranacional,
universais, pertencentes ao ser humano, também são direitos internamente re-
conhecidos e elevados ao status de fundamentais, ao serem positivados em do-
cumentos de determinados Estados e a estes vinculados, como a Constituição
Federal de 1988, no Brasil:
Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos
fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação
corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção, é de
que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos
do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito cons-
titucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão
“direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito
internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reco-
nhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vincula-
ção com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram
(98) ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalita-
rismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. p. 37-38.
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à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que
revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).(99)
3.1. O pós-positivismo e os princípios
O pós-positivismo restabelece os laços e vínculos existentes entre a ética e o
direito, valorizando os princípios, inclusive com a inclusão destes em vários tex-
tos constitucionais com o principal objetivo de reconhecer a sua normatividade.
Entre os princípios que se destacam, como normas, em relação mesmo às
regras, identicando-se muitas vezes com os direitos humanos, destacamos a
dignidade da pessoa humana e Paulo Bonavides arma que: “nenhum princí-
pio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição Federal
que o princípio da dignidade da pessoa humana”(100).
Vivemos uma fase pós-positivista em que se aproximam a ética e o direi-
to, como arma Guilherme Guimarães Feliciano: “Pós-positivismo, portanto,
como atalho de aproximação entre a ética e o Direito, entre a legitimidade e a
positividade jurídica, pela via da supremacia dos princípios jurídicos”(101).
O compliance é inerente à ética, muitas vezes se identicando com a pró-
pria ética e realizando o direito, estando os dois cada vez mais próximos, prin-
cipalmente com a supremacia dos princípios jurídicos.
Para Robert Alexy, as regras e os princípios são espécies do gênero nor-
mas, que ditam o que deve ser formulado por meio de expressões deônticas
básicas do dever, da permissão ou da proibição. Temos vários critérios para
estabelecer as diferenças entre as regras e os princípios.(102)
Robert Alexy, por suas reexões, demonstra que princípios e regras são
razões de naturezas distintas. Ambos podem ser considerados como razões para
as ações ou razões para as normas. Princípios são sempre razões prima facie, e
estão intimamente ligados ao conceito de valores; e Regras são, se não houver
estabelecimento de alguma exceção, razões denitivas.(103)
(99) SARLET, Ingo Wolfgang. A ecácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 14.
(100) BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 233.
(101) FELICIANO, Guilherme Guimarães. Curso crítico do direito do trabalho: teoria geral
do direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 220.
(102) ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva.
2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 87.
(103) Ibidem, p. 106-107.
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Ainda Robert Alexy, o critério mais utilizado para estabelecer esta dife-
rença entre regra e princípio é o critério da generalidade, segundo o qual regras são
normas com grau de generalidade mais baixo e princípios são normas com grau
de generalidade mais alto.(104)
Para Ronald Dworkin, as regras, sendo válidas, deverão ser sempre apli-
cadas na forma do tudo ou nada e já os princípios somente conteriam elementos
que indicam uma direção, mas não têm como consequência necessária uma
determinada decisão.(105)
Os princípios, cuja observância é obrigatória e vinculante, passaram a
ocupar recentemente um lugar de grande destaque em um cenário jurídico. A
teoria normativa dos princípios é tema que guarda estreita relação com o pós-
--positivismo. A distinção entre princípios e regras é a essência do pós-positivis-
mo, fruto da inuência exercida pelos autores Ronald Dworkin e Robert Alexy,
cujos pensamentos encontram-se amplamente divulgados no Brasil.
Robert Alexy classicou as regras como sendo mandamentos de deni-
ção, enquanto que os princípios como mandamentos de otimização. Para este,
tanto as regras quanto as normas devem ser utilizadas, porém, quando as re-
gras forem injustas ou quando então não preencherem lacunas, não resolvendo
casos difíceis, deve-se recorrer aos princípios. Para o autor, toda norma ou é
regra ou princípio:(106)
O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios
são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por
conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por pode-
rem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de
sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também
das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é deter-
minado pelos princípios e regras colidentes.
Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas.
Se uma regra vale, então deve se fazer exatamente aquilo que ela exige;
nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âm-
bito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso signica que a
distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma
distinção de grau. Toda norma ou é regra ou é princípio.(107)
(104) Ibidem, p. 87.
(105) ALEXY, Robert. Op. cit., p. 104.
