O consumidor na era digital

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O CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
O desenvolvimento das tecnologias permitiu que consumidores ganhassem po-
der de negociação, alterando o seu comportamento principalmente no meio digital.
Há uma maior oportunidade de obter informação para uma tomada consciente de
decisões, o que ocorre por meio de ferramentas na Internet que permitem a análise
dos produtos e serviços oferecidos pelas empresas em momento anterior à compra.
Como consequência, é possível mencionar um empoderamento do consumidor virtual.
Por outro lado, empresas passaram a coletar e analisar dados pessoais, perso-
nalizando produtos e serviços, como ocorre com a publicidade direcionada. Essa
dinâmica, com o auxílio de técnicas de marketing, inf‌luencia na tomada de decisão
dos consumidores, motivo pelo qual se destacam os ensinamentos da Economia
Comportamental, na qual se destacam na presente pesquisa os autores Daniel Kah-
neman, Richard H. Thaler e Cass R. Sustein.
Além da publicidade direcionada, algoritmos têm a capacidade de elaborar preços
personalizados compatíveis com o seu preço de reserva ou até mesmo modif‌icá-lo a
partir da análise do comportamento online do consumidor. Com isso, estima-se quanto
cada indivíduo pretende pagar por determinado produto ou serviço, permitindo que
empresas captem valor excedente entre o preço não personalizado do produto e a quan-
tia que o consumidor paga, bem como expandir a produção, atingindo consumidores
que pretendem pagar menor valor, como será visto no Capítulo 3.
O presente Capítulo pretendeu descrever as alterações no comportamento do
consumidor digital, alguns dos instrumentos que auxiliam em seu empoderamento,
cuja análise descritiva toma como eixo central documentos da OCDE e da Conferên-
cia das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e a dinâmica
da força adquirida pelos indivíduos diante das transformações tecnológicas.
Além disso, pretendeu-se identif‌icar as suas vulnerabilidades como titular de
dados pessoais em plataformas digitais e, posteriormente, adentrar no conceito de
criação de perf‌is de consumo e comportamento, que se mostrará a base para a com-
preensão da prática de preços personalizados, objeto central da presente pesquisa.
2.1 CARATERÍSTICAS E NECESSIDADES DO CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
No ambiente digital estão contempladas diferentes gerações de consumidores,
sendo difícil uma uniformização de seus comportamentos e suas características. No
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entanto, há a possibilidade de separá-los em grupos para f‌ins elucidativos, relacio-
nados com o momento em que cada geração teve contato com o universo digital1.
O primeiro grupo é composto pelos indivíduos nascidos antes da década de 80,
chamados “imigrantes digitais”. Esses consumidores cresceram em um mundo não
conectado, conhecendo as redes sociais já adultos de forma que, principalmente
para os que não são tão jovens, há uma maior dif‌iculdade de uso de tais tecnologias.
A mídia tradicional composta, por exemplo, pela televisão, rádios, jornais e revistas
impressas, representa, portanto, a principal fonte de informação para tais indivíduos.
O segundo grupo é formado por pessoas nascidas entre os anos de 1981 e 1996,
composto por indivíduos que tinham de 8 a 23 anos quando surgiu a rede social
Facebook. Trata-se da “geração milênio” que aprendeu a utilizar a internet cedo,
que se tornou uma das principais ferramentas em âmbito prof‌issional. Tal grupo se
caracteriza por um uso prioritário das tecnologias digitais e uma forte conectividade,
sendo consumidores muito inf‌luenciáveis pelas mídias online.
O último grupo é composto por indivíduos nascidos a partir de 1997, ou seja,
no momento da ascensão das redes sociais, eram ainda crianças. São chamados de
“nativos digitais”, pois a tecnologia digital sempre esteve em suas vidas desempe-
nhando as mais variadas funções. Trata-se de uma geração que vê o mundo através
da sua conectividade.
Juntos, esses grupos de consumidores buscam na Internet basicamente três
necessidades, que podem ser resumidas em informação, entretenimento e relacio-
namento, conforme elucida Torres2-3.
Em busca da primeira, ao acessar a Internet, o consumidor pode rapidamente
encontrar respostas por meio de uma plataforma de busca ou, até mesmo, ferra-
mentas de buscas dentro de outras plataformas, como ocorre nas redes sociais
Facebook e LinkedIn. Também foram criados websites que compilam informações
como o Linguee4 para idiomas e a Wikipedia5 para diversos assuntos, funcionando
como uma enciclopédia colaborativa. Assim, alguns aplicativos e websites surgem
1. Cf. TORRES, Claudio. A Bíblia do Marketing Digital: tudo o que você queria saber sobre marketing e
publicidade na internet e não tinha a quem perguntar. 2. ed. atual. ampl. São Paulo: Novatec, 2018, n.p.
Disponível em: . Acesso em: 01 jun. 2020.
2. Cf. TORRES, Claudio. A Bíblia do Marketing Digital: tudo o que você queria saber sobre marketing e
publicidade na internet e não tinha a quem perguntar. 2. ed. atual. ampl. São Paulo: Novatec, 2018, n.p.
Disponível em: < https://bit.ly/2ZwRZYc>. Acesso em: 01 jun. 2020.
3. Vale ressaltar que com a pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2 desde 2020, indivíduos passaram a
buscar na Internet ainda mais necessidades, que não necessariamente estariam resumidas em informa-
ção, entretenimento e relacionamento. Uma delas está relacionada à esfera prof‌issional. Acredita-se que
esse movimento seja irreversível e que indivíduos continuem utilizando a Internet para suprir diferentes
necessidades do seu dia a dia.
4. Cf. DEEPL. LINGUEE, c2020. Dicionário inglês-português. Disponível em:
br/>. Acesso em: 16 set. 2020.
5. Cf. WIKIPEDIA. Wikipedia, c2020. A Enciclopédia Livre. Disponível em:
Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal>. Acesso em: 16 set. 2020.
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como um local reconhecido por determinado produto ou serviço. O Booking6, por
exemplo, é uma plataforma de busca de viagens que se transformou em aplicativo
digital, da mesma forma que o Instagram7, aplicativo de fotos, se tornou referência
para a moda.
Nesse contexto, quanto maior a oferta de conteúdo na plataforma, mais
consumidores são atraídos, suprindo suas necessidades de informação. Como
consequência, são aliciados mais produtores de conteúdo. Forma-se, assim, um
ciclo virtuoso sob uma perspectiva econômica – quanto mais consumidores, mais
produtores.
Já na busca por entretenimento, o consumidor acessa conteúdo em uma velo-
cidade antes inexistente, sem fronteiras espaciais, seja de grandes produtores ou de
outros indivíduos. Uma das características desse universo digital é a transmissão
digital, conhecida como streaming, que substituiu a compra de CDs, MP3s, MP4s e
Ipods pela existência de um aplicativo de músicas nos celulares, tablets e notebooks.
Da mesma forma, o streaming alterou a dinâmica de compra e aluguéis de DVDs,
substituindo-a pelo uso de plataformas como o Netf‌lix, já inseridas como sugestão
nas televisões mais recentes.
Por f‌im, o relacionamento é facilitado na Internet pela existência das redes
sociais, que tem como uma de suas principais características a comunicação instan-
tânea. Esta realiza-se, por exemplo, por intermédio de bate-papos que substituíram
cartas, telefonemas, mensagens de texto e, até mesmo, e-mails. Essas redes sociais,
junto com websites colaborativos, formam as mídias sociais, auxiliando na busca por
relacionamento por meio da criação de uma sensação de comunidade ao aproximar
os indivíduos virtualmente. É possível incluir relações de trabalho nesta categoria,
principalmente a partir da pandemia iniciada em 2020 pelo Sars-Cov-2.
Nesse cenário da economia digital, diante das três necessidades buscadas, o
consumidor encontra ferramentas para alterar o seu comportamento e se empode-
rar, tornando-se um sujeito ativo e mais consciente na tomada de decisões, o que
pode impactar na dinâmica publicitária das empresas, conforme será visto a seguir.
2.1.1 As alterações no comport amento do consumidor e o seu
empoderamento
Uma das alterações causadas pelo advento da Internet está relacionada à mu-
dança de paradigma no papel do consumidor, tornando-o um sujeito mais ativo nas
mídias digitais. Por esse motivo, esse indivíduo passa a ser reconhecido como um
6. Cf. BOOKING. Booking.com, c1996-2020. Disponível em: . Acesso em: 16
set. 2020.
7. Cf. INSTAGRAM. Instagram, c2020. Disponível em: .instagram.com/>. Acesso em: 16 set.
2020.
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“prosumidor”, que não apenas consome, mas produz conteúdo8. De acordo com
Bioni:
O consumidor deixa, portanto, de ter uma posição meramente passiva no ciclo do consumo.
Ele passa a ter uma participação ativa, que condiciona a própria confecção, distribuição e, em
última análise, a segmentação do bem de consumo, transformando-se na gura do prosumer.
O consumidor não apenas consome (consumption), mas, também, produz o bem de consumo
(production): prosumer9.
Esse novo consumidor emerge representando um indivíduo racional que tem
conhecimento sobre produtos e serviços e participa ativamente no mercado ao com-
partilhar suas experiências e seu conhecimento para ajudar terceiros na redução de
incertezas. Ou seja, o indivíduo compra determinado produto e transcreve a sua
opinião em uma rede social, o que pode inf‌luenciar positiva ou negativamente outro
consumidor sobre o item.
Com o crescimento exponencial de plataformas de publicação de conteúdo,
mídias e redes sociais, a tecnologia digital passou a ser apenas um apoio para ações
de indivíduos conectados. Nesse sentido, Torres exemplif‌ica:
O movimento gerado pela produção e pelo consumo independente de conteúdo e pelas mídias e
redes sociais, transformou a percepção das pessoas que aos poucos passaram de sujeitos passivos
a pessoas ativas nas mídias sociais. As pessoas abandonaram os jornais e as revistas, passando a
ler blogs. Deixaram de ler livros impressos e começaram a ler eBooks. Descobriram novos talen-
tos, mais adequados aos seus gostos, ouvindo música online ou assistindo a vídeos no YouTube.
Mais que isso, elas passaram a se comunicar diretamente com os blogueiros, escritores, músicos
e atores das obras que consumiam e também podiam produzir os próprios conteúdos, inspiradas
por sua experiência online10.
Depreende-se, assim, que a Internet se tornou um elo criativo entre as pessoas. Como resultado,
aumenta-se o poder de negociação do consumidor que alcança ferramentas por meio de comu-
nidades virtuais livres de espaço e tempo, bem como a facilidade em encontrar informações e a
instantaneidade na comunicação.
O desenvolvimento das tecnologias reforçou a mobilidade do conteúdo, po-
sicionando o consumidor como foco da mídia, que passou a ter possibilidade de
encontrar informação útil e relevante para a tomada e decisões por uma busca na
Internet11. Conf‌igurou-se, assim, uma alteração de comportamento do consumidor,
8. Cf. OFFICE OF COMPETITION AND CONSUMER PROTECTION – OCCP. Awareness of Consumer Rights
and Analysis of Barriers Preventing Consumers from Safe and Satisfactory Participation in the Market. Warsaw:
[s. n.], dez. 2009. Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2016.
9. BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 15.
10. TORRES, Claudio. A Bíblia do Marketing Digital: tudo o que você queria saber sobre marketing e publicidade
na internet e não tinha a quem perguntar. 2. ed. Atual. Ampl. São Paulo: Novatec, 2018, n.p. Disponível
em: . Acesso em: 01 jun. 2020.
11. Ressalva-se a dif‌iculdade de absorção de todas as informações e da existência de conteúdos inverídicos na
Internet, o que pode se tornar um empecilho para a tomada de decisão de forma informada e consciente,
conforme será visto no item 2.2.
