Considerações a respeito do consentimento prévio, livre e informado

AutorPaulo de Bessa Antunes/Solange S. Alvares da Cunha
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (1997)/Mestranda em Direito, Políticas Públicas e Sustentabilidade pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Páginas81-98
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CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO
CONSENTIMENTO PRÉVIO,
LIVRE E INFORMADO
Paulo de Bessa Antunes 1
Solange S. Alvares da Cunha 2
SUMÁR IO: Introdução. 1. Breve histórico i nternacion al do consentime nto pré-
vio, livre e infor mado. 2. O Sistema Interamerica no de Proteção aos Direitos Hu-
manos. 2.1 Caso Sarama ka. 3. Jurisprudência Latino A mericana. 4. A questão no
Brasil 4.1 Incorporação d a Convenção 169 no Brasil. 4.2 Licenciamento Ambien-
tal e CPLI. Consideraçõ es nais. Bibliograa.
INTRODUÇÃO
A incorporação das comunidades locais e das populações indígenas no
processo decisório relativo à extração dos recursos naturais tem sua origem
jurídica mais imediata, após a Segunda Guerra Mundial, pois a Carta das
Nações Unidas estabeleceu as duas bases fundamentais que possibilitaram o
fenômeno: 1) a prevalência dos Direitos Humanos e 2) a autodeterminação
dos povos, dando base ao posterior desenvolvimento de normas jurídicas
aptas a estabelecer mecanismos de consultas às comunidades afetadas por
projetos de grande impacto social e ambiental.
No âmbito do sistema das Nações Unidas, a Convenção nº 169 da Orga-
nização Internacional do Trabalho (“Convenção 169”) tem sido considerada
como um dos mais completos instrumentos de direito internacional sobre o
1 Doutor em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (1997), Mestre em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1982), Professor adjunto de Direito Ambiental
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Advogado e parecerista em Direito Ambien-
tal, Autor de diversos livros e artigos sobre Direito Ambiental.
2 Mestranda em Direito, Políticas Públicas e Sustentabilidade pela Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, Especialista em Direito Ambiental Brasileiro pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (2015) e Advogada na área ambiental.
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paulo de bessa antunes
solange s. alvares da cunha
regime jurídico aplicável aos povos indígenas e tribais no mundo, a qual cla-
ramente reconhece o direito dos povos indígenas a serem ouvidos, de forma
adequada, sobre todos os projetos capazes de impactar-lhes os territórios,
o modo de vida e que possam acarretar o seu deslocamento de suas terras.
O objetivo do presente artigo é trazer breves considerações a respeito
do consentimento prévio, livre e informado (“CPLI”) previsto na Conven-
ção 169. Há muitas incertezas sobre sua aplicação, sobretudo pela ausência
de regulamentação. É extremamente relevante entender em que situações o
CPLI deve ser efetivado e quais são as limitações deste instrumento. O tema
é altamente relevante, pois diante da clara necessidade de ampliação da in-
fraestrutura brasileira o que, necessariamente, implicará em impactos sobre
territórios indígenas e tradicionais.
1. BREVE HISTÓRICO INTERNACIONAL DO
CONSENTIMENTO PRÉVIO, LIVRE E INFORMADO
A Organização Internacional do Trabalho, em sua 76ª Conferência, em
1989, aprovou a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países
Independentes, que trata especicamente dos direitos dos povos indígenas e
tribais no mundo. Tal Convenção será tratada no item 4.1 do presente artigo.
Outras Convenções Internacionais trataram do consentimento pré-
vio. Destaca-se, por exemplo, a Convenção sobre Diversidade Biológica
(“CDB”) de 1992, que dispôs sobre a utilização dos conhecimentos tradicio-
nais associados à biodiversidade, que só seria permitida mediante concessão
de consentimento prévio livre e informado por parte das populações deten-
toras de tais conhecimentos, assegurada a repartição justa e equitativa dos
benefícios. A CDB tem como objetivos: (i) a conservação da diversidade
biológica; (ii) a utilização sustentável de seus componentes e (iii) a repar-
tição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos
genéticos, aplicando-se um critério de justiça.
O artigo 8º, alínea “j”, da CDB3 destaca algumas questões importan-
tes, tais como o (i) reconhecimento das comunidades locais e populações
indígenas como realidade social e cultural especícas e, por isso mesmo,
“relevantes à conservação” da diversidade biológica. Note-se o abandono
3 “Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, ino-
vações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais
relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais
ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e
práticas; e encorajar a repartição eqùitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimen-
to, inovações e práticas”
ALEXANDRE AHOEB_EMPREEN.indb 82 29/03/2017 15:32:38

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