(106) Ibidem, p. 104.
(107) Ibidem, p. 88.
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Luís Roberto Barroso também diferencia que as regras são mandamentos
ou comandos denitivos, enquanto os princípios indicam uma direção, um va-
lor, um m:
Não há maior margem na elaboração teórica ou valoração por parte do
intérprete, ao qual caberá aplicar a regra mediante subsunção: enqua-
dra-se o fato na norma e deduz-se uma conclusão objetiva. Por isso se diz
que as regras são mandamentos ou comandos definitivos: uma regra somente
deixará de ser aplicada se outra regra a excepcionar ou se for inválida (…) Já os
princípios indicam uma direção, um valor, um fim. Ocorre que, em uma
ordem jurídica pluralista, a Constituição abriga princípios que apontam
em direções diversas, gerando tensões e eventuais colisões entre eles.(108)
Os princípios são a base e a inspiração das regras jurídicas, destacando-se
sua importância principalmente no compliance trabalhista que exige conformi-
dade com estes, não apenas com as regras, com a observância da ética e valores.
Estamos sempre buscando ética e valores por meio de compliance.
Os princípios não podem colidir com as regras, sendo que o princípio que
as fundamentou, ou que foi utilizado para a produção de uma regra especíca,
é que poderá colidir com outro princípio.
Segundo Enoque Ribeiro dos Santos, no mesmo sentido, deve-se dar des-
taque aos princípios em relação às regras:
o princípio é mais importante que uma regra, na medida em que ele
representa, em determinado momento de evolução histórica, social e
política de um povo, seus ideais, valores e sonhos predominantes que
serão utilizados pelos legisladores na produção da norma jurídica.(109)
Dworkin trouxe a proposta de entrelaçar a legalidade à integridade e o
conceito de integridade na obra O Império do Direito(110). Para o autor, a noção
de direito como integridade signica que as pessoas têm direito a uma exten-
são coerente, e fundada em princípios, de decisões políticas do passado, ainda
quando os juízes venham a divergir profundamente sobre o seu signicado; a
ideia principal é a de que todos os direitos que sejam patrocinados por princí-
pios proporcionam uma melhor justicativa da prática jurídica, destacando o
valor dos princípios.(111)
(108) BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 208-210.
(109) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Processo coletivo do trabalho. 2. ed. rev. atual. e ampl.
Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 18.
(110) DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jeerson Luiz Camargo. 2.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 258.
(111) Ibidem, p. 258.
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(...) o direito como integridade supõe que as pessoas têm direitos —
direitos que decorrem de decisões anteriores de instituições políti-
cas, e que, portanto, autorizam a coerção — que extrapolam a exten-
são explícita das práticas políticas concebidas como convenções. O
direito como (integridade) supõe que as pessoas têm direitos a uma
extensão coerente, e fundada em princípios, das decisões políticas
do passado, mesmo quando os juízes divergem profundamente so-
bre seu signicado.(112)
3.2. Efetividade dos direitos humanos dos trabalhadores
O compliance trabalhista, por meio de suas ferramentas, aliadas ao seu ca-
ráter preventivo, corretivo e ao mesmo tempo inibitório de condutas e práticas
ilícitas, alcança a concretude máxima aos direitos sociais dos trabalhadores,
dando efetividade aos direitos humanos e fundamentais dos empregados, já
que compreende a realização destes direitos por meio de medidas efetivas que
promovem e, ao mesmo tempo, garantem o respeito aos direitos humanos in-
trínsecos à pessoa humana.
Os direitos sociais, sendo direitos de segunda dimensão, como direitos
humanos e positivados no texto constitucional, deverão ter sua efetividade
garantida.
Os direitos sociais tiveram sua primeira aparição na Constituição France-
sa do ano de 1791 e entraram na história do constitucionalismo moderno, em
sua dimensão mais ampla, na Constituição de Weimer(113). Para Noberto Bob-
bio, “a mais fundamentada razão da sua aparente contradição, mas real com-
plementaridade, com relação aos direitos de liberdade é a que vê nesses direitos
uma integração dos direitos de liberdade, no sentido de que eles são a própria
condição de seu exercício efetivo”(114). Os direitos sociais assim coexistem com
outras dimensões de direitos humanos, já que uma não anula outra, mas inte-
ragem e se complementam, sendo universais, interdependentes e indivisíveis.