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que passou a dispor de um arsenal de ferramentas para buscas, análises e compara-
ções para uma tomada mais consciente de decisões12.
Tais consumidores se mostram mais informados e têm uma função ativa em
mercados digitais, podendo direcionar até mesmo a concorrência13. Nesse cenário,
são encorajados a assumir uma postura distinta, com maior poder – mas não abso-
luto – para def‌inir suas preferências a produtos, ofertas e valores, principalmente
em mercados que não sejam altamente concentrados. Por outro lado, tal poder do
consumidor pode encontrar obstáculos em mercados em que não há pulverização
de agentes econômicos, como o de transporte aéreo de passageiros no Brasil ou de
telefonia móvel.
Posto isso, as ações de marketing se tornam alvo de alterações, devendo se
adaptar aos desejos desse novo modelo de consumidor14. Assim, empresas ga-
nharam ferramentas para interagir diretamente com os indivíduos por meio do
marketing digital. Esse modelo permite que sejam feitas publicidades por meio de
canais diretos com clientes, inf‌luenciando, inclusive, em seu engajamento15. Nesse
sentido, Kotler et al. explicam um dos papeis do marketing digital, que é a função
de promover resultados.
O papel mais importante do marketing digital é promover a ação e a defesa da marca. Como
o marketing digital é mais controlável do que o marketing tradicional, seu foco é promover
resultados, ao passo que o foco do marketing tradicional é iniciar a interação com os clientes16.
De acordo com os autores, após o marketing centrado no produto (1.0), o
marketing voltado ao consumidor (2.0) e o marketing voltado ao ser humano (3.0),
a sociedade se insere em um marketing 4.0, em que há o cruzamento do marketing
tradicional e do digital, dos mundos online e off‌line. Esse novo modelo está carac-
terizado pela atuação conjunta das mídias tradicionais com as mídias digitais na
tentativa de engajar o consumidor a defender a marca e a empresa17.
Este marketing 4.0 está relacionado às mudanças sociais ocorridas principal-
mente no f‌inal do século XX, entre as quais se destaca a revolução digital, que in-
12. Cf. TORRES, Claudio. A Bíblia do Marketing Digital: tudo o que você queria saber sobre marketing e pu-
blicidade na internet e não tinha a quem perguntar. 2. ed. Atual. Ampl. São Paulo: Novatec, 2018, n.p.
Disponível em: . Acesso em: 01 jun. 2020.
13. Cf. MADILL, John; MEXIS, Adrien. Consumers at the Heart of EU Competition Policy. Competition Policy
Newsletter, [s. l.], n. 1, p. 27, 2009. Disponível em:
pdf>. Acesso em: 15 set. 2020.
14. Cf. DA CUNHA MAYA, Paulo Cesar; OTERO, Walter Ruben Iriondo. A inf‌luência do consumidor na era
da internet. Revista da FAE, [s. l.], v. 5, n. 1, p. 3 e 5, 2002.
15. Cf. TORRES, Claudio. A Bíblia do Marketing Digital: tudo o que você queria saber sobre marketing e
publicidade na internet e não tinha a quem perguntar. 2. ed. Atual. Ampl.São Paulo: Novatec, 2018, n.p.
Disponível em: . Acesso em: 01 jun. 2020.
16. KOTLER, Philip, KARTAJAYA, Hermawan, SETIAWAN, Iwan. Marketing 4.0: Do tradicional ao digital.
Rio de Janeiro: GMT, 2017. p. 80.
17. Cf. KOTLER, Philip, KARTAJAYA, Hermawan, SETIAWAN, Iwan. Marketing 4.0: Do tradicional ao digital.
Rio de Janeiro: GMT, 2017. p. 70-71.
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f‌luenciou na criação de um consumidor que se encontra com tempo escasso e acesso
ilimitado a conteúdo, sendo necessária a conquista da sua conf‌iança a todo momento.
Essa dinâmica tende a tornar a segmentação tradicional de marketing obsoleta,
como os anúncios em massa que eram feitos sem direcionamento. Substitui-se tal
dinâmica por aquelas que consideram características específ‌icas e individuais do
consumidor, predizem seu comportamento e preferências18. Este é o entendimento
de Bridges e Lewis:
A segmentação, conforme foi conduzida historicamente pelos prossionais de marketing, aca-
bou. O futuro da segmentação reside nos dados já coletados em sistemas computadorizados das
organizações. Os dados históricos de quem compra produtos individuais é a chave para a criação
de modelos que predizem o comportamento futuro19.
Assim, a comunicação linear anteriormente propagada pelas televisões, rádios
e jornais impressos é substituída pela exploração interativa de produtos e serviços20,
que passaram a ser adquiridos após análise de recomendações e comparações de
preços. Tal fato exemplif‌ica o surgimento de uma autonomia fortif‌icada no processo
decisório do consumidor, advinda em parte das pesquisas realizadas por meio da
Internet21.
Os smartphones também auxiliam no consumo instantâneo de informação,
marcado pela preferência a textos curtos e por um comportamento multitarefas de
um consumidor que pretende se conectar com o fornecedor independentemente
de horário ou local. Assim, torna-se necessário um espaço interativo e instantâneo
com a empresa, sem intermediários retardando o processo, como vendedores22.
Nesse cenário, o consumidor, que é fruto do uso intenso das tecnologias de
informação e comunicação, se mostra um indivíduo conectado, mais interativo,
comunicativo, reivindicativo e opinativo23. Conf‌irma-se o conceito de aldeia glo-
bal de Marshall McLuhan, que previa que indivíduos dos mais diversos lugares
trocariam informações constantemente, conectados entre si o tempo todo, em uma
grande comunidade24. Há uma tendência à inclusão, com a derrubada de barreiras
18. Cf. SANTOS, Maria Stella Galvão. O consumidor em tempos de compartilhamento e acesso virtual. Revista
Intercom, Recife, p. 10, jun. 2012.
19. BRIDGES, Darren; LEWIS, David. A alma do novo consumidor. São Paulo: M. Books, 2004. p. 72.
20. Cf. BAIRON, Sérgio; KOO, Lawrence. As formas de vida e do consumo digital e do consumo tradicional.
Signos do Consumo, [s.l.], v. 4, n. 1, p. 125-134, 2012. Disponível em: .periodicos.usp.br/
signosdoconsumo/article/view/49983>. Acesso em: 16 set. 2020.
21. Cf. CORRÊA, Elisa Cristina Delf‌ini. Consumidor de informação 3.0. In: DO PRADO, Jorge (org.). Ideias
Emergentes em Biblioteconomia, São Paulo: FEBAB, v. 1306, p. 59, 2016.
22. Cf. CORRÊA, Elisa Cristina Delf‌ini. Consumidor de informação 3.0. In: DO PRADO, Jorge (org.). Ideias
Emergentes em Biblioteconomia, São Paulo: FEBAB, v. 1306, p. 64, 2016.
23. Cf. CRUZ, Patrícia. Como lidar com as exigências do consumidor 3.0. Jornal de Negócios, São Paulo, ed.
275, p. 7, mar. 2017. Disponível em: -
C3%ADcias/Jornal%20de%20Neg%C3%B3cios/2017/JN275_marco.pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
24. Cf. McLUHAN, Marshall. The medium is the massage: an inventory of effects. Corte Madera: Berkeley
Gingko Press, 2001.
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geográf‌icas e demográf‌icas, bem como ao social, vez que os consumidores têm sido
impelidos por um desejo de conformidade, em que há grande preocupação com o
pensamento coletivo25.
Ademais, consumidores estão adotando uma orientação mais horizontal,
conf‌iando mais na opinião coletiva do que no marketing das empresas26. Isso traz o
desaf‌io de as empresas construírem sua reputação em relação à comunidade, com
presença em várias mídias, o que se faz por meio de uma publicidade mais elaborada.
Uma pesquisa realizada pela Deloitte27 apontou que esse novo consumidor
está intimamente ligado a alguns fatores, como a sua própria disrupção em relação
à velocidade e à conveniência. A espera de cinco minutos em uma f‌ila no banco,
por exemplo, não é suportada da mesma forma como ocorria há alguns anos. Atual-
mente, instituições f‌inanceiras digitais respondem qualquer demanda mesmo fora
do horário comercial.
Adiciona-se a isso a disrupção tecnológica, que atingiu o varejo como um
todo. Essa modif‌icação foi observada quando 34% dos consumidores entrevistados
af‌irmaram que pesquisam o produto que pretendem comprar usando um dispo-
sitivo móvel enquanto estão na loja física. Além disso, a tecnologia permite que o
atendimento ao consumidor seja personalizado seja por e-mail, telefone, chatbot
ou presencialmente28.
Ainda de acordo com a Deloitte, a disrupção da competição é o terceiro fator
que contribui para a formação desse novo consumidor. Em alguns mercados, graças
à derrubada de fronteiras espaciais, foi-se de um cenário competitivo estável e com
poucos agentes para um cenário em que empresas concorrem com outras milhares,
sejam elas físicas ou online.
Por f‌im, a disrupção econômica é representada pela existência de novas pressões
de despesas e receitas às empresas diante da necessidade de constante atualização
para não se tornarem obsoletas em um universo digital em constante mudança.
Pesquisadores demonstraram que essas alterações permitiram que o consumidor
ganhasse certo poder, o que se deve, principalmente, a quatro fontes de energia con-
25. Cf. KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 4.0: Do tradicional ao digital.
Rio de Janeiro: GMT, 2017. p. 18 e 27.
26. Cf. KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 4.0: Do tradicional ao digital.
Rio de Janeiro: GMT, 2017. p. 29.
27. Cf. HOGAN, Kevin. Consumer Experience in the Retail Renaissance: How Leading Brands Build a Bedrock
with Data. Deloitte Digital, [s. l.], 06 jun. 2018. Disponível em:
blog-list/2018/consumer-experience-in-the-retail-renaissance--how-leading-brand.html>. Acesso em: 15
set. 2020.
28. Cf. SALESFORCE. Salesforce Unwraps its 2017 Connected Shoppers Report. Salesfore blog, [s. l.], 26 set.
2017. Disponível em: ce.com/blog/2017/09/salesforce-2017-connected-shoppers-
-report>. Acesso em: 16 set. 2020.
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comitantes: a demanda e a informação, que são fontes individuais, enquanto a rede
e o público, que derivam de um universo mais dinâmico e complexo29. Explica-se.
De acordo com Labrecque et al., o empoderamento do consumidor baseado na
demanda se relaciona com a abertura da infraestrutura. Isso permite que o acesso
seja distribuído e compartilhado, enquanto seu desenho interativo fornece dife-
rentes meios de interação e tipos de relacionamentos, impactando na atratividade
geral da rede.
Já o empoderamento fundado em informações está relacionado às habilidades já
mencionadas dos usuários de consumirem e produzirem conteúdo simultaneamente.
Com isso, facilita-se o acesso às informações de produtos e serviços e aumenta-se a
difusão de outras informações. Essa produção de conteúdo fornece uma saída per-
mite que o consumidor se expresse e amplie seu alcance para inf‌luenciar terceiros
e o próprio mercado.
A terceira fonte de empoderamento é a rede, centrada na possibilidade de
construção de reputação pessoal e de inf‌luência dos mercados por meio do con-
teúdo digital disponibilizado, aprimorado ou produzido. Tal fonte é visivelmente
perceptível em redes sociais, a exemplo dos inf‌luenciadores digitais com milhões
de seguidores nas plataformas Instagram, YouTube e TikTok.
Como última fonte de empoderamento do consumidor, Labrecque et al. desta-
cam o público, com capacidade de reunir, mobilizar e estruturar recursos benef‌ician-
do tanto usuários individualizados como grupos de pessoas. Isso ref‌lete a agregação
de todas as bases de empoderamento anteriores visando ao alinhamento da energia
em torno dos interesses de indivíduos e de comunidades virtuais.
