Conclusão

AutorJeanne da Silva Machado
Páginas225-248
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CONCLUSÃO
Não tenho caminho novo,
O que tenho de novo é o jeito de caminhar
Thiago de Mello poeta brasileiro
A dificuldade de encontrar o nexo possível entre a solidariedade
nas relações institucionais ou contratuais que se apresentaram trouxe à
tona os aspectos das várias conexões sociais existentes e subjacentes à
questão que parecia se enquadrar no sistema legal então vigente.
O estudo de casos e das diversas variáveis dos aterros sanitários,
cujas fontes de resíduos e conexões do espectro da contaminação tem
influído sobre o próprio comportamento da sociedade, levou à necessidade
de uma análise mais detalhada dessas relações nas suas causas mais
profundas. A partir da observação e pesquisa sobre o impacto no ambiente
e nas relações sociais que se seguiram à constituição do Aterro Kölliken, e,
posteriormente, outros tipos de tratamento de resíduos no mundo, foi
levantada a hipótese de que as soluções das questões ambientais se
encontram no ordenamento jurídico que as normatiza, o qual se baseia em
conceitos de solidariedade social que dividem o ser humano do ambiente e
a sociedade da natureza. Entretanto, o desequilíbrio ambiental tem origem
multifacetada e interligada numa rede de conexões entre os fenômenos
sociais e naturais, fazendo com que a solidariedade e a sustentabilidade,
como pressupostos da responsabilidade ambiental, apresentem-se nas
conexões sociedade e natureza, na expressão conjunta de seus porta-vozes
em termos de espaço e tempo.
A discussão teórica desenvolvida no estudo abrangeu a
conceituração do meio ambiente, a solidariedade entre todos os
fenômenos, ou a conexão entre natureza e sociedade, através da teoria da
rede de atores construída por Latour (1994), em contraposição ao conceito
de solidariedade entre os seres humanos proposto por Durkheim (2008).
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Tal contraponto é percebido quando ele define a solidariedade
negativa, ou seja, a solidariedade entre o homem e o objeto. Para que o
indivíduo exerça plenamente o seu direito sobre a coisa (direito real), será
necessário abstrair-se dos outros, e, como as coisas só são integradas à
sociedade através das pessoas, essa solidariedade é negativa, ou seja, a
solidariedade negativa é pura abstenção em relação aos demais indivíduos.
Ilustrativamente, a solidariedade da coisa se dá em relação a determinada
pessoa, e só a ela, com a eliminação das demais.
A alternância entre a percepção do homem integrado à natureza e a
observação da natureza, por meio do estudo dos seus fenômenos,
evidenciou a dicotomia indivíduo versus meio natural99. Se está destacado
do seu meio como um ser absoluto, poderá relacionar-se com ele à sua
vontade, sem que isso tenha qualquer influência na sua vida e dos demais
indivíduos, o que poderia justificar a teoria da solidariedade negativa.
A justificativa de Latour para a sua teoria de ator-rede é que a
natureza não é uma esfera particular da realidade, mas uma divisão política
que separa objetivo e discutível do subjetivo e indiscutível. O coletivo é
composto de seres humanos e não-humanos capazes de serem colocados
como cidadãos, desde que se proceda à repartição das capacidades, que
seriam a redistribuição do discurso entre humanos e não-humanos e a
capacidade de agirem como atores sociais em associações de humanos e
não-humanos, os quais esse pensador denomina de híbridos.
Tais híbridos agem ou se manifestam em rede, a qual é marcada
por múltiplas entradas e conexões e difere da concepção polarizada de
sujeito e objeto, sociedade e natureza. ”As redes são um conjunto de
práticas que criam misturas entre gêneros de seres completamente novos,
híbridos de natureza e cultura”100.
Em entrevista à Folha de São Paulo (1997), Latour fala da
Conferência de Kyoto, na qual se tornou “impossível separar claramente
99 O que chamamos ser humano é produzido e mantido pela harmonia e pela unidade de
diversas forças, entre as quais a da gravidade no universo, a corrente de energia fornecida
pelo sol e o somatológico fio que trama toda a natureza como um tecido (IKEDA, 2009).
100 “Na teoria ator-rede, a noção de rede refere-se a fluxos, circulações, alianças,
movimentos, em vez de remeter a uma entidade fixa. Uma rede de atores não é redutível a
um único ator nem a uma rede; ela é composta de séries heterogêneas de elementos
animados e inanimados, conectados e agenciados ” (MORAES, maio/ago β004, p. γββa)

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