Foi divulgado um relatório das Nações Unidas sobre os direitos à li-
berdade de reunião pacíca e de associação no local de trabalho, a ser apre-
sentado na 71ª Sessão da Assembleia Geral, em outubro de 2016. O relatório
considerou que a crescente concentração do poder corporativo enfraquece
os direitos dos trabalhadores e que, embora os Estados sejam obrigados a
(112) DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 164.
(113) BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Nova ed.
8. tir. Rio de Janeiro: Campus, Elsevier, 2004. p. 206.
(114) Ibidem, p. 206.
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respeitar e promover os direitos dos trabalhadores, muitas vezes falham. Foi
constatado que os trabalhadores precisam de proteção agora mais do que nun-
ca, já que a globalização signica o crescimento sem precedentes de complexas
cadeias de abastecimento globais, migração de mão de obra em massa e uma
grande economia informal, o que se reete no Brasil.(115)
De fato, a maioria dos trabalhadores, em todo o mundo, está excluída
das estruturas jurídicas e não tem cobertura efetiva de negociação coletiva ou
mesmo uma proteção sindical. Assim, armamos que não deverá ter distin-
ção entre os direitos trabalhistas e os direitos humanos em geral, devendo os
trabalhadores desfrutar de uma ampla gama de direitos, incluindo-se os direi-
tos econômicos, sociais, culturais, políticos, entre outros.(116)
Vimos que o Direito Internacional dos Direitos Humanos teve sua ori-
gem marcada pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, da
qual o Brasil é signatário. Esta Declaração de 1948 ofereceu razões e valores,
assim como unidade valorativa a este importante campo do Direito, tendo
dado ênfase à universalidade, indivisibilidade e interdependência dos di-
reitos humanos.
Considerando o desconhecimento, assim como o desprezo reiterado aos
direitos do homem, os quais conduziram a atos extremos e inacreditáveis de
barbárie, que revoltaram a humanidade e com um momento posterior, onde
tivemos uma nova realidade, onde os seres humanos passaram a ser livres,
podendo falar, respirar, viver e crer, estando libertos do terror que os assom-
brou no passado, aliados à miséria que dominava e assombrava a humanidade,
foi logo proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e o artigo
28 desta Declaração Universal de Direitos Humanos reza que: “toda a pessoa
tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem
capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciadas na
presente Declaração”.(117)
Adotada em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é a
base do direito internacional dos direitos humanos. Este é o primei-
ro reconhecimento internacional de que os direitos fundamentais
(115) Labour rights are human rights: UN report. Oct. 19, 2016. Disponível em:
www.industriall-union.org/labour-rights-are-human-rights-un-report>. Acesso em: 23
nov. 2020.
(116) Idem.
(117) Declaração Universal de Direitos Humanos. Disponível em:
org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2020.
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são direitos universais e inalienáveis, inerentes à pessoa humana.
Eles garantem a dignidade e o respeito pela vida de cada um.(118)
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), no âmbito das relações
do trabalho, a qual tem como objetivo principal promover a justiça social, assim
como o respeito e a concretização dos direitos humanos dos trabalhadores, foi
criada no ano de 1919, com sede em Genebra, na Suíça, pela Conferência da Paz
em Versalhes.
O Brasil é um dos membros fundadores da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), em virtude do qual, já desde a primeira reunião, participa da
Conferência Internacional do Trabalho, o que é um grande passo na efetividade
dos direitos humanos dos trabalhadores, sendo este seu objetivo principal.
A Organização Internacional do Trabalho vem emitindo, inclusive, várias
orientações recentemente e guias práticas, principalmente no momento emer-
gencial de pandemia da Covid-19, quando se acentuou a utilização do teletra-
balho, assim como outras formas de trabalho à distância ou remoto, inclusive
no domicílio, o que auxilia no compliance trabalhista das empresas, principal-
mente em momentos atípicos, quando esta promove mais orientações, na preo-
cupação com o respeito dos direitos humanos e à saúde dos trabalhadores, que
é inclusive um direito fundamental no Brasil, assim como com o meio ambiente
de trabalho. Quando falamos de direitos humanos dos trabalhadores é muito
importante o Brasil ser membro da OIT, assim como as empresas seguirem
estas orientações e mesmo suas guias práticas.
