A Construção Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho sobre o Dano Existencial e o Trabalho Intermitente

AutorMaria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos
Páginas186-230
186
186
Maria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos
V
V
A Construção Jurisprudencial
do Tribunal Superior do Trabalho
sobre o Dano Existencial e o
Trabalho Intermitente
5.1. O protagonismo da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho
para o reconhecimento do dano existencial: a densicação da
proteção à dignidade do trabalhador
O
O processo de redemocratização do Brasil e de reorganização dos movimentos populares
e dos partidos políticos abriu caminho para que a sociedade brasileira elegesse uma
Assembleia Nacional Constituinte que, em 1988, apresentou ao povo brasileiro uma Consti-
tuição da República avançada, promovendo um verdadeiro giro hermenêutico(507) no sistema
jurídico constitucional ao deslocar a proteção, até então centrada na propriedade, para o ser
humano, e ao estabelecer um grau de proteção maior aos trabalhadores, que alcança não
apenas a esfera material, mas também sua esfera imaterial, com destaque para seus direitos
extrapatrimoniais.(508)
A Constituição brasileira de 1988 consagrou o Estado Democrático de Direito(509)
como um novo paradigma e erigiu a pessoa humana com sua dignidade à centralidade do
(507) DELGADO, Gabriela Neves; BORGES, Lara Parreira de Faria. A revisitação do princípio da proteção pelo dis-
curso constitucional trabalhista no Tribunal Superior do Trabalho. In: DELGADO, Gabriela Neves; PIMENTA, José
Roberto Freire; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; LOPES, Othon de Azevedo (Coords.). Direito constitucional do
trabalho: princípios e jurisdição constitucional do TST. São Paulo: LTr, 2015. p. 39.
(508) Sobre a ressignicação do Princípio da Proteção após a promulgação da Constituição de 1988, consultar:
DELGADO, Gabriela Neves; BORGES, Lara Parreira de Farias. A revisitação do princípio da proteção pelo discurso
constitucional trabalhista no Tribunal Superior do Trabalho. In: DELGADO, Gabriela Neves; PIMENTA, José Roberto
Freire; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; LOPES, Othon de Azevedo (Coords.). Direito constitucional do traba-
lho: princípios e jurisdição constitucional do TST. São Paulo: LTr, 2015. p. 38-39
(509) O conceito de Estado Democrático de Direito “constrói-se em torno de três eixos centrais: a pessoa humana
e sua dignidade; a sociedade política, democrática e inclusiva; a sociedade civil também democrática e inclusiva”.
6239.5 - O Dano Existencial nas Relações de Trabalho Intermitentes.indd 1866239.5 - O Dano Existencial nas Relações de Trabalho Intermitentes.indd 186 09/07/2020 14:26:5109/07/2020 14:26:51
O Dano Existencial nas Relações de Trabalho Intermitentes
187
187
.
.
ordenamento jurídico, adotando essa matriz conceitual explícita ou implicitamente em seus
princípios e regras, assegurando direitos fundamentais individuais e coletivos e incluindo
o Direito do Trabalho em seu núcleo central de direitos fundamentais. Essa conquista, no
contexto de uma sociedade democrática, implica no direito fundamental a um trabalho
digno(510), conceito complexo e permeado de historicidade, mas essencial, na medida em
que o trabalho protegido tem papel fundante na construção da identidade do homem e no
seu ser social.
O reconhecimento do valor social do trabalho como fundamento da República e a
constitucionalização dos direitos trabalhistas individuais e coletivos redimensionaram o
Princípio da Proteção, matriz principiológica do Direito do Trabalho moldada na década
de 1940 pela Consolidação das Leis do Trabalho, e expandiram a proteção social aos tra-
balhadores, construindo um novo cenário — democrático e progressista — favorável ao
fortalecimento das ações em direção à concretização do direito fundamental ao trabalho
digno.(511)
A Constituição Federal de 1988 ampliou o papel atribuído à Justiça do Trabalho, vin-
culando a interpretação e aplicação do direito ao paradigma do Estado Democrático de
Direito, ao valor social do trabalho e à justiça social. Neste sentido, a Justiça do Trabalho
constitui um instrumento apto a contribuir para a concretização da dignidade do ser hu-
mano e dos direitos fundamentais, atuando na regulação dos conitos de interesse entre
capital e trabalho.
Para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais constitucionalizados, a Lei n. 7.701,
de 1988, incluiu, no art. 896, “c”, da CLT(512), a possibilidade de o Tribunal Superior do
Trabalho, instância máxima da Justiça do Trabalho, conhecer dos recursos de revista por
violação a dispositivos da Constituição da República. Posteriormente, a Lei n. 9.756 de 1988
alterou a redação da alínea “c” do art. 896 da CLT, para que o Tribunal conhecesse recursos
em decisões “(...) proferidas com violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta
e literal à Constituição Federal.
In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais:
dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 53.
(510) Conforme conceito de Gabriela Neves Delgado. In: DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao traba-
lho digno. São Paulo: LTr, 2006. passim.