Esse consumidor empoderado está ligado à inovação, à produtividade e à com-
petição, a partir da educação e capacidade de acessar informações para a tomada de
melhores decisões, principalmente em mercados pulverizados30-31. Vistas as fontes
de empoderamento, apresentam-se seus pilares: habilidades de consumo, conheci-
mento dos direitos do consumidor e engajamento para mantê-lo32.
29. Cf. LABRECQUE, Lauren I. et al. Consumer power: Evolution in the digital age. Journal of Interactive
Marketing, [s. l.], v. 27, n. 4, p. 258, 2013.
30. O empoderamento do consumidor pode encontrar maiores obstáculos em mercados altamente concentra-
dos, tendo em vista o poder exercido pelas empresas que têm poder econômico nesses cenários. Um dos
motivos que explica tal ponderação é o fato de que o meio da oferta tende a pouco inf‌luenciar na capacidade
de escolha do consumidor, que se vê limitado às condições expostas.
31. Cf. UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPENT - UNCTAD. The benef‌it of com-
petition policy for consumers. Proceedings of the United Nations Conference on Trade and Development.
Geneva: United Nations, p. 12-16, 8–10 jul. 2014.
32. Cf. NARDO, Michela et al. The Consumer Empowerment Index. A Measure of Skills, Awareness and
Engagement of European Consumers. Munich Personal RePEc Archive, Luxemburgo, n. 30711, 05 maio
2011. Disponível em:
sumer_empowerment_en.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2016.
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Como primeiro pilar, cabe ao consumidor explorar habilidades na utilização
das ferramentas disponíveis online para entender as opções disponíveis no mercado.
Isso é possível por meio da comparação de ofertas, buscas de promoções, contato
com assistentes, canais de atendimento e reclamação etc. Assim, empoderados,
consumidores poderão explorar e identif‌icar melhores preços, produtos e serviços,
bem como fazer escolhas após análises de custo-benefício33.
Como segundo pilar, é importante que o consumidor tenha ciência da existência
de seus direitos, o que depende não apenas do interesse do consumidor, mas de um
empenho governamental que permita a conscientização com ações educativas, guias
de consumo, apresentação de políticas etc. Assim, havendo violação dos direitos do
consumidor, este poderá se engajar em ações específ‌icas tanto em âmbito judiciário
como administrativo, além de publicar uma má-avaliação da empresa e solicitar a
restituição do valor34.
Para auxiliar nesse empoderamento, organizações nacionais35 e internacionais
têm se dedicado ao tema, estabelecendo diretrizes para reforçar o poder de escolha
do consumidor e o seu papel de protagonista nas relações de consumo, ao lado de
leis e organismos dedicados exclusivamente ao assunto.
2.1.2 Instrumentos de empoderamento do consumidor e melhores prátic as
conforme UNCTAD e OCDE
A proteção do consumidor e, mais especif‌icamente, o incentivo ao seu empo-
deramento, estão abrangidos por uma diversidade de mecanismos institucionais.
Nesse cenário, o Estado tem um papel duplamente importante em garantir que não
haja perda da liberdade das empresas para operarem legitimamente ou dos consu-
midores para exercerem suas escolhas livremente.
Entre tais mecanismos, destacam-se políticas nacionais do consumidor, agên-
cias designadas à proteção do consumidor, leis do consumidor, códigos de soft law,
mecanismos de reparação, sistemas de monitoramento e segurança, mecanismos
33. Cf. ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD-. Consumer
Education – Policy Recommendations of the OECD’S Committee on Consumer Policy. [s. l.: s. n.],
out. 2009. Disponível em: g/dataoecd/32/61/44110333.pdf>. Acesso em: 09 abr.
2020.
34. Cf. EUROPEAN COMISSION. Commission Staff Working Paper - Consumer Empowerment in the EU,
Brussels: Publications Off‌ice of the European Union, 07 abr. 2011. Disponível em:
eu/info/sites/info/f‌iles/consumer_empowerment_eu_2011_en.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2020. p. 24.
35. Como exemplo, destaca-se a criação em 2007 no Brasil da Escola Nacional de Defesa do Consumidor (ENDC)
vinculada ao Ministério da Justiça e à Secretaria Nacional do Consumidor para promover a formação e
capacitação técnica dos agentes e técnicos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), bem
como a construção do conhecimento específ‌ico aos indivíduos no tocante às relações de consumo, por
meio da Portaria Ministerial 1.387.
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para conformidade com a legislação e a sua execução, programas educacionais e
informativos e cooperação internacional36.
No presente trabalho, destacam-se as Boas Práticas da UNCTAD para Proteção
do Consumidor (UNGCP), que foram adotadas em Assembleia Geral pelo consenso
na Resolução 39/248 de abril de 1985, sendo revisadas em julho de 1999 na Resolu-
ção E/1999/INF/2/Add.2 e em 2015 na Resolução 70/185, quando foram incluídas
metas sustentáveis e metas do milênio.
Entre os objetivos da UNGCP, estão a assistência de empresas em alcançar e man-
ter a adequação da proteção para a sua população como consumidores; a facilitação
da produção e a distribuição de padrões que respondam às necessidades e desejos
dos consumidores; o encorajamento de altos níveis de conduta ética para aqueles que
estão engajados na distribuição e produção de bens e serviços aos consumidores; o
auxílio aos países em coibir práticas abusivas de empresas; o aumento da coopera-
ção internacional no tema; o encorajamento do desenvolvimento de condições de
mercado que provenham aos consumidores melhores opções em preços mais baixos,
além de promover o consumo sustentável e, destacando-se para a presente pesquisa,
o incentivo ao desenvolvimento da independência dos consumidores.
Esse incentivo se mostra importante à medida que impõe às empresas a realiza-
ção de medidas que auxiliem no empoderamento do consumidor. Como consequên-
cia, aumenta-se a possibilidade de uma tomada consciente de decisões após análise
das informações necessárias e disponíveis para todos, bem como o fácil acesso às
ferramentas que possam ajudar em tal processo.
Ademais, a UNGCP considera como bens legítimos aos consumidores o próprio
acesso a bens e serviços; a proteção de vulneráveis; a proteção contra prejuízos à
saúde; a promoção e proteção do interesse econômico; a educação ambiental, social
e econômica em relação às escolhas; a disponibilidade de resolução de disputas; a
liberdade para formar grupos e organizações para apresentação de opinião e, ainda,
a promoção de consumo sustentável.
Somam-se a tais bens legítimos o acesso à informação adequada para que
consumidores possam realizar escolhas informadas de acordo com as suas necessi-
dades37, dialogando com a meta de incentivar a sua própria independência, isto é, a
sua autonomia e o seu empoderamento.
Ainda, há o comprometimento com um nível de proteção para comércio ele-
trônico que não seja inferior aos outros mercados e com a proteção da privacidade
do consumidor e do f‌luxo livre de informações. Tais bens estão diretamente rela-
36. Cf. UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT – UNCTAD. Manual on Con-
sumer Protection. Geneva: United Nations, p. 8-9, 12 jul. 2018.
37. As informações disponibilizadas ao consumidor se referem à provisão de dados relativos a determinados
produtos ou transações capazes de permitir que seja tomada uma escolha consciente a respeito de deter-
minado bem ou serviço a ser comprado.
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2 • O CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
cionados com o empoderamento individual de cada consumidor buscado como
meta pela UNGCP.
Permeando tais objetivos e bens estabelecidos, encontram-se como princípios
o tratamento dos consumidores pelas empresas de uma forma justa e igualitária,
um comportamento comercial adequado, a transparência, a educação, bem como
a proteção da privacidade. Em relação às políticas nacionais de proteção do consu-
midor, destacam-se as boas práticas comerciais, a informação precisa e clara, termos
justos de contratos, privacidade e segurança.
Ademais, para a promoção da proteção do interesse econômico dos consumido-
res, são encorajadas as práticas justas de comércio, a proteção contra abusos, assim
como a regulação de práticas de publicidade e a informação adequada, que dialogam
diretamente com o tema explorado na presente pesquisa.
Em 2012, a UNCTAD realizou uma pesquisa para analisar a implementação de
tais práticas, concluindo que desde 1985 as Boas Práticas estão sendo implementadas
pelos Estados Membros das Nações Unidas38. Contudo, uma consulta a membros
dos Consumidores Internacionais em 2013, organização composta principalmente
por associações de consumidores, demonstrou a frustração em relação à ausência
aplicação de tais medidas39.
Além da UNGCP, existem outras diretivas que auxiliam na proteção e, conse-
quentemente, no empoderamento do consumidor. Um exemplo é o ISO 26000 que,
apesar de não ser um padrão certif‌icador, funciona como uma diretiva inf‌luenciando
na responsabilidade social das empresas. Entre os seus princípios, está o respeito
ao direito de privacidade, incluindo, por exemplo, uma publicidade justa, pontual
e sem formações enviesadas40.
Já a OCDE revisou as Diretrizes para Empresas Multinacionais em 2011, incluin-
do direitos humanos, relações de emprego e industriais, meio ambiente, pedidos de
suborno e extorsão, interesses dos consumidores, ciência e tecnologia, competição e
impostos41. Além disso, estabelece uma série de intervenções governamentais em seu
Kit de Ferramentas sobre Política do Consumidor, visando ao seu empoderamento
e a uma tomada de decisões de uma forma livre42.
38. Cf. UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT – UNCTAD. Implementation Report
on the United Nations Guidelines on Consumer Protection (1985-2013), Geneva: United Nations, 29 abr. 2013.
39. Cf. CONSUMERS INTERNATIONAL. The State of Consumer Protection around the World. United Kingdom:
Consumers International, abr. 2013.
40. Cf. INTERNATIONL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO26000. Guidance on Social Res-
ponsability. Genebra: ISO, v. 3, n. 4, 2010.
41. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. OCDE
Guidelines for Multinational Enterprises: Recommendations for Responsible Business Conduct in a Global
Context. Paris: OCDE Publishing, 2011. Disponível em: g/daf/inv/mne/48004323.
pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
42. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. OCDE
Consumer Policy Toolkit. Paris: OCDE Publishing, 2010. Disponível em: ead.oecd-ilibrar y.org/
governance/consumer-policy-toolkit_9789264079663-en#page>. Acesso em: 16 set. 2020.
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Não apenas, a OCDE está há décadas engajada em relação à proteção do con-
sumidor no cenário do comércio eletrônico. Em suas Diretrizes para Proteção do
Consumidor em Comércio Eletrônico de 199943, cuja revisão foi feita em 2016, já
inf‌luenciava empresas a adorarem práticas justas de publicidade e marketing, infor-
mações claras sobre a identidade da empresa, sobre os bens e serviços e, inclusive,
a proteção da privacidade do consumidor44.
Esses são alguns exemplos de instrumentos de empoderamento do consumidor
sustentados por organismos internacionais em um aspecto de cooperação interna-
cional, que atuam ao lado de legislações nacionais, políticas, agências, mecanismos
de reparação, sistemas de monitoramento, programas educacionais e informativos
disponíveis à população.
Contudo, apesar da mudança de paradigma mencionada e das ferramentas de
empoderamento do consumidor, ainda existem fragilidades nas relações de consumo
pela sua condição mais vulnerável, palavra advinda do latim vulnus, que signif‌ica a
capacidade de um sujeito ser mais suscetível a sofrer danos45. Tais vulnerabilidades
não podem ser ignoradas em um cenário digital, como será visto a seguir.
2.2 VULNERABILIDADES DO CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
O empoderamento do consumidor não garante capacidade ou poder decisório
plenos no mercado de consumo. Indivíduos ainda são parte vulnerável nas relações
de consumo, cujas vulnerabilidades podem derivar ou ser agravadas até mesmo das
fontes e pilares do empoderamento já narrados46-47.
