Solidariedade, sustentabilidade e responsabilidade ambiental

AutorJeanne da Silva Machado
Páginas51-106
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Capítulo 1
SOLIDARIEDADE, SUSTENTABILIDADE E
RESPONSABILIDADE AMBIENTAL
Sou parte do sol, assim como os olhos são parte de
mim. Meus pés bem sabem que sou parte da ter ra, e
que meu sangue é parte do mar . Minha a lma sabe que
sou parte da raça humana ; minha alma é uma parte
orgânica da grande a lma humana, a ssim como meu
espírito é par te de minha na ção!
D. H. Lawrence
1.1. INTRODUÇÃO
Este capítulo abrange o enfoque das noções de solidariedade e
sustentabilidade como pressupostos da responsabilidade ambiental, a partir
da análise das relações da rede de atores, bem como das relações de
disputa, através do estudo de caso de um aterro sanitário denominado
Kölliken localizado em Aargau, Suíça.
1.2. O MEIO AMBIENTE
O filósofo grego Aristóteles, no ano de 340 a.C., (apud
HAWKING, 2000a), foi capaz de evidenciar que a Terra era uma esfera e
não um corpo achatado. Entretanto, acreditava que ela era estática e que o
sol, a lua, os planetas e as estrelas se deslocavam em órbitas circulares à
sua volta. Supunha, apoiado em razões de ordem religiosa, que a Terra
fosse o centro do universo e a órbita circular, a mais perfeita (HAWKING,
2000b).
Um modelo cosmológico completo com base nessa idéia foi
formulado por Ptolomeu no século II e adotado, na ocasião, pela Igreja
Católica como a imagem do universo que correspondia às escrituras. Em
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1514, Nicolau Copérnico, um padre polonês, propôs a teoria que transferia
para o sol a posição de centro do universo, anteriormente ocupada pela
Terra, mantendo a concepção de elemento estático, em torno do qual a
Terra e os planetas se deslocavam em órbitas circulares. Por medo de ser
considerado herege, no entanto, divulgou seu modelo no anonimato. Quase
um século mais tarde, dois astrônomos, o alemão Johannes Kepler e o
italiano Galileu Galilei (HAWKING, 2000c), começaram a defender
publicamente a teoria de Copérnico.
Galileu, ao publicar o “Diálogo sobre os dois sistemas principais
do universo” em 16γβ, comparando as teorias de Aristóteles e de
Copérnico, deu início a conceitos sobre o funcionamento do universo
percebidos pelo homem através da observação do mundo real, como a
semente da ciência moderna.
Descartes acabou por cristalizar essa forma de conceituação que
vinha evoluindo desde Copérnico ao separar o homem do universo e
colocá-lo como observador e senhor das coisas. O conhecimento científico
que precedeu à obra de Descartes alterou progressiva e profundamente a
antiga cosmologia.
Se na filosofia grega o ser humano estava integrado ao cosmos (ao
universo), onde este era dotado de vida e significado em si, sendo a sua
observação necessária para o conhecimento da essência das coisas e do
próprio ser humano, na modernidade a natureza passa a ser basicamente
objeto a ser dominado e explorado, elementar para realização das
finalidades humanas.
1.3. A UNICIDADE ENTRE HOMEM E MEIO AMBIENTE
A observação e a percepção do ambiente têm produzido diferentes
perspectivas. Assim, por exemplo, enquanto para gregos antigos o homem,
nessa comunhão, representa um ser fraco, à mercê da natureza
representada pelos seus deuses, na perspectiva budista a comunhão se
revela como uma total interdependência não hierárquica. Tal conceito
pode ser reconhecido nas palavras de Daisaku Ikeda em sua proposta de
paz, ao analisar a relação interdependente do homem e seu ambiente; ele
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se refere ao conceito budista de origem dependente5 como a doutrina
fundamental que ensina a coexistência de todas as coisas no universo,
incluindo os seres humanos e a natureza, em relacionamentos
interdependentes. Essa doutrina expõe a simbiose do microcosmo e do
macrocosmo, que se unem como um único organismo.
A idéia vai mais além do que a visão mecanicista do
mundo distante e separado da humanidade, que forma
o retrospecto da visão moderna [...] sem vida, o
ambiente não pode existir, embora a vida seja
sustentada pelo seu ambiente.6
A visão antropocêntrica do universo, resultado da consciência dos
fenômenos e da conquista do conhecimento, influenciou o modo do
homem se relacionar com o seu ambiente. Ao perceber a fragilidade da sua
vida efêmera, ele passou a utilizar meios intelectuais de defesa e proteção,
contrapondo-se a tudo mais. Aurelio Peccei (PECCEI; IKEDA, 1999. p.
21), um acadêmico italiano, conhecido como o fundador e primeiro
president do Clube de Roma, uma organização que provocou interesse
5 O filósofo oriental Daisaku Ikeda em sua proposta de paz de 2001, dirigida à ONU,
intitulada “Novos Horizontes de uma Civilização Global”, expõe: O conceito de origem
dependente encontra-se nos capítulos Hobem e Juryo das Preleções do Sutra de Lotus
onde se lê: “Suspensa no alto do palácio de Indra, o deus budista que simboliza as forças
naturais que protegem e nutrem a vida, está uma enorme rede. Uma brilhante jóia está
ligada a cada nó da rede. Cada jóia contém e reflete a imagem de todas as outras jóias da
rede, que brilha com magnificência em sua totalidade” (p.γ).
6 Ainda, sobre origem dependente nas Preleções do Capítulo Hoben e Juryo do Sutra de
Lotus: “quando esse sentido de unicidade com o Universo é perdido, as pessoas tornam-s e
isoladas e alienadas umas das outras como grãos secos de areia, e a violência irrompe das
profundezas de um coração niilista e empobrecido”, e citando o Buda Nitirem Daishonin:
“Enfim, tod os os fenômenos estão contidos na vi da da pess oa, até a última partícula de
poeira. As nove montanhas e os oito mares são abarcados pelo corpo do indivíduo; o sol, a
lua e as miríades de estrelas estão contidos em sua mente” (Preleções do Sutra do Lotus,
2000, p. 266).
Em adição, cito trecho de Stephen Hawking sobre a teoria do Big Bang: “Então, à medida
que o universo se expandiu e esfriou, os antiquarks teriam se anulado em relação aos
quarks; mas desde que houvesse mais quarks do que antiquarks, um pequeno excesso de
quarks teria sobrado. Foi o que formou a matéria que vemos hoje e de que nós mesmos
somos feitos”. ( HAWKING, β000, p. 118).

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