Desde a sua criação, no ano de 1919, os membros tripartites da OIT já ado-
taram várias Convenções Internacionais de Trabalho e Recomendações sobre
temas variados (emprego, proteção social, recursos humanos, saúde e seguran-
ça no trabalho, trabalho marítimo etc.).(119)
Na primeira Conferência Internacional do Trabalho, realizada em
1919, a OIT adotou seis convenções. A primeira delas respondia a
uma das principais reivindicações do movimento sindical e operá-
rio do nal do século XIX e começo do século XX: a limitação da
jornada de trabalho a 8 horas diárias e 48 horas semanais. As outras
(118) Des droits humains au travail. Pour tous les travailleurs partout dans le monde.
Collectif Éthique sur l’étiquee. Disponível em:
droits-humains-au-travail-2>. Acesso em: 12 dez. 2020. «Adoptée en 1948, la Déclaration
universelle des Droits de l’Homme est le fondement du droit international relatif aux droits hu-
mains. C’est la première reconnaissance internationale du fait que les droits fondamentaux sont
des droits universels, inaliénables, inhérents à la personne humaine. Ils garantissent la dignité et
le respect de la vie de chaque individu
(119) História da OIT. Brasília-DF, Organização Internacional do Trabalho. Disponível
em: .
Acesso em: 14 dez. 2020.
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convenções adotadas nessa ocasião referem-se à proteção à mater-
nidade, à luta contra o desemprego, à denição da idade mínima
de 14 anos para o trabalho na indústria e à proibição do trabalho
noturno de mulheres e menores de 18 anos.
(...)
Em agosto de 1940, a localização da Suíça no coração de uma Euro-
pa em guerra levou o novo diretor-geral, John Winant, a mudar tem-
porariamente a sede da OIT de Genebra para Montreal, no Canadá.
Em 1944, os delegados da Conferência Internacional do Trabalho
adotaram a Declaração de Filadéla que, como anexo à Constituição
da OIT, até hoje constitui a carta de princípios e objetivos da Orga-
nização, além de ter servido como referência para a adoção da Carta
das Nações Unidas (1946) e da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948).(120)
Destacamos que o principal dever das empresas, cada vez mais, com o
fomento do compliance em direitos humanos, é o respeito aos direitos huma-
nos de seus trabalhadores, já que estes são seus titulares, o que será alcan-
çado e concretizado por meio da cultura de compliance trabalhista, sempre
zelando e tutelando o meio ambiente de trabalho, evitando acidentes de
trabalho, o descumprimento de normas que tratam da proteção à saúde e à
segurança do trabalho, que representam o dever constitucional, e de outras
normas trabalhistas.
Pela necessidade de fortalecimento dos trabalhadores, com a promoção
dos seus direitos humanos, principalmente pela empresa, eliminando-se a pre-
carização e o desrespeito decorrente da concentração do poder corporativo e
exatamente em virtude do compliance trabalhista trazer efetividade aos direitos
humanos, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, no ano de 2011,
aprovou os princípios orientadores sobre empresas e direitos humanos, os quais
foram elaborados por John Ruggie, onde se indica uma cultura de prevenção e
respeito aos direitos humanos dos empregados pelos seus empregadores.
Estes princípios pretendem ser um guia para as empresas e para as ativi-
dades econômicas, trazendo o compliance trabalhista como meio e instrumento
de implementação, efetividade e proteção aos direitos humanos, assim como
meio de reparação e correção em caso de violação destes direitos. Como já fala-
mos anteriormente, o compliance trabalhista, como cultura preventiva, detecta,
corrige e adequá a empresa, seus gestores e empregados que pratiquem abusos
verticais ou horizontais contra seus colegas, para proteger os direitos humanos
dos trabalhadores, como titulares destes direitos. Podemos aqui comparar a
(120) História da OIT. Brasília-DF, Organização Internacional do Trabalho, cit.
87
empresa ao Estado, no seu dever de proteção, quando falamos de ecácia hori-
zontal, já que é obrigação desta coibir e eliminar desrespeitos e abusos também
entre trabalhadores e ainda que no nível horizontal, como, por exemplo, o as-
sédio moral entre colegas, do qual a empresa será responsável, ainda que por
omissão, se não detectar, intervir e corrigir estas práticas, podendo utilizar-se
de treinamentos, códigos de conduta e mesmo sanções disciplinares para re-
parar e evitar desrespeito aos direitos humanos entre colegas de nível vertical,
como um chefe, como de nível horizontal, como colegas, dentro do seio da
empresa. Assim, nem a empresa poderá desrespeitar e ingerir nos direitos hu-
manos dos trabalhadores, de forma verticalizada, e, ao mesmo tempo, deverá
intervir para proteger os abusos entre os colegas de nível horizontal, como no
assédio moral horizontal.
John Ruggie, em seus princípios, traz um norte e a direção para as empre-
sas implementarem o respeito e a proteção aos direitos humanos, tanto trazen-
do obrigações positivas para os Estados no seu dever de proteção dos titulares
dos direitos humanos, como para as empresas, protegendo os direitos huma-
nos e dando efetividade a estes.
Estes princípios orientadores são baseados no reconhecimento de:
(a) Obrigações existentes dos Estados de respeitar, proteger e cum-
prir os direitos humanos e as liberdades fundamentais;
(b) O papel das empresas como órgãos especializados da sociedade
que desempenham funções especializadas, obrigados a cumprir to-
das as leis aplicáveis e respeitar os direitos humanos;
(c) A necessidade de direitos e obrigações a serem combinados com
remédios apropriados e ecazes quando violados.(121)
3.3. Trabalho decente
Dentre os direitos humanos, sociais, incluindo o direito à moradia, à edu-
cação, à saúde, à alimentação, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdên-
cia social, a proteção à maternidade e à infância, além da assistência aos de-
samparados, deveremos incluir o trabalho decente, ao lado do trabalho digno,
(121) UNITED NATIONS. Guiding Principles on Business and Human Rights. Implementing
the United Nations “Protect, Respect and Remedy” Framework. Disponível em:
www.ohchr.org/documents/publications/GuidingprinciplesBusinesshr_eN.pdf>.
Acesso em: 12 dez. 2020. These Guiding Principles are grounded in recognition of: (a) States’
existing obligations to respect, protect and fulll human rights and fundamental freedoms; (b)
The role of business enterprises as specialized organs of society performing specialized functions,
required to comply with all applicable laws and to respect human rights; (c) The need for rights
and obligations to be matched to appropriate and eective remedies when breached.”
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
88
no respeito à moral e aos valores e em contraposição ao trabalho degradante.
“O conceito de trabalho digno resume as aspirações de homens e mulheres no
domínio prossional e abrange vários elementos: oportunidades para realizar
um trabalho produtivo com uma remuneração justa; segurança no local de tra-
balho e proteção social para as famílias”.(122)
Estes direitos pertencem a todos os trabalhadores, independentemente e
em qualquer lugar do mundo:
“Na “família” dos direitos humanos, os direitos econômicos, sociais
e culturais (DESC) abrangem um conjunto de aspirações humanas
fundamentais: moradia, alimentação, acesso à educação, a um siste-
ma de saúde, etc. O direito ao trabalho decente é um deles. Todos
os trabalhadores devem ter seus direitos fundamentais no trabalho,
derivados de normas internacionais, que denem princípios uni-
versais como a proibição do trabalho forçado, a não exploração de
crianças, a liberdade de associação ou o respeito à jornada máxima
de trabalho. Esses direitos dizem respeito a todos os trabalhadores,
para todos os tipos de trabalho, em qualquer lugar do mundo. Eles
estão inscritos, promovidos e protegidos por vários textos interna-
cionais, desenvolvidos no âmbito das Nações Unidas como indus-
trialização, globalização e aumento do progresso da liberalização do
comércio, para garantir proteção igual para todos.(123)
A OIT tem objetivos estratégicos e o trabalho decente é exatamente o pon-
to de convergência destes objetivos, incluindo o respeito aos direitos dos tra-
balhadores, em especial os direitos fundamentais de liberdade sindical, nego-
ciação coletiva e a eliminação de todas as formas de discriminação em matéria
de emprego e a ocupação e erradicação de todas as formas de trabalho forçado
(122) ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO — OIT. Trabalho dig-
no. Disponível em:
htm>. Acesso em: 23 jun. 2021.
(123) Des droits humains au travail. Pour tous les travailleurs partout dans le monde.
Disponível em: .
Acesso em: 12 dez. 2020.
«Dans la «famille» des droits humains, les droits économiques, sociaux et culturels (DESC)
recouvrent un ensemble d’aspirations humaines fondamentales : se loger, se nourrir, avoir ac-
cès à l’éducation, à un système de santé, etc. Le droit à un travail digne est l’un d’entre eux.
Tout travailleur doit se voir respecter ses droits fondamentaux au travail issus des normes in-
ternationales qui dénissent des principes universels tels que l’interdiction du travail forcé, la
non-exploitation des enfants, la liberté syndicale ou le respect d’une durée maximale du travail.
Ces droits concernent tous les travailleurs, pour tout type de travail, partout dans le monde. Ils
sont inscrits, promus et protégés par plusieurs textes internationaux, élaborés dans le cadre des
Nations Unies au fur et à mesure des progrès de l’industrialisation, de la mondialisation et de
l’accroissement de la libération des échanges, pour assurer une protection égale pour tous
Selma Carloto
89
e infantil, a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a ampliação à
proteção social e o fortalecimento do diálogo social.(124)
Já o trabalho degradante gera insegurança aos trabalhadores, incluindo a
desconstrução psíquica destes, acarretando doenças psiquiátricas e mesmo físi-
cas, as quais poderão ser oriundas de várias desconformidades, como o assédio
moral, assédio sexual, a exclusão social do trabalhador, entre outros abusos
advindos dos empregadores, que detêm o capital e o poder e que facilita estas
arbitrariedades profundas, levando à própria destruição das relações laborais.
O trabalho decente é essencial na realização dos direitos humanos dos
trabalhadores, assegurando-se igualdade de condições, dignidade e seguran-
ça aos trabalhadores. A Organização Internacional do Trabalho promove o
trabalho decente, auxiliando na concretização dos direitos sociais e humanos
dos trabalhadores, em um contexto de globalização.
A OIT constrói os atributos para reduzir as desigualdades sociais, supe-
rar a pobreza, oferecer igualdade em oportunidades, entre homens e mulhe-
res, eliminando-se a discriminação, garantindo-se a liberdade, a superação do
desemprego, além da exclusão do trabalho infantil, bem como o respeito aos
direitos do trabalhador, promovendo o trabalho decente. Dentre o rol de Direi-
tos Fundamentais da Declaração da Organização Internacional do Trabalho, a
magnitude social do trabalho resta clara e o marco inicial do trabalho decente é
a Declaração de 1998, a qual já abordava a liberdade, a proteção ao desempre-
go, a igualdade, além de uma remuneração justa e proteção social. Destacam-se
oito convenções da OIT, que têm como objetivo a implantação dos princípios
e direitos fundamentais dos trabalhadores e com base no trabalho decente:(125)
I) Convenção n. 87, de 1948: trata de liberdade sindical e proteção do di-
reito de sindicalização;
II) Convenção n. 98, de 1949: versa sobre o direito de sindicalização e de
reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
III) Convenção n. 29, de 1930: aborda sobre o trabalho escravo;
IV) Convenção n. 105, de 1957: versa sobre a abolição do trabalho forçado;
(124) ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO — OIT. Trabalho decente.
Disponível em: .
Acesso em: 23 jun. 2021.
(125) GOZDECKI, Vinícius. O trabalho decente como paradigma transformador para o sé-
culo XXI à luz da Constituição Federal e das convenções internacionais. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 64, n. 98, p. 245-276, jul./dez. 2018.
Disponível em:
gozdecki_vinicius_trabalho_decente.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 1º abr.
2021.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
90
V) Convenção n. 138, de 1973: versa sobre a idade mínima para admissão
no emprego;
VI) Convenção n. 182, de 1999: trata da proibição das piores formas de
trabalho infantil e a ação imediata para a sua eliminação;
VII) Convenção n. 100, de 1951: dispõe sobre a igualdade de remune-
ração; e
VIII) Convenção n. 111, de 1958: aborda a discriminação no emprego e
ocupação.(126)
O conjunto de convenções, anteriormente elencadas, traduz-se na própria
manifestação do trabalho decente, trazido pela Organização Internacional do
Trabalho, o qual demanda um efetivo compliance trabalhista na sua realização
e concretização.
Devem ser evitados os desrespeitos aos direitos humanos dos trabalha-
dores, atendendo-se, cumprindo-se e respeitando-se as normas da OIT e outras
normas nacionais e internacionais, evitando-se, assim, qualquer forma de pre-
carização e contrária à cultura de conformidade e em caminho oposto de um
trabalho decente.