Por um lado, há maior possibilidade de acesso à informação e conteúdo. Por
outro, empresas aumentam seu poder de atuação ao também acessar informações
produzidas pelos consumidores. Como consequência, por meio de perf‌is de con-
sumo e comportamento que serão delineados em item 2.3, é possível que ocorra o
direcionamento de anúncios de forma personalizada, exploração de vieses compor-
43. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE. Reco-
mendation of the OCDE Council Concerning Guidelines for Consumer Protection in the Context of Electronic
Commerce (1999). Paris: OCDE Publishing, 2000. Disponível em: .oecd.org/sti/consu-
mer/34023811.pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
44. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Con-
sumer Protection in E-commerce: OCDE Recommendation. Paris: OCDE Publishing, 2016. Disponível em:
g/sti/consumer/ECommerce-Recommendation-2016.pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
45. BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 162.
46. Cf. LABRECQUE, Lauren I. et al. Consumer power: Evolution in the digital age. Journal of Interactive
Marketing, [s. l.], v. 27, n. 4, p. 262 e 264, 2013.
47. Outros exemplos podem ser citados demonstrando vulnerabilidades do consumidor no cenário digital
como, por exemplo, o seu crescente endividamento pela compra de bens e serviços em alto ritmo. Contudo,
por motivos de delimitação do tema, não serão objeto do presente trabalho.
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2 • O CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
tamentais e alteração do preço de produtos e serviços, culminando na inf‌luência na
tomada de decisão do consumidor.
Além disso, a própria informação pode contribuir para a vulnerabilidade do
consumidor. Este sujeito, nutrido por uma grande quantidade de conteúdo, pode se
encontrar perdido e se apegar a informações inverídicas, conforme Newman explica
em suas obras sobre o “mercado de atenção”48.
Timm af‌irma que apesar de o aumento da informação diminuir a assimetria entre
empresas e consumidores, estes deixam se de atentar às informações mais relevantes
em meio a tantas outras sobre os produtos ou serviços adquiridos:
O fato é que, se por um lado, o aumento de informação promove a diminuição da assimetria entre
fornecedores e consumidores, corrigindo uma das principais falhas de mercado e nos direcionando
a um modelo mais próximo ao da concorrência perfeita, de outro, os consumidores deixam de
estar atentos às informações mais relevantes sobre o produto ou serviço adquirido – especialmente
se eles estiverem disponíveis em plataformas digitais-, desestabilizando novamente esta relação49.
Em paralelo a isso, não é tudo que está disponível, compondo uma assimetria
de informações entre consumidores e empresas e uma ausência de transparência
em ambientes digitais.
Soma-se a isso um “dever” culturalmente imposto que faz com que o consumidor
se exponha cada vez mais em mídias sociais. Há, por exemplo, pressão para que os
perf‌is sociais e blogs estejam atualizados, relações interpessoais nutridas, produção
de conteúdo em dia, impactando em uma perda de controle do que é privado e do
que é público. Nesse sentido, Tomasevicius Filho explica que “criaram-se fortes es-
tímulos para que as próprias pessoas renunciem voluntariamente a sua privacidade
por meio do acesso fácil e lúdico às redes sociais por computadores pessoais e, nos
últimos tempos, por meio dos telefones celulares”50.
Em tal conjuntura, evidencia-se a vulnerabilidade do consumidor relacionada ao
tratamento de suas informações e seus dados pessoais, conforme abaixo mencionado:
Visualiza-se que o tratamento desenfreado dos dados pessoais torna o usuário parte vulnerável,
posto que, na maior parte das vezes, esse não tem o conhecimento de que seus dados estão sendo
coletados, tratados e compartilhados com outras empresas. Esse tratamento pode violar diversos
48. Para mais informações, recomenda-se a leitura de NEWMAN, John M., Regulating Attention Markets, 2019.
University of Miami Legal Studies Research Paper. Disponível em: .
Acesso em: 31 jul. 2021; NEWMAN, John M. Antitrust in Attention Markets, 2020. University of Miami
Legal Studies Research Paper 3745839, Disponível em: . Acesso em:
31 jul. 2021.
49. TIMM, Luciano Benetti. A defesa do consumidor no Brasil - O que esperar diante das relações de consumo
na economia digital? JOTA, [s. l.], 11 set. 2019. Disponível em: .jota.info/opiniao-e-analise/
artigos/a-defesa-do-consumidor-no-brasil-11092019>. Acesso em: 29 jun. 2020.
50. TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Em direção a um novo 1984? A tutela da vida privada entre a invasão
de privacidade e a privacidade renunciada. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, dez.
2014, 138, 129-169. Disponível em: fdusp/article/view/89230>. Acesso em:
17 jul. 2021.
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PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
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direitos dos consumidores, reduzir a sua capacidade de escolha, causar discriminações, retirar
a sua privacidade, bem como a sua liberdade informacional, além de impedir o livre desenvol-
vimento da sua personalidade51.
Portanto, uma das possíveis decorrências de tal vulnerabilidade se relaciona
com o que empresas fazem com dados pessoais e na formação de perf‌is de consumo
dos quais são aferidos os preços personalizados, obtidos a partir de algoritmos so-
f‌isticados de predição de comportamento.
Assim, a vulnerabilidade do consumidor no ambiente digital pode ser repre-
sentada a partir de três esferas: informacional, técnica e econômica. A primeira está
relacionada à assimetria de informações quanto ao tratamento dos dados pessoais
que é feito pelas empresas, sendo obscura principalmente a f‌inalidade para a qual é
destinado tal tratamento.
A esfera econômica da vulnerabilidade está voltada à diferença de poderio econô-
mico das empresas e dos consumidores, distanciando-o de suas garantias fundamen-
tais. Por sua vez, a vulnerabilidade técnica pode ser representada na dif‌iculdade de
compreensão de esquemas tecnológicos e na capacidade intelectual de o consumidor
opinar e optar pelo tratamento de seus dados. De acordo com Magalhães Martins, “a
assimetria de poder é ampliada pela ignorância direta do consumidor sobre o desenho
do algoritmo e os dados coletados de seus clientes, o que facilita a discriminação”52.
Diante disso, depreende-se que o consumidor, mesmo empoderado, apresenta vul-
nerabilidades. Entre elas, destaca-se o paradoxo da privacidade, relacionado à ausência
de coerência entre o seu comportamento e as suas expectativas de privacidade almejadas.
2.2.1 Paradoxo da Privacidade do consumidor digital
De acordo com Lace, indivíduos se tornaram consumidores de vidro. Suas in-
formações estão expostas de tal forma que terceiros sabem muito sobre eles e podem,
até mesmo, ver através deles. Como af‌irma, essa é a realidade atual:
Este é um cenário atual, não baseado no futuro. Somos todos ‘consumidores de vidro’: os outros
sabem tanto sobre nós que quase podem ver através de nós. Nossas vidas cotidianas são registra-
das, analisadas e monitoradas de inúmeras maneiras, mas na maioria das vezes não percebemos,
ou não pensamos nada a respeito53.
51. CRUVINEL, Guilherme Ferreira Araújo. A (hiper)vulnerabilidade do consumidor no tratamento de seus
dados pessoais. p. 170-171. In: LONGHI, João Victor Rozatti; FALEIROS JUNIOR, José Luiz de Moura
(coord.). Estudos essenciais de Direito Digital. Uberlândia: LAECC, 2019.
52. MARTINS, Guilherme Magalhães. O geopricing e geoblocking e seus efeitos nas relações de consumo. p.
637. In: FRAZÃO, Ana; MULHOLLAND, Caitlin (coord.). Inteligência Artif‌icial e Direito – Ética, Regulação
e Responsabilidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019.
53. No original: “This is a current, not a future-based, scenario. We are all ‘glass consumers’: others know so
much about us, they can almost see through us. Our everyday lives are recorded, analysed and monitored
in innumerable ways but mostly we do not realise, or think nothing of it”. In: LACE, Susanne. Introduction.
(LACE, Susanne (Ed.). The glass consumer: life in a surveillance society. Bristol: The Policy Press, 2005, p.
1.
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2 • O CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
Com o fortalecimento das regulações de proteção de dados pessoais, voltadas
a garantir a autodeterminação informacional do indivíduo, as plataformas online
passaram a disponibilizar ferramentas para que os consumidores optem pelas conf‌i-
gurações de segurança e proteção dos dados pessoais tratados, deixando mais claras
suas opções e direitos.
Já foram mencionados o GDPR e a LGPD, regulamento da União Europeia e lei
nacional de proteção de dados pessoais, nos quais estão dispostos princípios, limites
de tratamento e direitos dos titulares relacionados à retif‌icação, exclusão, conf‌irma-
ção, portabilidade, livre acesso, informação, segurança, revisão de decisões automa-
tizadas, não discriminação, anonimização, bloqueio, entre outros, para que dados
pessoais sejam tratados de forma condizente com as expectativas dos indivíduos.
Porém, de forma não proposital, existe uma desconexão entre as atitudes e in-
tenções de privacidade expressas pelos usuários e seu comportamento: muitas vezes
indivíduos não se comportam de modo coerente com as preocupações de privacidade
que expressam, o que se denomina paradoxo da privacidade54.
Apesar de, na teoria, terem conhecimento sobre os riscos que envolvem dados
pessoais e a sua privacidade, muitas vezes o comportamento do consumidor não é
lógico. Assim, não agem como um indivíduo totalmente racional e informado que,
por exemplo, leria as políticas de privacidade de forma atenta e minuciosa55, o que
pode ser explicado pela Economia Comportamental, no item 2.4.1.
Por esse motivo, esse indivíduo acaba revelando informações pessoais de
forma voluntária, como ocorrem com as exposições de sua vida pessoal em mídias
sociais, por meio de fotograf‌ias, postagens e comentários pessoais. Outro exemplo
pode ser observado quando consumidores utilizam recursos para restringir acesso
às suas informações pessoais, disponibilizando-as apenas para conhecidos, amigos
e familiares. Por outro lado, toleram a monitoração feita por empresas e instituições
públicas, que exploram seus dados pessoais e comportamentos nas redes56.
Uma das explicações para tal fenômeno parte da premissa de que consumidores
fazem escolhas informadas57. Teoricamente, há preocupação com seus dados, mas,
na prática, os benefícios advindos de plataformas digitais se sobressaem às preocu-
54. Cf. BARNES, Susan B. A privacy paradox: social networking in the United States. First Monday, v. 11, n.
9, set. 2006. Disponível em: g/ojs/index.php/fm/article/view/1394>. Acesso em:
07 out. 2020. HOLLAND, Brian H. Privacy paradox 2.0. Widener Law Journal, Forthcoming. Abr. 2010.
Disponível em . Acesso em: 07 nov. 2020.
55. Cf. TSAI, Janice et al. What’s it to you? A survey of online privacy concerns and risks. NET Institute Working
Paper, [s. l.], n. 06-29, 01 nov. 2006. 21 p.
56. É possível discutir o direito ao sossego do consumidor e a proteção de seus dados pessoais, o que não é
objeto da presente pesquisa. Para isso, recomenda-se a leitura de BASAN, Arthur Pinheiro; FALEIROS
JUNIOR, José de Moura. A proteção de dados pessoais e a concreção do direito ao sossego no mercado de
consumo. Civilística.com. Rio de Janeiro, ano 9, n. 3, 2020.
57. Cf. BAEK, Young Min. Solving the privacy paradox: a conter-argument experimental approach. Computers
in Human Behaviour, [s. l.], v. 38, set. 2014.
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pações. Em outras palavras, prefere-se usar a plataforma digital, fornecendo dados
pessoais, ao invés de f‌icar sem acesso ao conteúdo fornecido.
Há, contudo, uma ponderação a ser feita quanto à premissa acima: em grande
parte das situações não se tem o conhecimento de que dados pessoais estão sendo
tratados e sob quais condições. Ou seja, o conhecimento do consumidor é limitado,
havendo assimetria informacional. Assim, não seria possível que um indivíduo ava-
liasse com precisão os riscos contidos no tratamento de dados pessoais para tomar
a melhor decisão em compartilhá-los ou não.