(511) Para Gabriela Neves Delgado e Lara Parreira de Faria Borges, “A Constituição de 1988, num projeto de forte
matiz humanista e social, provoca uma revisitação do Princípio da Proteção ao promover, em grande medida, u-
xos de proteção ao trabalho humano fundados simultaneamente em uma visão inclusiva de Democracia e abran-
gente de direitos fundamentais”. A revisitação do princípio da proteção pelo discurso constitucional trabalhista
no Tribunal Superior do Trabalho. DELGADO, Gabriela Neves; BORGES, Lara Parreira de Faria. In: DELGADO, Gabrie-
la Neves; PIMENTA, José Roberto Freire; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; LOPES, Othon de Azevedo (Coords.).
Direito constitucional do trabalho: princípios e jurisdição constitucional do TST. São Paulo: LTr, 2015. p. 40.
(512) Art. 896 – Cabe Recurso de Revista para Turma do Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas em
grau de recurso ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando: (Redação dada
c) proferidas com violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal.
(Redação dada pela Lei n. 9.756, de 1998)
6239.5 - O Dano Existencial nas Relações de Trabalho Intermitentes.indd 1876239.5 - O Dano Existencial nas Relações de Trabalho Intermitentes.indd 187 09/07/2020 14:26:5109/07/2020 14:26:51
188
188
Maria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos
O dever de fundamentação das decisões judiciais com esteio na Constituição de 1988
e de reformar as decisões regionais que violem os dispositivos constitucionais conferem ao
Tribunal Superior do Trabalho o caráter de instituição jurídica essencial para a conquista
do direito a um trabalho digno, a partir da possibilidade de suas decisões imprimirem uma
hermenêutica que submeta os contratos de trabalho e a legislação infraconstitucional tra-
balhista à lógica da Constituição.
Assim, se a dignidade humana é um constructo que constitui um novo paradigma
norteador de todo o ordenamento jurídico brasileiro, tal conceito passa por uma constante
dinâmica de aprimoramento, que agrega a ele novos signicados e valores, de acordo com
o contexto histórico de desenvolvimento econômico, político e jurídico da sociedade. O
próprio Princípio da Proteção passa a ser ressignicado de acordo com a ordem consti-
tucional, a partir de uma interpretação fundada em um discurso constitucional baseado
em “parâmetros de racionalidade(513), que enfatize, na argumentação jurídica, o “enfoque
multidimencional”(514) existente nas relações de trabalho, destacando tanto o sujeito traba-
lhador, quanto o objeto trabalho e o meio ambiente laboral. Sendo assim
Em razão da primazia do Texto Constitucional como fonte normativa do orde-
namento jurídico brasileiro e da competência de Corte Constitucional atribuída
ao TST, o desenho das decisões judiciais demanda uma organização topográca
que priorize os dispositivos da Constituição Federal de 1988, para que não sejam
produzidos discursos herméticos, excludentes e carentes de reconhecimento
protetivo aos trabalhadores.(515)
A aprovação da Emenda Constitucional n. 45/2004 imprimiu nova redação ao art. 114
da Constituição Federal e fortaleceu a Justiça do Trabalho, ampliando para todas as relações
de trabalho e passando ainda a atribuir expressamente ao Poder Judiciário Trabalhista a
competência para processar e julgar ações em que se discute a indenização por danos mo-
rais e materiais oriundos da relação de trabalho lato sensu.(516)
O Tribunal Superior do Trabalho, composto por 27 Ministros desde a Emenda Cons-
titucional n. 24/1999, tratou então de estabelecer um novo padrão de proteção à dignidade
do trabalhador, analisando processos em que se discute a violação de direitos fundamentais
que ensejam reparação por resultarem em danos morais em todo o território nacional.
A garantia do direito à reparação integral de danos materiais e extrapatrimoniais
constitui importante avanço da Constituição Federal. A jurisprudência trabalhista tem con-
tribuído signicativamente para a construção do conteúdo essencial desses novos direitos,
identicando as lesões aptas a ensejar a reparação do dano moral nas relações de trabalho.
(513) DELGADO, Gabriela Neves; BORGES, Lara Parreira de Farias. A revisitação do princípio da proteção pelo dis-
curso constitucional trabalhista no Tribunal Superior do Trabalho. In: DELGADO, Gabriela Neves; PIMENTA, José
Roberto Freire; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; LOPES, Othon de Azevedo (Coords.). Direito constitucional do
trabalho: princípios e jurisdição constitucional do TST. São Paulo: LTr, 2015. p. 42.
(514) Idem.
(515) Ibidem, p. 46.
(516) Art. 114: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: VI – as ações de indenização por dano moral ou
patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004)
6239.5 - O Dano Existencial nas Relações de Trabalho Intermitentes.indd 1886239.5 - O Dano Existencial nas Relações de Trabalho Intermitentes.indd 188 09/07/2020 14:26:5109/07/2020 14:26:51

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT