Considerações acerca do testamento digital e sua aplicabilidade no ordenamento jurídico

AutorSimone Tassinari Cardoso Fleischmann
Páginas603-618
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Capítulo 25
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO TESTAMENTO DIGITAL E
SUA APLICABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Simone Tassinar i Cardoso Fleischmann1
1. Introdução
Com a rápida imersão do mundo digital na sociedade cotidiana, a
tecnologia tornou-se indispensável na vida dos seres humanos, sobretudo
a partir da experiência da pandemia oriunda do vírus Covid 19. Mesmo em
situação de processo de superação, a experiência tecnológica e as
possibilidades advindas da “emancipação espacial” trazida com a
pandemia, exige reflexões e adaptações. Há necessidade de que o sistema
jurídico se adapte para atender e não deixar sem regulamentação nenhuma
das novas necessidades e questões que surgem diariamente.
Atualmente, a maioria dos membros da sociedade têm uma conta
de e-mail, um perfil em uma rede social, uma conta bancária na nuvem, um
serviço de streaming de música ou filme, ou qualquer outro tipo de ativo
digital e, portanto, surge uma nova preocupação quanto ao destino desses
tipos de ativos ou arquivos desincorporados diante do falecimento do
titular. Por outro lado, uma preocupação que, embora já exista, tornou-se
mais importante com a pandemia do COVID-19, que é a possibilidade de
fazer um testamento sem a necessidade de ir fisicamente a um cartório.
Para isto, é necessário saber o que pode ou não ser herdado da
gama de bens digitais que compõem o patrimônio de uma pessoa, bem
como que direitos os herdeiros têm de se proteger contra os ataques, uma
vez que o mundo virtual está disponível para todos.
1 Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS), Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Advogada e Mediadora. E-mail: sitassinar i.stc@gmail.com
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Assim, tem-se que abordagem do trabalho será dialética, e o
método de procedimento descritivo, tendo como técnica de pesquisa a
bibliográfica. A construção do presente artigo está dividida em dois itens.
No primeiro aborda-se a própria herança e necessidade de adaptação deste
instituto jurídico aos novos tempos, diante do desenvolvimento de
elementos incorpóreos modernos com valor suficiente, seja moral ou
econômico, para que os testadores ou herdeiros desejem que eles sejam
incluídos na herança. Na mesma linha, é estudada a possibilidade de
manifestação de vontade com relação à inclusão dos bens digitais, que só
recentemente surgiram na esfera cotidiana e ainda não estão previstos
especificamente na legislação sucessória, devido ao fato de sua inclusão na
realidade mundial ter sido excessivamente rápida.
O segundo item aborda o testamento digital, a fim de investigar se
é possível sua aplicação, diante da modernização da manifestação da
vontade do falecido. Este documento pretende diferenciar os dois conceitos
a partir de duas perspectivas: por um lado, está prevista a possibilidade de
processar todo o procedimento de elaboração da vontade
tecnologicamente, especialmente tendo em vista o atual cenário
pandêmico; por outro lado, será estudada a possibilidade da própria
vontade ser elaborada por meios eletrônicos e a possibilidade da vontade
do testador ser expressa em forma digital, proporcionando assim a
alternativa de o documento não ter que, sequer, existir fisicamente.
2. A herança e seu formato digital
A herança é um direito constitucional previsto no artigo 5º, inciso
XXX, da Constituição Federal.2 De acordo com Paulo Lôbo, “diz-
se herança o patrimônio ativo e passivo deixado pelo falecido, também
denominado acervo, monte hereditário ou espólio”.3 Desse modo, para que
2 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo -se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXX - é
garantido o d ireito de herança (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988. Disponível em: ttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituição.ht
m. Acesso em: 10 nov. 2021).
3 LÔBO, Paulo. Direito Civil: sucessões. 6 v. 7ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2021, p. 07. E-
book. Disponível em: https://www.ufrgs.br/bibliotecas/pesquisa/minha-biblioteca/. Acesso
em: 19 maio 2022.

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