Por essa perspectiva, Baek explica que os consumidores estão dispostos a forne-
cer informações em troca de benefícios58. Isso porque, diante de pouco conhecimento
e conscientização sobre o tema, indivíduos agem com comportamentos de risco.
Assim, apesar de aparentar existir uma preocupação com a privacidade, a ignorância
da dinâmica de plataformas digitais faz com que tais consumidores divulguem seus
dados. Tomasevicius Filho explica que:
Tornou-se insuciente, nos dias atuais, imaginar que o direito à privacidade se restringe à ideia
tradicional de invasão de privacidade, sintetizada no “direito de estar só” (“right to be let alone”),
concebido por Warren e Brandeis (1890). Antes se invadia a privacidade pela procura de infor-
mações ou fatos sobre a vida de uma pessoa. Agora é a própria pessoa, vítima das potenciais ou
reais violações à privacidade, que, espontânea e alegremente, fornece esses dados, obtidos por
meio de pesquisas em sites de mecanismos de busca, “postagens” nas redes sociais e aplicativos
de mensagens, o que permite a formação de “big data” e elaboração de dossiers (“proling”)
completos sobre si mesma59.
A visão da Comissão de Competição e Consumo da Austrália é de que exis-
tem vários fatores de barganha que podem impedir que um consumidor faça
escolhas informadas que estejam alinhadas com suas preferências de privacidade
e coleta de dados. Esses fatores incluem assimetrias signif‌icativas de informações
que existem entre plataformas digitais e consumidores, bem como dif‌iculdades
inerentes à avaliação precisa dos custos atuais e futuros do fornecimento de
dados de usuários60.
Entre os custos que são dif‌icilmente avaliados pelos consumidores, destacam-se
os custos de atenção e os custos de informação presentes nas dinâmicas que envol-
vem as plataformas digitais.
58. Cf. BAEK, Young Min. Solving the privacy paradox: a conter-argument experimental approach. Computers
in Human Behaviour, [s. l.], v. 38, set. 2014, p. 38.
59. TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Inteligência artificial e direitos da personalidade: uma contradição
em termos? Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, v. 113, p. 133-149, 2018.
p. 134.
60. Cf. AUSTRALIAN COMPETITION CONSUMER COMMISSION – ACCC. Digital platforms inquiry: f‌inal
report. Australia: ACCC.gov, jun. 2019. p. 384.
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2 • O CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
2.2.2 Custos de atenção e informaç ão nas plataformas digitais
Os custos de atenção e informação são derivados do tempo dispendido pelo
consumidor em determinada plataforma e da disponibilização de seus dados pes-
soais a terceiros61. Esses terceiros, sendo, em sua maioria, empresas de tecnologia,
poderão explorar a atenção e as informações do consumidor comercializando-as
com partes interessadas, como anunciantes.
Nos anos 2000, o mercado de venda de atenção dos consumidores cresceu,
tornando as publicidades mais atrativas, da mesma forma que houve um aumento
no tempo médio dispendido pelos usuários de Internet, ambos diretamente relacio-
nados com o desenvolvimento das tecnologias.
Plataformas digitais passaram a aperfeiçoar sua capacidade em manter usuários
cada vez mais conectados, chamando a sua “atenção” e captando suas informações.
Com isso, poderiam expandir sua receita oferecendo mais conteúdo personalizado,
incluindo anúncios publicitários direcionados.
Duas inovações alteraram o funcionamento do mercado de atenção, tornan-
do-o mais ef‌icaz62. A primeira é a possibilidade de, ao clicar na publicidade, ser
direcionado à loja correspondente, onde o consumidor poderá facilmente comprar
o produto ou o serviço desejado. Essa dinâmica reduz atrito nas vendas e custos de
transação, diferentemente do que ocorria quando se lia uma publicidade em jornais
e era necessário se dirigir até à loja mais próxima para encontrar o produto. Assim,
em poucos cliques, o usuário tem acesso a todas as opções disponíveis havendo
maior facilidade ao realizar uma compra sem se deslocar.
Já a segunda inovação na dinâmica de marketing atual é a publicidade direcio-
nada, possível graças aos dados pessoais coletados dos consumidores. Esses dados,
após tratados, permitem que haja o endereçamento do anúncio de forma condizente
com as expectativas do consumidor. Isso permite que sejam expostos produtos ou
serviços mais relevantes aos indivíduos durante o tempo garantido pelo uso plata-
forma digital (custos de atenção). Por esse motivo, as plataformas que atuam sob
tal dinâmica podem ser chamadas de plataformas de atenção, conforme proposto
por Evans63.
61. Cf. NEWMAN, John M. Antitrust in zero-price markets: Foundations. University of Pennsylvania Law
Review, Pennsylvania, p. 164, dez. 2015. 58 p.
62. Cf. EVANS, David S. Rivals for Attention: How Competition for Scarce Time Drove the Web Revolution,
What it Means for the Mobile Revolution, and the Future of Advertising Social Science Research Network,
[s. l.], p. 5, 08 fev. 2014. Disponível em: .
Acesso em: 04 jul. 2020.
63. Cf. EVANS, David S. Rivals for Attention: How Competition for Scarce Time Drove the Web Revolution,
What it Means for the Mobile Revolution, and the Future of Advertising. Social Science Research Network,
[s.l.], p. 5, 08 fev. 2014. Disponível em: .
Acesso em: 04 jul. 2020.
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Informações dos consumidores comporiam os custos de informação, comuns
em mercados de preço zero conforme explicado no item 1.4.3. Nesses mercados, ser-
viços como e-mail, mídia social, pesquisas ou conteúdo criativos não têm um valor
monetário, mas o usuário compartilha dados pessoais que poderão ser explorados,
retomando o jargão mencionado no Capítulo anterior de que dados são a nova moeda64.
Esses custos demonstram que, além do que pode ser efetivamente cobrado do
consumidor caso existam valores monetários, há outros fatores inclusos nos serviços
fornecidos pelas plataformas digitais que merecem ser avaliados pelos consumido-
res para a escolha livre da sua utilização. Isto é, os custos de compartilhamento dos
dados pessoais e o que será feito com tais informações.
Assim, nesse cenário de empoderamento do consumidor digital que está para-
doxalmente relacionado com a sua vulnerabilidade em face de novas tecnologias,
faz-se necessária a compreensão do seu comportamento que nem sempre é racional.
Tal comportamento impacta tanto na formação de seu perf‌il de consumo e compor-
tamento como nas tomadas de decisões realizadas no meio virtual.
2.3 A CRIAÇÃO DE PERFIS DO CONSUMIDOR
A partir das interações advindas de um consumidor empoderado, mas que,
simultaneamente, apresenta fragilidades no ambiente online, seja pela assimetria
de informação, pelos custos de atenção e de informação suportados e por fatores
externos que podem inf‌luenciar na sua tomada de decisões, empresas podem inferir
seus perf‌is de consumo e comportamento. Tal formação é possível graças ao avanço
da tecnologia e da capacidade de algoritmos de tratarem dados em escala, volume e
velocidade antes desconhecidos.
Conforme explica Clarke, a técnica de criação de perf‌is pode ser def‌inida como
uma técnica em que um conjunto de características de uma pessoa ou de uma classe
de pessoas é inferido por meio da análise de suas experiências65. De acordo com
Schertel Mendes, o perf‌il de consumo ou comportamento é basicamente um registro
sobre a sua personalidade:
O perl pode ser considerado um registro sobre uma pessoa que expressa uma completa e abran-
gente imagem sobre a sua personalidade. Assim, a construção de pers compreende a reunião
de inúmeros dados sobre uma pessoa, com a nalidade de se obter uma imagem detalhada e
conável, visando, geralmente, à previsibilidade de padrões de comportamento, de gostos,
hábitos de consumo e preferências do consumidor66.
64. Cf. NEWMAN, John M. Antitrust in zero-price markets: Foundations. University of Pennsylvania Law
Review, Pennsylvania, p. 167, 2015. 58 p.
65. CLARKE, Roger. Prof‌iling: A hidden challenge to the regulation of data surveillance. Journal of Law &
Information Science, Camberra, v. 4, p. 403, 1993.
66. MENDES, Laura S. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais de um novo direito
fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 111.
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Essa criação de perf‌is é usualmente chamada de prof‌iling, que foi def‌inido no
Capítulo 1 desta pesquisa por meio do artigo 4 (4) do GDPR67, cuja def‌inição con-
siste em qualquer forma de tratamento automatizado de dados pessoais para avaliar
certos aspetos pessoais de uma pessoa., incluindo desempenho prof‌issional, situação
econômica, saúde, preferências pessoais, interesses, f‌iabilidade, comportamento,
localização ou deslocações.
Assim, representa uma forma de tratamento automatizado de dados pessoais,
cujo objetivo é avaliar os aspectos pessoais de uma pessoa natural e criar um perf‌il
condizente com suas características e comportamento. Em outras palavras, os dados
pessoais dos indivíduos formam perf‌is a seu respeito, permitindo que terceiros o
utilizem para a tomada de decisões, criando estereótipos que os estigmatizam perante
seus pares68. Bonna esclarece que:
O proling consiste na criação de um perl digital do usuário, com dados que demonstram os
desejos, preferências e hábitos, auxiliando na massicação do consumo e da publicidade, faci-
litando a personalização de produtos e serviços para atingir o público-alvo69.
O processo de criação de perf‌is está intrinsicamente relacionado com decisões
automatizadas e, consequentemente, algoritmos. É possível resumi-lo em seis
etapas, sendo a primeira referente ao registro e à coleta de dados, que é a captação
das informações dos indivíduos. Segue-se para a agregação e o monitoramento dos
dados coletados, com a consequente identif‌icação de padrões e interpretação de
resultados. Na sequência, realiza-se um monitoramento dos dados para checagem
destes resultados e, por f‌im, a categorização em perf‌is70.
No entanto, a partir de tais perf‌is e crescente catalogação de comportamentos
por terceiros, estudos demonstraram nos últimos anos que consumidores podem
ter diversos aspectos de suas vidas impactados, incluindo as suas decisões. Há,
67. O GDPR se inspira no conceito de def‌inição de perf‌is da Recomendação CM/REC (2010)13 do Conselho
da Europa, com algumas diferenças em relação aos tratamentos que não possuem inferências. CONSELHO
DA EUROPA. Proteção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados de caráter pessoal no
âmbito da def‌inição de perf‌is. Recomendação CM/Rec(2010)13 e exposição de motivos. Conselho da Euro-
pa, 23 de novembro de 2010. Disponível em: dsetting/cdcj/CDCJ%20
Recommendations/CMRec(2010)13E_Prof‌iling.pdf>. Acesso em: 24 de abril de 2020.
68. Cf. BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 89 e 90.
69. BONNA, Alexandre P. Dados pessoais, identidade virtual e a projeção da personalidade: “prof‌iling”,
estigmatização e responsabilidade civil. In: MARTINS, Guilherme Magalhães; ROSENVALD, Nelson.
Responsabilidade civil e novas tecnologias. Indaiatuba: Editora Foco, 2020. p. 22.
70. Cf. HILDEBRANDT, Mireille. Def‌ining prof‌iling: a new type of knowledge?. In: Prof‌iling the European citizen.
Springer, Dordrecht, 2008. p. 58. apud. ZANATTA, Rafael A. F. Perf‌ilização, Discriminação e Direitos: do
Código de Defesa do Consumidor à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Revista dos Tribunais, [s. l.],
2019. Disponível em: chgate.net/prof‌ile/Rafael_Zanatta/publication/331287708_Per-
f‌ilizacao_Discriminacao_e_Direitos_do_Codigo_de_Defesa_do_Consumidor_a_Lei_Geral_de_Prote-
cao_de_Dados_Pessoais/links/5c7078f8a6fdcc4715941ed7/Perf‌ilizacao-Discriminacao-e-Direitos-do-
-Codigo-de-Defesa-do-Consumidor-a-Lei-Geral-de-Protecao-de-Dados-Pessoais.pdf>. Acesso em: 07 jul.
2020. p. 5.
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PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
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assim, riscos enfrentados pelos indivíduos que se veem sujeitos a categorizações
feitas majoritariamente por máquinas, cujos resultados interferem em seu futuro,
como vagas de emprego, crédito bancário etc. Schertel Mendes aponta riscos nessa
prática de criação de perf‌is:
[...] Os riscos da técnica de construção de perl não residem apenas na sua grande capacidade
de junção de dados; na realidade, a ameaça consiste exatamente na sua enorme capacidade de
combinar diversos dados de forma inteligente, formando novos elementos informativos71.
Como visto no item 1.4.4, algoritmos têm uma dinâmica de funcionamento
avançada e complexa que pode não ser facilmente compreendida, mas que possibilita
uma análise profunda de dados e informações pessoais em uma quantidade antes
não vista, citando-se, por exemplo, a exploração do Big Data, também já mencio-
nado no item 1.4.1, com a consequente formação de perf‌is. Nesse sentido, Frazão e
Goettenauer pontuam que “[...] tais perf‌is ainda podem persistir por muito tempo,
ainda que o indivíduo não saiba que dados foram utilizados, onde e quando foram
coletados e como a decisão foi tomada. Daí a conclusão de que algoritmos podem
perpetuar injustiças, preconceitos e discriminações”72.
A partir disso, destaca-se uma preocupação específ‌ica que é analisada por
Doneda, quando menciona a perda de autonomia, individualidade e liberdade do
indivíduo, a partir do acesso aos dados pessoais:
A esta problemática “clássica” da privacidade podemos acrescentar atualmente um outro ele-
mento: o fato de sermos, perante diversas instâncias, representados – e julgados – através destes
dados. Tal fato abre uma outra possibilidade de enfocar a questão, pela qual a privacidade faz
ressoar uma série de outras questões referentes à nossa personalidade. Isso pode signicar a perda
de parte de nossa autonomia, de nossa individualidade e, por m, de nossa liberdade. Nossos
dados, estruturados de forma a signicarem para determinado sujeito uma nossa representação
virtual – ou um avatar –, podem ser examinados no julgamento de uma concessão de uma linha
de crédito, de um plano de saúde, a obtenção de um emprego, a passagem livre pela alfândega
de um país, além de tantas outras hipóteses73.
Por outro lado, o tratamento de dados pessoais e a formação de perf‌is permitem
que empresas agreguem valor a seus produtos e serviços, personalizando-os, seja por
meio de resultados de buscas74, alterando a ordem a ser apresentada ao consumidor,
71. MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais de um novo
direito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 111.
72. FRAZÃO, Ana; GOETTENAUER, Carlos. Black box e o Direito face à opacidade algorítmica. p. 27-42. In: BAR-
RETO, Mafalda; BRAGA NETTO, Felipe; FALEIROS JUNIOR, José de Moura; SILVA, Michael César (coords.).
Direito digital e inteligência artif‌icial – diálogos entre Brasil e Europa. Indaiatuba: Ed. Foco, 2021. p. 29
73. DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 2.
74. Trata-se de outra forma de extrair mais receita dos consumidores que estão com disposição a pagar mais
por determinado produto ou serviço, operando em vários produtos para direcionar os consumidores para
uma faixa de preço apropriada. Essa classif‌icação dos resultados da pesquisa impacta muito o resultado
eventualmente escolhido pelo usuário, tendo em vista que estes raramente ultrapassam a primeira página
de resultados.
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personalização de anúncios ou preços personalizados. Essas são as três diferentes
formas de personalização online mencionadas pela Autoridade para Consumidores
e Mercado da Holanda75.
Antes de se adentrar no objeto da pesquisa, preços personalizados, esclarece-se a
seguir o conceito da publicidade comportamental que está intrinsicamente associada
aos preços personalizados, podendo ser uma prática usada, inclusive, conjuntamente.
2.3.1 Publicidade comportamental nas plat aformas digitais
A publicidade direcionada não é uma novidade do século XXI ou proveniente
do avanço das tecnologias, pois já estava difundida nos meios de comunicação há
algum tempo. Trata-se de um método de abordagem que pretende alcançar uma
parcela de consumidores difundindo informações sobre determinado produto ou
serviços, de forma que por meio de um consumidor se dirige a todos os consumi-
dores e vice e versa76.
Essa forma de publicidade pode ser dividida em três espécies77. A primeira é
chamada de publicidade contextual, relacionada ao ambiente em que o anúncio será
inserido para promover o bem de consumo, como um jornal, uma revista ou um
website. A segunda espécie é a publicidade segmentada, focada no público-alvo e
diversif‌icando categorias de produtos e serviços de acordo com o consumidor, como
brinquedos para crianças, produtos antienvelhecimento femininos para mulheres
de meia idade, jogos de videogames para adolescentes, entre outros.
Já o desenvolvimento da terceira espécie está ligado às tecnologias da infor-
mação, compondo a publicidade comportamental online, oferecendo, a partir dos
dados pessoais dos indivíduos tratados, um serviço personalizado de acordo com
o perf‌il inferido. Vê-se que tal prática está mais que difundida atualmente e já é até
mesmo esperada pelo consumidor.
Entra-se em uma loja de roupas e passa-se a receber anúncios com tendências
e modelos semelhantes aos procurados; compra-se um livro na Amazon.com e
passam a ser oferecidas listas de obras recomendadas; procura-se por uma viagem
e várias opções passam a constar por determinado período nos websites visitados
e nas plataformas de busca. Basta a existência de três partes: o usuário, um website
vinculador e uma rede de anúncios, como Borgesius esclarece:
75. Cf. EUROPEAN COMISSION. Consumer market study on online market segmentation through personalised
pricing/offers in the European Union. Luxemburgo: Publications Off‌ice of the European Union, 2018. Dis-
ponível em:
aid_and_development_by_topic/documents/synthesis_report_online_personalisation_study_f‌inal_0.
pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
76. Cf. BRAUDILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2011. p. 161.
77. Cf. BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. p. 17.
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PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
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Em um simples exemplo, a publicidade comportamental envolve três partes: um usuário de
internet, um website veiculador e uma rede de anúncios. Redes de anúncios são empresas que
veiculam publicidades em milhares de sites e podem reconhecer pessoas quando elas navegam
na web. Uma rede de anúncios pode inferir que alguém que visita sites sobre tênis com frequência
é um entusiasta do tênis. Se essa pessoa visitar um site de notícias, a rede de anúncios pode exibir
anúncios de raquetes de tênis. Ao visitar simultaneamente esse mesmo site, alguém que visita
muitos sites sobre economia pode ver anúncios de livros de economia.78
A publicidade comportamental pode ser positiva e negativa dependendo das
consequências enfrentadas pelos consumidores. O aspecto positivo se relaciona com
a disponibilização e direcionamento dos anúncios aos quais os consumidores se
interessam. Isso economiza tempo de buscas, por exemplo. De uma forma negativa,
essas publicidades podem aumentar o consumo e criar problemas que envolvem a
privacidade, vez que há uma coleta de dados pessoais79.
Além disso, há a chamada bolha da informação80. Por meio desta, o usuário
passa a ter contato com apenas um universo de opções que, teoricamente, seriam
mais aptas às suas preferências, limitando o seu acesso a um grupo de produtos ou
serviços. De acordo com a Escola Nacional de Defesa do Consumidor:
A utilização de dados comportamentais como forma de inuenciar a interação futura de uma
pessoa - por exemplo, cuidando para que lhe seja veiculada apenas a publicidade que mais se
ajuste ao seu pretenso perl comportamental - pode limitar o rol de escolhas futuras daquela
pessoa a partir de um perl que foi inferido de seu comportamento passado81.
Este fenômeno de limitação do rol de escolhas do indivíduo a partir do con-
teúdo oferecido também é conhecido como encaixamento82. Tal conceito consiste
na existência de possibilidades muito limitadas em torno de presunções feitas por
ferramentas de análise comportamental guiando, assim, as escolhas futuras dos
indivíduos. Por exemplo, se um mecanismo de buscas percebe que determinado
indivíduo é uma pessoa conservadora e que apenas acessa sites conservadores, ele
78. Do original: “In a simplif‌ied example, behavioural targeting involves three parties: an Internet user, a web-
site publisher, and an advertising network. Advertising networks are f‌irms that serve ads on thousands of
websites and can recognise people when they browse the web. An ad network might infer that somebody
who often visits websites about tennis is a tennis enthusiast. If that person visits a news website, the ad
network might display advertising for tennis rackets. When simultaneously visiting that same website,
somebody who visits many websites about economics might see ads for economics books” (BORGESIUS,
Frederik Zuiderveen. Bahevioural Sciences and the Regulation of Privacy on the Internet. University of
Amsterdam, Amsterdam, n. 2014-54, 23 out. 2014, p. 3. Disponível em:
papers.cfm?abstract_id=2513771>. Acesso em: 22 out. 2020, tradução nossa).
79. SUTHERLAND, Max. Advertising and the mind of the consumer: What works, what doesn’t, and why. 3. ed.
Australia: Allen & Unwin, 2008, p. 145.
80. Cf. SUNSTEIN, Cass R. Infotopia: How many minds produce knowledge. Oxford: Oxford University Press,
2006. p. 9.
81. BRASIL. Escola Nacional De Defesa Do Consumidor - ENDC. A proteção de dados pessoais nas relações
de consumo: para além da informação creditícia. Escola Nacional De Defesa Do Consumidor, elaboração
Danilo Doneda. Caderno de investigações científ‌icas. Brasília: SDE/SPDC, p. 68, v. 2, 2010.
82. Cf. ABRAMS, Martin. Boxing and concepts of harm. Privacy and Data Security Law Journal, [s. l.], p. 673-
676, set. 2009.
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pode direcionar apenas notícias conservadoras a tal indivíduo, o que pode inf‌luenciar
em seu modo de ver a realidade. Neste ponto, a publicidade comportamental teria
o efeito negativo uniformizando padrões de comportamento em torno de outros
previamente def‌inidos por algoritmos, diminuindo a diversidade e o rol de escolhas
de uma pessoa.
Além da possibilidade de a publicidade personalizada ser usada para manipular
os indivíduos de acordo com os produtos e serviços oferecidos, ela pode classif‌icar
as pessoas como descartáveis e tratá-las de forma discriminatória83. Com isso, alguns
grupos podem ser prejudicados por decisões automatizadas tomadas a partir de seus
dados pessoais. De acordo com Calo, o conceito de mercado digital manipulador
e produção em massa de vieses decorre dessas técnicas de personalização em que
empresas terão uma posição vantajosa para explorar a irracionalidade dos consu-
midores para seus próprios lucros84.
Além disso, Basan apresenta a nomenclatura de Habeas Mente, como uma
garantia fundamental de não ser molestado pelas publicidades virtuais de consu-
mo, decorrente do tratamento de dados pessoais, formação de perf‌is e publicidade
comportamental85. Essa importunação pode ensejar, até mesmo, responsabilidade
civil pela violação do direito ao sossego, como explicam Basan, Faleiros Jr., e Mar-
tins86. Nesse mesmo sentido, Frazão chama a atenção à manipulação informacional
e digital que têm poder de erodir a democracia87.
Posto isso, conforme esclarece a Escola Nacional de Defesa do Consumidor,
a publicidade comportamental representa uma fronteira em que se desenvolvem
novas tecnologias de abordagem do consumidor pela utilização de suas informações
pessoais. Além do risco concreto de ampliar a assimetria informacional na relação
de consumo, há uma parcela de outros riscos pela utilização de dados pessoais,
ref‌letindo em uma possível discriminação entre consumidores e na relativização da
ideia de escolha livre88.
83. Cf. TUROW, Joseph. The Daily You: How the New Advertising Industry is Def‌ining Your Identity and Your
Worth. USA: Yale University Press, 2011.
84. Cf. CALO, Ryan. Digital market manipulation. Social Science Research Network, [s. l.], v. 82, n. 4, p. 12, 16
ago. 2014. 57 p. Disponível em: . Acesso em: 16 fev. 2020.
85. BASAN, Arthur Pinheiro. Habeas Mente: garantia fundamental de não ser molestado pelas publicidades virtuais
de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo. v. 131, set.-out. 2020.
86. Nesse sentido, recomenda-se a leitura de BASAN, Arthur Pinheiro; FALEIROS JUNIOR, José de Moura;
MARTINS, Guilherme Magalhães. A responsabilidade civil pela perturbação do sossego na Internet. Revista
de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 128, mar.-abr. 2020.
87. FRAZÃO, Ana. Proteção de dados e democracia: a ameaça de manipulação informacional e digital. p.
739-762. In: FRANCOSKI, Denise; TASSO, Fernando. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – aspectos
práticos e teóricos relevantes no setor público e privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
88. Cf. BRASIL. Escola Nacional De Defesa Do Consumidor (ENDC). A proteção de dados pessoais nas relações
de consumo: para além da informação creditícia. Escola Nacional De Defesa Do Consumidor, elaboração
Danilo Doneda. Caderno de investigações científ‌icas. Brasília: SDE/SPDC, p. 68, v. 2, 2010.
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Isso porque o comportamento do consumidor pode ser inf‌luenciado, existindo
ferramentas e estratégias destinadas a tal objetivo. Por esse motivo, faz-se necessário
entender o comportamento do consumidor em tomada de decisões e adentrar no
campo da Economia Comportamental.
2.4 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR EM TOMADA DE DECISÕES
A Internet está intrinsicamente associada às atividades rotineiras da maioria dos
indivíduos. Como consequência, uma maior quantidade de dados pessoais pode ser
coletada e processada, auxiliando na personalização de produtos e serviços, como a
publicidade direcionada comportamental e precif‌icação personalizada.
Com o avanço da tecnologia, esses anúncios são direcionados àqueles que estão
mais propensos a adquirir determinados produtos ou serviços. Ao visitar um website,
o usuário pode ter seus históricos de busca e interesses rastreados a partir de cookies.
Conforme explica Magalhães Martins, estes são programas de dados gerados com o
objetivo principal de identif‌icação do usuário, rastreamento e obtenção de dados úteis
a seu respeito, especialmente, baseada em dados de navegação e de consumo89. Por
esse motivo, permitem que o usuário seja identif‌icado quando retornar ao website,
personalizando os anúncios de acordo com as suas preferências.
Outro exemplo são os chamados anúncios de banner, que aparecem em qual-
quer lugar da página da Internet, até mesmo nas laterais das redes sociais e, quando
clicados, direcionam o consumidor ao produto ou serviço fornecido por determinada
empresa na plataforma respectiva. Esses anúncios geralmente contêm produtos que
já foram procurados pelos consumidores ou relacionados a seus interesses.
Assim, as buscas realizadas, os artigos e notícias lidas, as compras efetuadas, os
websites visitados, os dados cadastrados em plataformas e redes sociais, inf‌luenciam
os anúncios que serão direcionados. Trata-se da publicidade comportamental, deri-
vada dos atos dos consumidores na internet, conforme visto em item 2.3.1.
Da mesma forma, o comportamento do consumidor será analisado e, a partir
da formação do seu perf‌il de consumo, terceiros podem mensurar o preço que ele
pretende pagar por um produto ou serviço, conforme será explicado no Capítulo
3. É nesse contexto que se pontua que a criação de perf‌is, além de poder levar à ne-
gativa de aceso a determinado bem ou serviço, pode resultar em preços diferentes
a consumidores diversos, conforme af‌irmado pelo Ministério Público Federal90.
89. Cf. MARTINS, Guilherme Magalhães. Responsabilidade por acidente de consumo na internet. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, p. 227-228, 2008.
90. Cf. BRASIL. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão. Sistema Brasileiro de Proteção e
Acesso a Dados Pessoais: Análise de dispositivos da lei de acesso à informação, da lei de identif‌icação civil, da lei
do Marco Civil da Internet e da Lei Nacional de Proteção de Dados (Roteiro de Atuação, v. 3). Brasília: MPF, 2019.
Disponível em: os-de-atuacao/
sistema-brasileiro-de-protecao-e-acesso-a-dados-pessoais-volume-3>. Acesso em: 05 set. 2020.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 62EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 62 03/02/2022 08:53:4603/02/2022 08:53:46
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Ocorre que não se pode partir do princípio de que os dados compartilhados
pelos usuários ou deles inferidos correspondem totalmente à realidade ou, ainda,
suas expectativas, vez que suas escolhas e comportamentos podem ter sido inf‌luen-
ciados por estratégias de marketing de terceiros, possuindo vieses e tendências que
não os representam. Como consequência, os perf‌is formados a partir do tratamento
de tais dados podem estar incorretos, gerando outras consequências aos indivídu-
os, como o direcionamento de publicidade não desejada e/ou maiores preços para
produtos e serviços.
Posto isso, far-se-ão alguns apontamentos sobre a Economia Comportamental,
visando entender a tomada de decisões dos indivíduos ocorridas a partir de más
percepções do ambiente que os cercam ou inf‌luenciadas por estratégias de empresas
que podem passar despercebidas, propositalmente arquitetadas para impactar no
consumo de seus produtos e serviços.
2.4.1 A tomada de decisões enviesada e a Economia Comportamental
Indivíduos não fazem escolhas racionais a todo momento. Essas decisões podem
ter sido inf‌luenciadas por diversos fatores, principalmente em cenários de incerteza,
sendo objeto de estudo da Economia Comportamental. Tal campo de estudos se volta
às possíveis falhas em escolhas racionais do ser humano, contrariando o padrão do
homo economicus91, utilitário, que faria apenas escolhas racionais.
Em revisão internacional das aplicações iniciais da Economia Comportamental
à política, a OCDE menciona que o conceito daquela se aproxima de uma aplicação
de método científ‌ico indutivo para estudar atividade econômica92. Indo além da
Teoria da Escolha Racional ou da Teoria da Utilidade Esperada, tal campo de estudos
caminha em direção à Teoria do Prospecto ou da Perspectiva93, isto é, uma teoria em
que se descreve como os indivíduos fazem escolhas em frente a incertezas.
91. O conceito de homo economicus está ligado à teoria da escolha racional e foi usado pela primeira vez no
século XIX por críticos do método proposto por Mill (1836) para a economia política, que af‌irma que esta
não deveria considerar o homem completo como ele é, que seria adotar a teoria do “homem real” (homo
sapiens), arriscando-se a fazer previsão correta de como ele se comportará realmente nos negócios econô-
micos. MILL, John Stuart (1836). On the def‌inition of political economy, and on the method of investigation
proper to it. London and Westminster Review. In: HAUSMAN, Daniel (Ed.). The philosophy of economics:
an anthology. 2nd ed. Cambridge University Press, 1994. Cap. 1, p. 52-68. Nesse sentido, Hollis e Nell
af‌irmam que “o homem econômico racional não é um homem real. É, antes, qualquer homem real que se
conforme ao modelo a ser testado. Assim sendo, não se trata de testar uma teoria econômica em confronto
com o comportamento real do produtor ou consumidor [ou investidor] racionais. Os produtores e con-
sumidores [e investidores] são racionais precisamente na medida em que se comportam como previsto e
o teste mostra apenas quão racionais são”. HOLLIS, Martin; NELL, Edward J. (1975). O homem econômico
racional: uma crítica f‌ilosóf‌ica da economia neoclássica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977, p. 79.
92. Cf. LUNN, Pete. Regulatory Police and Behavioural Economics, OCDE Publishing, 2014. p. 22. Dispo-
nível em: .org/governance/regulatory-policy-and-behavioural-economics_
9789264207851-en#page22>. Acesso em: 19 out. 2020.
93. Desenvolvida por Daniel Kahneman e Amos Tversky na década de 70, tal teoria da psicologia cognitiva
pretende descrever e entender como indivíduos escolhem sem focar no resultado, isto é, na maximização
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De forma geral, trata-se de um campo de estudos interdisciplinar promovido
pela Economia através da Psicologia para criar uma ferramenta com maior poder
preditivo em determinadas situações94-95. Nesse sentido, Eisenberg aponta que a
racionalidade humana é limitada porque a informação também é, assim como a
capacidade e habilidade de processamento de tais informações96.
Posto isso, é possível explicar as decisões humanas por meio de uma das duas
formas a seguir apontadas97. A primeira alternativa está relacionada aos resultados
obtidos quando analisada a Economia Comportamental e a escolha dos indivídu-
os. Estas escolhas não são feitas de forma consistente, variando sistematicamente
a depender de diferentes fatores apresentados antes da tomada de decisões, da
comunicação da escolha, da existência de más percepções de fatores relevantes, da
complexidade do assunto, entre outros pontos.
O segundo caminho que justif‌ica a falha em escolhas racionais do ser humano
se relaciona ao fato de que as decisões são baseadas em outros fatores que os próprios
resultados dos indivíduos, como justiça alocativa, procedimentos justos, conf‌iáveis
e recíprocos, enquanto outros agem de forma altruísta.
Portanto, o comportamento humano apresenta (i) racionalidade limitada,
que teria sido um conceito introduzido por Herbert Simon para af‌irmar que o ser
humano não possui habilidades cognitivas inf‌initas; (ii) poder de escolha limitado,
o que pode resultar em decisões cujos resultados obtidos não estão de acordo com
os interesses a longo prazo do indivíduo; (iii) egoísmo limitado, pois há uma preo-
cupação em relação a terceiros em algumas circunstâncias conforme Jolls, Sustein
e Thaler af‌irmam98. Tudo isso afasta o indivíduo comum do homo economicus, ou
seja, do homem racional e utilitário.
do resultado e utilidade, mas em potenciais valores de ganhos e perdas no decorrer do processo de tomada
de decisões.
94. Cf. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; TIUJO, Edson Mitsuo. A educação formal para consumo é garantia
para uma presença ref‌letida do consumidor no mercado? Uma análise com base na Behavior Law and
Economics. Revista Brasileira de Políticas Públicas, [s. l.], v. 8, n. 2, p. 605, ago. 2018.
95. A história do seu desenvolvimento pode ser encontrada em: THALER, Richard. Misbehaving: A Construção
Da Economia Comportamental. São Paulo, Editora Intrinseca, 2019.
96. Cf. EISENBERG, Melvin A. Behavioral Economics and the Contract Law. In: The Oxford Handbook of
Behavioral Economics and the Law, Londres: Oxford University Press, 2014.
97. A OCDE traz estudos de Kahneman, DellaVigna, Rabin em relação ao comportamento individual; Congdon
et al., Sunstein, Dolan et al. e Shaf‌ir no contexto de formação de políticas; Armstrong e Huck em referên-
cia às decisões feitas pelas empresas. LUNN, Pete. Regulatory Police and Behavioural Economics, OCDE
Publishing, 2014. p. 22. Disponível em: .org/governance/regulatory-policy-an-
d-behavioural-economics_9789264207851-en#page22>. Acesso em: 19 out. 2020.
98. Cf. JOLLS, Christine; SUNSTEIN, Cass; THALER, Richard. A Behavioral Approach to Law and Economics.
Stanford Law Review, v. 50, n. 5, maio 1998, p. 1471-1550. Disponível em:
g/stable/1229304>. Acesso em: 04 jan. 2021.
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2 • O CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
Nesse contexto, decisões irref‌letidas podem gerar ou não erros sistemáticos99
e terceiros podem se aproveitar de tal cenário para aferir lucro. Teichman e Zamir
apontam que inf‌luenciar pessoas na tomada de decisões é crucial para a sobrevivência
de uma empresa100. Em um cenário em que são feitas escolhas irracionais baseadas
em informações imperfeitas, os anúncios servem para fornecer informação para
ajudar consumidores a procurar produtos ou serviços e persuadi-los a comprar101.
Posto isso, o estudo comportamental econômico se mostra essencial para re-
conhecer que as interações realizadas por terceiros em ambiente virtual, sejam na
forma de anúncios, dicas ou informações. Esses itens têm a capacidade de alterar
as preferências do consumidor e persuadi-lo, aproveitando-se de falhas humanas
para que este superestime o valor de determinado produto ou seja inf‌luenciado a
adquiri-lo102.
Tal dinâmica se relaciona a decisões sujeitas a distorções de julgamentos,
conhecidas como vieses ou heurísticas, que são pensamentos desacompanhados
de grandes ref‌lexões. Esses pensamentos podem ser estimulados ou corrigidos por
empurrões ou nudges, como incentivos do ambiente103.
Daniel Kahneman, ganhador do prêmio Nobel da Economia em 2002 pela
Academia Real Sueca de Ciências, é reconhecido pelo seu trabalho iniciado ao lado
de Amos Tversky sobre tomada de decisões em contexto de incertezas. De acordo
com seus estudos, o julgamento inferencial humano se afasta sistematicamente
dos modelos racionais de escolha, pois atalhos cognitivos permitem que sejam
tomadas decisões em contextos de incertezas, de maneira rápida, involuntária e
sem esforço.
Em sua obra “Rápido e Devagar: duas formas de pensar” 104, adota as expressões
“Sistema 1” e “Sistema 2” para representar personagens f‌ictícios ligados a diferentes
formas de agir do indivíduo. Segundo o autor, ambos os sistemas convivem simul-
taneamente, otimizando o desempenho do indivíduo e minimizando seus esforços.
Porém, enquanto o Sistema 1 é automático, com reações rápidas e sem senso volun-
tário, o Sistema 2 desempenha funções que precisam de atenção e escolha. Assim,
o Sistema 2 seria encarregado do autocontrole. Em suas palavras:
99. Cf. ALVES, Giovani Ribeiro Rodrigues. Economia Comportamental. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira;
KLEIN, Vinicius (coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2016. p. 75.
100. Cf. TEICHMAN, Doron; ZAMIR, Eyal. Behaviour Law and Economics. Nova Iorque: Oxford University
Press, 2018. p. 284.
101. Cf. HAWKINS, Jim. Exploiting advertising. Law & Contemporany Problems, [s. l.], v. 80, p. 44, 2017.
102. Cf. HAWKINS, Jim. Exploiting advertising. Law & Contemporany Problems, [s. l.], v. 80, p. 44, 2017.
103. Cf. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; TIUJO, Edson Mitsuo. A educação formal para consumo é garantia
para uma presença ref‌letida do consumidor no mercado? Uma análise com base na Behavior Law and
Economics. p. 600-614. Revista Brasileira de Políticas Públicas, [s. l.], v. 8, n. 2, p. 607, ago. 2018.
104. Cf. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de
Janeiro: Ed. Objetiva 2011. p. 30.
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PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
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O Sistema 2 é o único que pode seguir regras, comparar objetos com base em diversos atributos
e fazer escolhas deliberadas a partir de opções. O automático Sistema 1 não dispõe dessas capa-
cidades. O Sistema 1 detecta relações simples (“eles são todos parecidos”, “o lho é bem mais
alto que o pai”) e se sobressai em integrar informação sobre uma coisa, mas ele não lida com
tópicos distintos e múltiplos de uma vez, tampouco é prociente ao usar informação puramente
estatística105.
O Sistema 1, portanto, age de forma a gerar conteúdo para o Sistema 2, como intuições, impressões,
sentimentos que, se endossados por este, podem se tornar crenças e ações voluntárias. Contudo,
o Sistema 1 pode gerar decisões enviesadas e erros sistemáticos em determinadas circunstâncias
pela ausência de um racional, o que pode não ser identicado pelo Sistema 2 quando acionado.
Essa dinâmica explica a def‌inição técnica de heurística, representando um
procedimento simples que ajuda a mente humana a encontrar respostas adequadas,
ainda que incorretas, para perguntas complexas. O Sistema 2 pode seguir o caminho
do esforço pequeno feito pelo outro sistema e endossar uma resposta heurística sem
averiguar se ela está correta e se é apropriada. Seriam necessários um acentuado mo-
nitoramento e uma atividade contínua, o que é inviável, por exemplo, para tomada
de decisões rotineiras, feitas automaticamente pelo Sistema 1, ou no impulso de
clicar em algum anúncio ou adquirir certos produtos e serviços online.
Assim, o Sistema 1 estaria em grande parte da vida de cada indivíduo produzin-
do as suas impressões, monitorando continuamente o que está acontecendo fora e
dentro da mente, gerando avaliações de vários aspectos da situação sem intenções
específ‌icas e sem grandes esforços. Isso porque o conforto cognitivo é mais frequente
e apenas dá cena ao Sistema 2 quando um momento de tensão surge, fazendo-o reagir.
Dessa forma, as primeiras reações às publicidades e interações das empresas
são guiadas pelo Sistema 1, que, agindo involuntária e rapidamente, pode ser facil-
mente inf‌luenciado e persuadido por estratégias de marketing, tendo em vista que
infere causas e suprime a dúvida, f‌icando propenso a acreditar mesmo na ausência
de uma evidência106.
Posto isso, os vieses de comportamento aconteceriam na relação entre tais
sistemas, ou seja, no processo cognitivo. Thaler e Sunstein107 também mencionam
a existência de dois sistemas, um automático e um ref‌lexivo, bem como os vieses
de comportamento, diferenciando os indivíduos dos “econs” ou homo economicus.
Além disso, estes pesquisadores apresentam o conceito de empurrão, ao apro-
ximar a Economia Comportamental de políticas, o que chamam de paternalismo
105. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de
Janeiro: Ed. Objetiva 2011. p. 43.
106. Cf. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de
Janeiro: Ed. Objetiva 2011. p. 116.
107. THALER, Richard R. SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness.
Londres: Penguin Books, 2009.
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2 • O CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
libertário108. Na obra “Nudge”, os autores explicam a didática de atalhos cognitivos,
contribuindo para a compreensão do comportamento do consumidor. Como dito
acima, trata-se de um empurrão capaz de mudar o comportamento dos indivíduos
sem minorar a sua liberdade de escolha109-110. É possível discutir, nesse cenário, a
interferência de autoridades governamentais por meio de nudges visando ao bem-
-estar do consumidor111.
Portanto, por meio de limitados poderes de escolha, racionalidade e egoísmo
do ser humano, que não se resume em um homo economicus112, o modelo econômico
comportamental justif‌ica que consumidores são inf‌luenciados por técnicas e gatilhos
publicitários. Com isso, é possível que sua percepção seja distorcida no momento
da tomada de decisões.
Corrobora com isso a recente obra de Kahneman, Sibony e Sustein, denominada
Ruído: uma falha no julgamento humano. A obra retoma o conceito de vieses, como
“vieses de substituição, que levam a uma avaliação incorreta das evidências; vieses
de conclusão, que levam a contornar as evidências ou a considerá-las de forma dis-
torcida; e a coerência excessiva, que amplia o efeito das impressões iniciais e reduz
108. No presente trabalho, não será abarcado o tema do paternalismo libertário e suas consequências sociais, fo-
cando-se no papel do nudge como uma ferramenta que pode ser utilizada no contexto publicitário. Para maio-
res informações, SUNSTEIN, Cass; THALER, Richard. Libertarian Paternalism. American Economic Review, v.
93, n. 2, maio 2003. Disponível em: g/articles?id=10.1257/000282803321947001>.
Acesso em: 04 jan. 2021.
109. Nos termos da obra: “Esse nudge, na nossa concepção, é um estímulo, um empurrãozinho, um cutucão;
é qualquer aspecto da arquitetura de escolhas capaz de mudar o comportamento das pessoas de forma
previsível sem vetar qualquer opção e sem nenhuma mudança signif‌icativa em seus incentivos econômi-
cos. Para ser considerada um nudge, a intervenção deve ser barata e fácil de evitar. Um nudge não é uma
ordem”. In: THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving decisions about health, wealth,
and happiness. USA: Yale University Press, p. 11, 2008. 312 p.
110. Destaca-se o papel dos arquitetos de escolha próximos a alguns empurrões, que têm a responsabilidade de
organizar o contexto no qual as pessoas tomarão suas decisões pois detalhes ainda que pequenos podem
inf‌luenciar no comportamento dos indivíduos e em suas escolhas. No contexto publicitário, por exemplo,
colocar determinado anúncio em posição específ‌ica em uma lista de busca pode implicar em uma diferente
escolha ou inf‌luenciar consumidores trazendo informações de ações de terceiros ou uma pressão para se-
guir os passos da maioria. Nesse sentido: “Em particular, os anunciantes estão totalmente conscientes do
poder das inf‌luências sociais. Frequentemente, enfatizam que “a maioria das pessoas prefere” seu próprio
produto, ou que “um número crescente de pessoas” está mudando de outra marca, que foi a notícia de
ontem, para a sua, que representa o futuro. Eles tentam cutucá-lo, dizendo o que a maioria das pessoas está
fazendo agora”. Assim, anunciantes como arquitetos de escolhas em determinados contextos têm plena
consciência do poder das inf‌luências sociais e utilizam isso a seu favor, oferecendo produtos, serviços e
preços com indicações que inf‌luenciam nas decisões dos indivíduos. In: THALER, Richard H.; SUNSTEIN,
Cass R. Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness. USA: Yale University Press, p.
64, 2008. 312 p.
111. Recomenda-se a leitura de THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving decisions about
health, wealth, and happiness. USA: Yale University Press, 2008. 312 p.
112. Cf. MULLAINATHAN, Sendhil; THALER, Richard. Behavioral Economics. Working paper 7948. National
Bureau of Economics Research, 2000. Disponível em: .nber.org/papers/w7048>. Acesso em: 23 out.
2020.
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PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
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o impacto de informações contraditórias”113 (tradução nossa), af‌irmando que estes
podem produzir ruídos, inf‌luenciando na tomada de decisões, notadamente ao lado
da inteligência artif‌icial.
Assim, as ferramentas da Economia Comportamental permitem compreender
que existem mecanismos que inf‌luenciam os consumidores em suas decisões. Por
esse motivo, os perf‌is inferidos nem sempre corresponderão à realidade ou ao real
desejo do consumidor, sendo necessário considerar as particularidades da Economia
Comportamental quando forem estudados, evitando concluir por perf‌is equivocados
que podem, inclusive, prejudicar os consumidores.
Feitas estas considerações preliminares sobre a dinâmica de plataformas di-
gitais, formação de perf‌is e comportamento do consumidor, passa-se ao estudo da
prática de preços personalizados em tais plataformas, possível pelo tratamento de
dados pessoais.
113. No original: “[…] substitution biases, which lead to a misweighting of the evidence; conclusion biases,
which lead us either to bypass the evidence or to consider it in a distorted way; and excessive coherence,
which magnif‌ies the effect of initial impressions and reduces the impact of contradictory information”.
KAHNEMAN, Daniel; SIBONY, Olivier; SUSTEIN, Cass R. Noise: a f‌law in human judgement. New York:
Little, Brown Spark, 2021. p. 161.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 68EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 68 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47

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