A disposição dos resíduos

AutorJeanne da Silva Machado
Páginas107-168
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Capítulo 2
A DISPOSIÇÃO DOS RESÍDUOS
As pressões do ‘desenvolvimento a qualquer custo’, de
um lado e as ‘pressões pela sobrevivência’ das
grandes massa s da população mundial mergulha das
na pobreza, de outr o lado, estão empurra ndo o ser
humano para um relaciona mento com o seu meio
ambiente que é uma ameaça pa ra a vida em si mesma
neste planeta31.
Enrique Iglesias
2.1. INTRODUÇÃO
Neste capítulo serão examinados os processos envolvidos nas
soluções para os rejeitos industriais, tais como os aterros sanitários e a
transferência de resíduos para outros países, ou outras tentativas de
disposição desses, bem como na degradação oriunda de tais processos e
nas relações sociais presentes nas conexões entre os objetos que sustentam
a sociedade e a natureza que reage ao impacto causado pela sua
exploração. Além disso, será estudada a conexão entre a rejeição dos
“quase-objetos”32 e o desequilíbrio entre as sociedade desenvolvidas e as
sociedades tradicionais ou em desenvolvimento, nos moldes do sistema
econômico ocidental.
31 IGLESIAS, Enrique
(no original tradução livre) “The pressures of ‘development at any cost’, on the one
hand, a nd the ‘pressures of s urvival’ of the large masse s of the world population steeped
in poverty on the other hand, are pr opelling Man into r elationships with his environment
that are a threat to life itself on this planet”.
32 Quase-objetos ou híbridos, como a poluição decorrente da ação na sociedade e o
resultado provocado na natureza, segundo a teoria de Latour.
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2.2. O ATERRO KÖLLIKEN, LOCALIZADO NA SUÍÇA
Inicialmente, entre os anos 2000 e 2010, no curso de uma
consultoria jurídica na área ambiental, prestada em São Paulo, foram
observados alguns casos de aterro sanitário no Brasil. Num deles, os
componentes químicos e outros resíduos sólidos foram depositados no
aterro, o qual, fechado, contaminou o lençol freático num entorno de
pequenos agricultores.
A ação civil pública ajuizada contra o proprietário do aterro, apesar
de procedente, não logrou resultado algum após quase quinze anos de
processamento, uma vez que o encontrou falido e sem recursos para a
reparação. Na ausência de alternativas as autoridades chamaram à
discussão os seus usuários, com fundamento no princípio “poluidor-
pagador” ou “usuário-pagador”, adotado largamente em questões
ambientais, e da solidariedade jurídica encontrada na interpretação do art.
225 da Constituição Federal.
Tal alternativa também não restou eficaz, considerando que: i) as
atividades conduzidas pelos usuários eram legais e licenciadas pelo
Estado, 2) a atividade do aterro também era legal e licenciada. Apesar da
provável contribuição da atividade agrícola na contaminação, através de
uso de defensivos também tóxicos, a discussão se circunscreveu às
grandes empresas, quer pelo caráter econômico, ou seja, cobrar de quem
pode pagar ou de quem se beneficiou economicamente, quer por questões
políticas. A solução da solidariedade jurídica se mostrou aquém da
magnitude da questão, pois tal situação contava com uma multiplicidade
de fontes e uma multiplicidade de afetados, trazendo à discussão a
indivisibilidade do bem autônomo, meio ambiente, tutelado no
mencionado artigo.
Foram observados, ainda, alguns eventos relatados nos jornais e
outras mídias, bem como o caso, ora em discussão, do aterro sanitário
localizado na Suíça, denominado Aterro Kölliken, cuja problemática se
assemelhava ao caso brasileiro e se encontrava num estágio de discussão
mais adiantado, além de permitir um distanciamento necessário para a
observação.
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Além desses dados outras pesquisas foram feitas sobre as questões
ambientais de contaminação de espaços comuns, como os oceanos e a
atmosfera terrestre, cuja natureza não percebe as fronteiras políticas, e,
ainda, a movimentação transfronteiriças dos rejeitos cruzando os mares
entre todos os continentes. A Terra tornou-se pequena com o avanço da
tecnologia de comunicação e deslocamento, fazendo com que cada vez
mais se percebesse a inseparabilidade de homem e ambiente, e a conexão
entre sociedade e natureza.
2.2.1. O histórico do Aterro
Numa pesquisa preliminar, em 2001, foram abordados alguns
funcionários e dirigentes do Aterro Kölliken e um representante da agência
ambiental, que forneceram informações sobre a contaminação, o
tratamento aplicado e a reação da comunidade circundante, uma vez que,
já naquela ocasião, havia forte resistência à solução adotada. Foram, ainda,
disponibilizados documentos públicos e a legislação aplicada à situação
(MACHADO, J.S., 2006, p 128-133).
O Aterro Kölliken é um típico caso de aterro sanitário construído
num passado recente para solucionar o problema de despejo de resíduos
contendo materiais tóxicos oriundos de processo produtivo industrial.
Normalmente construídos como uma atividade lucrativa, a maior parte dos
aterros ainda em operação conta com licenciamento das agências de
controle ambiental e utiliza o que se denomina a melhor tecnologia
disponível na sua operação. Evidentemente nesse caso, como em muitos
outros espalhados pelo mundo, a “melhor tecnologia disponível e
conhecida na ocasião” não foi suficientemente segura para garantir o
tratamento adequado a tais rejeitos e evitar o dano ambiental.
Em 2014 foi feita nova visita, e nova pesquisa foi desenvolvida
com o objetivo de identificar os eventos ocorridos desde a constituição do
aterro em 1978, seus impactos na sociedade local, as diversas relações que
envolveram a sequência de atos e fatos, emanados tanto do poder público,
quanto da sociedade civil e empresas privadas. Dessa forma foram
realizados:

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