Notas sobre a indignidade e deserdação por mulheres negras à luz de uma perspectiva interseccional

AutorJacqueline Lopes Pereira e Jeniffer Gomes da Silva
Páginas583-601
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Capítulo 24
NOTAS SOBRE A INDIGNIDADE E DESERDAÇÃO POR
MULHERES NEGRAS À LUZ DE UMA PERSPECTIVA
INTERSECCIONAL
Jacqueline Lopes Per eira1
Jeniffer Gomes da Silva2
“A nossa escrevivência não pode ser lida como
histórias para ‘ninar os da casa grande’ e sim p ara
incomodá-los em seus sonos injustos.”3
1. Introdução
Concebido na década de 1970 a partir do projeto Miguel Reale, o
Código Civil de 2002 nasce no contexto democrático e sob os auspícios
dos princípios da operabilidade, socialidade e eticidade4. Institutos
jurídicos clássicos foram reavivados entre os seus 2.046 artigos, e a
1 Mestre e doutoranda em Direito das Relações Sociais pelo PPGD-UFPR. Especialista em
Direito das Famílias e Sucessões pela ABDConst. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em
Direito Civil Constitucional Virada de Copérnico (UFPR). Servidora Pública do TJPR.
2 Mestranda em Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Pesquisadora Permanente da Clínica de Responsabilidade Civil da
Faculdade de Direito da UERJ (UERJ resp). Sócia do Escritório Galdino e Coelho
Advogados.
3 EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha mãe um dos lugares de nascimento
de minha escrita. In: ALEXANDRE, Marcos (org.). Representações per formáticas
brasileir as: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007, p. 21.
4 REALE, Miguel. Visão gera l do projeto de Código Civil. [s.d.]. Disponível em:
http://www.miguelreale.com. br/artigos/vgpcc.htm. Acesso em: 18 jul. 2022.
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denominada “constitucionalização do Direito Civil” clama por sua
interpretação em conformidade aos valores constitucionais5-6.
Ao ver de Luiz Edson Fachin, a Constituição se projeta em
dimensão tríplice nos sentidos “formal”, “substancial” e “prospectivo”.
Isto é, em sentido do texto constitucional expresso (formal), interpretação
das Cortes e princípios implícitos (substancial) e pelo sentido da
ressignificação dos termos que integram a doutrina, a jurisprudência e o
discurso jurídico normativo7.
A partir desses três sentidos, o presente capítulo enfoca dois
institutos jurídicos encontrados no Livro V da Parte Especial do Código
Civil Brasileiro (“Do Direito das Sucessões”): a indignidade e a
deserdação, que têm por efeito excluir sucessores.
Todavia, esse enfoque não ocorre pela mera preocupação
dogmática de compreender a estrutura das formas de exclusão sucessória.
Este capítulo adentra perspectivas outras, com o olhar da
interseccionalidade de gênero, raça e classe a clamar pela análise de
potenciais funções que possam ser viabilizadas a partir desses dois
institutos em favor de mulheres negras.
A pretensão do trabalho, portanto, é escapar de um estudo
tradicional, branco, masculino e proprietário, que ainda reverbera na
estrutura de institutos de Direito Civil, para uma leitura prospectiva e
funcional voltada ao protagonismo de subjetividades vulneráveis e em
articulação com a realidade social do Brasil do século XXI.
Para tanto, o capítulo é norteado por três questionamentos.
Inicialmente, pergunta-se o porquê de adotar-se uma perspectiva
interseccional de raça, gênero e classe para a análise das formas de
exclusão da sucessão. Em segundo lugar, investiga-se a subjetividade
jurídica como dispositivo que, ao definir “quem” seria titular de direitos na
5 Nesse sentido, v. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 569-598.
6 Na doutrina brasileira, cf. também: (i) MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de
um direito civil constitucional. Revista de direito civil, imobiliário, ag rário e empresar ial,
v. 17, n. 65, p. 21-32, jul./set. 1993; (ii) TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e
direito civil na construção unitá ria d o ordenamento. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.).
Temas de Dir eito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, p. 3-19, 2009, t. 3; e (iii)
SCHREIBER, Anderson; KONDER, Carlos Nelson. Uma Agenda pa ra o Dir eito Civil
Constitucional. In: Revista Brasileira de Direito Civil, v. 10, p. 9-27, 2016.
7 FACHIN, Luiz Edson. Direito Civil. Questões do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 6-7.

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