O Direito Fundamental ao Trabalho Digno na Plataforma do Estado Democrático de Direito

AutorMaria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos
Páginas27-55
O Dano Existencial nas Relações de Trabalho Intermitentes
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O Direito Fundamental ao
Trabalho Digno na Plataforma
do Estado Democrático de
Direito
1.1. Traçados históricos da dinâmica de armação de direitos
fundamentais no Estado Democrático de Direito
A
A história do constitucionalismo ocidental apresenta três marcos paradigmáticos(8) em
seu desenvolvimento: o Estado Liberal Primitivo (ou Estado Liberal de Direito), a
partir da segunda metade do século XVIII; o Estado Social de Direito, estabelecido a partir
de Constituições que promoveram a transição para a Democracia, no início do século XX;
(8) Para José Joaquim Gomes Canotilho, paradigma consiste em um “[...] consenso cientíco enraizado quanto
às teorias, modelos e métodos de compreensão do mundo”. In: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e
teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999. p. 6. Para Thomas Kuhn paradigmas são “as realizações cientícas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma ciência”. In: KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções cientícas. 5. ed. São
Paulo: Perspectiva, 1997. p. 13. Menelick de Carvalho Netto, a partir da obra de Thomas Kuhn, se refere ao duplo
aspecto do conceito de paradigma, armando que: “Por um lado, (o conceito de paradigma) possibilita explicar
o desenvolvimento cientíco como um processo que se verica mediante rupturas, através da tematização e
explicitação dos aspectos centrais dos grandes esquemas gerais de pré-compreensões e visões-de-mundo, con-
substanciados no pano-de-fundo naturalizado de silêncio assentado nas gramáticas de práticas sociais, que a um
só tempo tornam possível a linguagem, a comunicação e limitam e condicionam o nosso agir e a nossa percep-
ção de nós mesmos e do mundo. Por outro lado, também padece de óbvias simplicações, que só são validas na
medida em que permitem que se apresentem essas grades seletivas gerais pressupostas nas visões-de-mundo
prevalecentes e tendencialmente hegemônicas em determinadas sociedades por certos períodos de tempo e em
contextos determinados”. In: CARVALHO NETTO, Menelick de. Da responsabilidade da administração pela situa-
ção falimentar de empresa privada economicamente viável por inadimplência ou retardo indevido na satisfação
dos valores contratados como contraprestação por obras realizadas — ilícito de Estado — igualdade de todos
diante dos encargos públicos – princípio da continuidade da empresa — Estado Democrático de Direito. Revista
da Ordem dos Advogados do Brasil, Brasília, p. 127, jul./dez. 1996, p. 43.
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e o Estado Democrático de Direito, marco contemporâneo do constitucionalismo, edicado
após a Segunda Guerra Mundial.(9)
O Estado Liberal de Direito surgiu em oposição ao poder absolutista do Estado, e teve
como resultado a armação das liberdades e dos direitos individuais — denominados de
“primeira dimensão” ou “primeira geração” — e o reconhecimento dos direitos políticos.
Embora importantes conquistas tenham sido alcançadas, as liberdades do Estado Liberal
eram privilégio das elites proprietárias. O Estado Liberal de Direito irá enfatizar o valor da
liberdade, cujo fundamento teórico se assentou na propriedade privada dos meios de produ-
ção. Em razão dessa valoração, foram estabelecidos critérios excludentes para o exercício dos
direitos políticos, que consistiam numa prerrogativa dos proprietários que comprovassem
um padrão mínimo de rendimentos.(10)
A máxima do liberalismo, “laissez faire, laissez passer” considerava, teoricamente, a
igualdade entre as partes contratantes e ignorava a assimetria existente entre proprietários
e trabalhadores, pregando a completa omissão do Estado na regulação dos contratos de tra-
balho. Por essa lógica de igualdade formal, caberia ao Direito Civil e às teorias contratualistas
clássicas regular o contrato de trabalho. Na perspectiva do Estado Liberal de Direito, aos
intérpretes da lei restava exclusivamente a aplicação mecânica do texto, de forma a assegu-
rar o sentido da segurança jurídica.(11)
Sobre o paradigma do Estado de Direito, Menelick de Carvalho Netto ressalta que:
O paradigma do Estado de Direito, ao limitar o Estado à legalidade, ou seja, ao
requerer que a lei discutida e aprovada pelos representantes da melhor sociedade
autorize a atuação de um Estado mínimo, restrito ao policiamento para assegurar
a manutenção do respeito àquelas fronteiras anteriormente referidas e, assim,
garantir o livre jogo da vontade dos atores sociais individualizados, vedada a
organização corporativo-coletiva, congurava, aos olhos dos homens de então,
um ordenamento jurídico de regras gerais e abstratas, essencialmente negativas,
que consagram os direitos individuais de 1a geração, uma ordem jurídica liberal
clássica.(12)
Ao Estado era proibida qualquer intervenção na economia, tanto para regular o mercado,
quanto para estabelecer alguma forma de proteção a grupos ou atividades.(13) Foi no marco
(9) DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais:
dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 26. (Grifos do autor)
(10) Ibidem, p. 21. (Grifos acrescidos).
(11) Ibidem, p. 20-22.
(12) CARVALHO NETTO, Menelick de. O requisito essencial da imparcialidade para a decisão constitucionalmente
de um caso concreto no paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte, Procuradoria-
-Geral do Estado de Minas Gerais, v. 1, n. 1, p. 103, jan./jun. 1999.
(13) Conforme as premissas estabelecidas por seu principal ideólogo, Adam Smith, apresentadas na obra “Inves-
tigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”. SMITH, Adam. Investigação sobre a natureza e as
causas da riqueza das nações. Trad. Conceição Jardim, Maria do Carmo Cary, Eduardo Lúcio Nogueira e Rolf Kuntz.
2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores) apud DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO;
Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2012. p. 21.
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