Conclusão

AutorOthon de Azevedo Lopes
Páginas457-476
CONCLUSÃO
A responsabilidade como toda a realidade social e cultural não pode ser
compreendida sem referência ao tempo. A experiência e o conhecimento
sobre tal tema é fruto de uma vivência histórica, mostrando-se como um le-
gado mediado linguisticamente das civilizações do passado. Nesse sentido, o
caminho para a reconstrução da história da responsabilidade inicia-se a par-
tir das Civilizações de Roma, da Grécia e de Israel, na Antiguidade, como a
fonte das estruturas mentais do Ocidente.
Em todas essas civilizações, construiu-se uma ordem social com uma
certa complexidade, incluindo formas e medidas para a sua recomposição e
para a estabilização das estruturas que permitiam a manutenção da vida em
comunidade. As penas e as sanções impostas pelas autoridades políticas e re-
ligiosas, por sua vez, tinham a função de restabelecer o equilíbrio social.
Na civilização hebraica, a concepção de ordem advinha de um regramen-
to pormenorizado da vida humana por meio de mandamentos de inspiração
divina. O pacto que Deus concedeu aos homens, na Primeira Aliança, era
reafirmado pelo dever voluntário de obediência de regras de cunho moral. A
responsabilidade, para tal povo, era resultado do pecado como rompimento
voluntário dessa aliança concedida a cada um dos indivíduos por Deus. O
pecador deveria retributivamente ser apenado pela sua discórdia em relação
aos preceitos religiosamente revelados.
Na Grécia Antiga, a ordem fundava-se na manutenção de um equilíbrio,
de uma proporção, dentro do cosmos. As poucas leis escritas ou mesmo os
costumes de tal civilização eram compreendidas dentro dessa harmonia uni-
versal. Também, a polis, assim como as diversas classes sociais, faziam parte
desse ordenamento cosmológico. O delito era o ato injusto que perturbava
o equilíbrio dessa ordem. A pena ou a sanção, dentro de uma visão expiató-
ria, mostrava-se como uma forma de recompor a ordem quebrada com o cri-
me. Na sociedade grega primitiva, a pena era uma forma de recompor a hon-
ra coletiva da comunidade. Já no pensamento especulativo grego, a pena dei-
xou de ser mera expiação, assumindo características utilitárias, preventivas
e pedagógicas, deixando de ser apenas uma recomposição da ordem para ser
compreendida como uma forma de desestimular comportamentos nocivos
para a manutenção de tal equilíbrio.
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Em Roma, a ordem era entendida como uma justa proporção entre os
cidadãos dentro da sociedade, decorrente da sua própria tradição, dos seus
costumes e das poucas leis escritas. A lei mostrava-se apenas como uma des-
crição da ordenação já existente na própria sociedade, que era encarada so-
bretudo como aliança dos membros da civis. Essa ordem social romana pas-
sou a ser objeto de elaboração de uma classe especializada e laica de magis-
trados, que eram funcionários do Estado, que elaboraram analítica e tecni-
camente institutos e distinções para resolver disputas.
O direito romano desenvolveu-se, dessa forma, como uma arte para re-
compor, no caso concreto, a ordem social já existente a partir de ações e um
conhecimento voltado para a resolução concreta de litígios. A jurisprudência
de Roma tinha um caráter sobretudo prático e casuístico, não se mostrando,
de maneira alguma, um sistema abstrato de leis, mas sim uma arte que arti-
culava distinções e critérios casuísticos com objetivo de restabelecer a or-
dem efetiva da própria sociedade, que com a expansão do Império tornou-se
progressivamente abrangente e universalista.
No que concerne à responsabilidade, a evolução analítica do direito ro-
mano legou duas grandes categorias a partir das quais se imputavam penas e
sanções: os delitos e os crimes. Os primeiros eram ofensas a bens particula-
res e os segundos, a bens de interesse do Estado. Os delitos integravam o ius
ciuile dando lugar, no período clássico, à aplicação de penas privadas que ti-
nham caráter principalmente econômico. Já os crimes não eram regulados
por uma doutrina do direito até o final do período clássico do direito roma-
no, sendo objeto de mero exercício de poder pelos magistrados, com a apli-
cação de diversas penas, principalmente corporais ou mesmo a perda da con-
dição de cidadão ou expatriamento.
As penas no direito romano, seja para os delitos ou para os crimes, mos-
travam-se como uma forma expiatória para recompor o ordenamento social.
Por meio dos delitos, era restabelecida a ordem que interessava aos cidadãos
romanos com penas de caráter eminentemente patrimonial. Pelos crimes,
aplicavam-se penas que repunham a ordem ligada à coisa pública, aos inte-
resses da coletividade e do Estado. A pena fora, para tal civilização, o contra-
peso para o reequilíbrio da balança que simbolizava a justa proporção do di-
reito romano.
A Alta Idade Média, por sua vez, caracterizou-se pela expansão do cris-
tianismo por toda a Europa, havendo a adesão dos povos bárbaros e germâ-
nicos à tal religião. Contudo, nessa época, a fé cristã não tinha pretensões de
alterar o mundo terreno. Havia uma separação entre este e o Celeste, estan-
do a salvação somente nesse último. Aos fiéis, na terra, restava apenas a es-
pera paciente da morte para a conquista do Paraíso, em uma atitude de de-
silusão com a vida que, dentro de uma visão agostiniano-platônica, não po-
deria ser nada mais que um pálido e esmaecido reflexo do que seria o Reino
dos Céus.
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