3.3.1. Dumping social
Com o impacto trazido com o advento da pandemia, nas atividades,
constatou-se que várias empresas vêm buscando selos de certicação para
garantir segurança sanitária em seus ambientes de trabalho e não perderem
a produtividade. As certicadoras relataram um crescimento de até cinco
vezes, nesse tipo de demanda, em virtude da pandemia, particularmente a
partir do nal de 2020.(127)
Os países desenvolvidos vêm propondo uma atuação conjunta da OIT
com a OMC, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos humanos e
fundamentais dos trabalhadores.
Tem sido constatada uma prática crescente do intitulado dumping social,
o qual, vem sendo identicado em alguns processos trabalhistas existentes.
Este é um fenômeno ainda pouco difundido entre a classe trabalhadora e acaba
sendo constatado, já tardiamente, em processos trabalhistas, muitas vezes pelo
(126) GOZDECKI, Vinícius. Op. cit.
(127) MACHADO, André. Empresas buscam selos de segurança em maio ambiente do
trabalho. O Globo, Rio de Janeiro, 17 fev. 2021. Disponível em:
com/economia/covid-empresas-buscam-selos-que-certicam-seguranca-de-ambientes-
-de-trabalho-24885936>. Acesso em: 1 abr. 2021.
Selma Carloto
91
próprio julgador, o qual não poderá determinar o pagamento de indenização
de ofício. O termo dumping foi utilizado inicialmente no Direito Comercial(128),
“para denir o ato de vender grande quantidade de produtos a um preço mui-
to abaixo do praticado pelo mercado”(12 9). No Direito do Trabalho, este con-
siste, de forma similar, na prática, pela qual, “as empresas buscam eliminar a
concorrência à custa dos direitos básicos dos empregados”.(130)
Resta, assim, caracterizado o dumping social, quando constatada a “con-
duta de alguns empregadores que, de forma consciente e reiterada, violam os
direitos dos trabalhadores, com o objetivo de conseguir vantagens comerciais
e nanceiras, através do aumento da competitividade desleal no mercado, em
razão do baixo custo da produção de bens e prestação de serviços”.(131)
O dumping social se traduz em fraude e as empresas que o praticarem serão
fraudadoras”, causando danos muitas vezes incontornáveis aos seus emprega-
dos. Infelizmente, muitas vezes, alguns empregadores alegam que cumprindo
com seus deveres trabalhistas sofrem por perdas em decorrência de uma concor-
rência desleal, por parte daqueles que desrespeitam os seus trabalhadores, mas
será que estes empresários souberam calcular? Será que colocar am na balanç a,
de um lado o prejuízo em decorrência da falta de conformidade, com ações
individuais, coletivas, sanções e do outro lado o que deixaram de vender?
Será que o prejuízo não é maior por aquilo que poderão perder em ações
trabalhistas, do que o que eles perderam pela diminuição das vendas, em
decorrência da concorrência desleal?
Fonte: a autora.
Direita. Dumping social — peso maior: representa que a adoção de práti-
cas desumanas pelo empregador, com o escopo de reduzir os custos de produ-
ção, aumentando lucros, dá menos lucros do que o que a empresa gastaria em
ações trabalhistas e sanções. Assim, portanto, o compliance trabalhista vale mais
a pena que o dumping social.
Veremos que o compliance trabalhista combate preventivamente as des-
conformidades com as normas-regras e com as normas-princípios, assim
podemos constatar que a empresa que implantar tal princípio, com respeito
aos direitos humanos dos trabalhadores, eliminará preventivamente o risco
de dumping social, evitando-se a pejotização, descumprimento de jornada de
(128) Dumping social — indenização deve ser requerida pelo ofendido. Notícias do TST,
25 jan. 2013. Disponível em:
content/dumping-social-indenizacao-deve-ser-requerida-pelo-ofendido>. Acesso em: 2
abr. 2021.
(129) Idem.
(130) Dumping social — indenização deve ser requerida pelo ofendido, cit.
(131) Idem.
O Complian ce Trabalhista e a Efet ividade dos Direito s Humanos dos Trabalha dores
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trabalho, a terceirização ilícita, assédio moral, a inobservância de normas de
segurança e medicina do trabalho, entre outras práticas ilícitas constatadas em
empresas, as quais não estão ainda em cultura de compliance trabalhista.

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