A prática de preços personalizados em mercados digitais

Páginas69-106
3
A PRÁTICA DE PREÇOS
PERSONALIZADOS EM
MERCADOS DIGITAIS
Com o tratamento de dados pessoais dos indivíduos, é possível analisar e
predizer seu perf‌il de consumo e comportamento, como visto no item 2.3. A partir
disso, empresas têm a capacidade de aferir o preço de reserva do consumidor para
determinado produto ou serviço, o que corresponde ao valor que determinado in-
divíduo pretende pagar por um bem.
Diante do mencionado tratamento de dados, com a formação de perf‌is e,
posteriormente, aferição do preço de reserva, é possível direcionar preços con-
dizentes com as expectativas do consumidor. Esta dinâmica permite extrair o
excedente do indivíduo que se dispõe a pagar mais do que o valor original de um
produto ou serviço, o que possibilita que empresas expandam a comercialização
para consumidores que apenas comprariam algo se pagassem menos do que o seu
valor original.
Posto tal contexto, este Capítulo pretende apresentar o conceito de preços
discriminatórios de acordo com a classif‌icação proposta por Arthur Pigou, dando
destaque aos de primeiro e terceiro graus, isto é, preços personalizados formados
a partir de dados pessoais e do comportamento do consumidor. Neste contexto,
será explorada a discriminação comportamental a partir dos ensinamentos de Ariel
Ezrachi e Maurice Stucke na obra Virtual Competition.
Ver-se-á, assim, alguns dos efeitos negativos e positivos de tais práticas no mer-
cado e a recepção dos consumidores em relação ao tema para, no próximo Capítulo,
analisar como o ordenamento jurídico pátrio poderá tutelar situações em que refe-
ridas práticas passam a ser prejudiciais aos indivíduos, em especial à luz da LGPD.
3.1 PREÇOS DISCRIMINATÓRIOS EM MERCADOS DIGITAIS
Uma empresa aplica preços discriminatórios quando onera dois consumidores
de forma desigual para o mesmo produto ou serviço, sendo que essa diferença de
preço não é decorrente de diferenças de custos ou fatores externos. Ou seja, dois
consumidores pagarão preços diferentes pelo mesmo bem, apesar de o fornecedor
ter o mesmo custo.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 69EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 69 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
70
O objetivo dessa prática é a maximização de lucros da empresa, pois teorica-
mente abrangerá tanto consumidores que podem pagar mais, cobrando mais por
determinado produto ou serviço, quanto os que não pretendem pagar o mesmo
valor, diminuindo a quantia a ser cobrada. Nas palavras de Posner:
Preços discriminatórios são uma expressão que economistas usam para descrever a prática de
vender o mesmo produto para diferentes consumidores por diferentes preços mesmo que os
custos da venda sejam os mesmos. Mais precisamente, trata-se de vender a um preço de forma
que a relação entre o preço e os custos marginais seja diferente nas vendas1.
Assim, empresas podem explorar preços discriminatórios cobrando mais de
uns e menos de outros. Em alguns casos, é possível determinar um preço diferen-
ciado para cada consumidor, ao invés de fazê-lo em relação a determinado grupo de
indivíduos com características em comum2.
Para f‌ins elucidativos, de acordo com Pigou, que é referência na literatura
sobre o tema, esses preços discriminatórios podem ser divididos em três graus3. O
primeiro grau se refere aos preços individualizados e personalizados, obtidos após
tratamento de dados pessoais. Já o segundo grau não se relaciona necessariamente
com dados pessoais, sendo comumente encontrado em promoções de quantidade,
isto é, “leve 3, pague 2”. Por f‌im, o terceiro grau está voltado a preços de grupo,
relacionado ou não com dados pessoais, como valores diferentes para idosos ou
crianças no cinema. Vejamos.
Preços discriminatórios de primeiro grau também são conhecidos como dis-
criminação de preços perfeita4. Trata-se da prática de alterar preços de acordo com
o que cada consumidor está disposto a pagar em relação a determinado produto ou
serviço, ou seja, o seu preço de reserva, conhecido na doutrina como vontade de
pagar, em inglês, willingness-to-pay ou simplesmente WTP, conforme abaixo:
WTP denota o preço máximo que um comprador está disposto a pagar por uma determinada
quantidade de um bem. É uma medida em escala de proporção do valor subjetivo que o com-
prador atribui a essa quantidade. Ele ou ela compra aquele item de um conjunto de alternativas,
para as quais sua WTP excede ao máximo o preço de compra5.
1. No original: “Price discrimination is a term that economics use to describe the practice of selling the same
product to different customers at different prices even though the cost of sales is the same of each of them.
More precisely, it is selling at a price or prices such that the ratio of price to marginal costs is different in
different sales”. POSNER, Richard A. Antitrust law. 2. ed. Chicago: University of Chicago Press, 2001.
2. Cf. BAR-GILL, Oren. Algorithmic Price Discrimination: When Demand Is a Function of Both Preferences
and (Mis) Perceptions. The Harvard John M. Olin Discussion Paper Series, [s. l.], n. 05, p. 18-32, 2018. p. 1.
Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2020.
3. Cf. PIGOU, A. C. The Economics of Welfare. London: Macmillan. 1920.
4. Cf. PINDYCK, Robert Stephen; RUBINFELD, Daniel Lee. Microeconomia. 6. ed. São Paulo: Pearson Brasil,
2006; SHAPIRO, Carl.; VARIAN, Hal R. Information Rules: A Strategic Guide to the Network Economy.
Boston: Harvard Business School Press, 1999.
5. No original: “The WTP denotes the maximum price a buyer is willing to pay for a given quantity of a good.
It is a ratio-scaled measure of the subjective value the buyer assigns to that quantity. He or she buys that
item from a set of alternatives, for which his or her WTP exceeds purchase price the most”. (WERTENBRO-
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 70EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 70 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
71
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
De acordo com Bar Gill, esse conceito do preço de reserva representa as pre-
ferências do consumidor de um lado e as suas percepções e más percepções (como
vieses em decisões vistos no item 2.4.1) de outro, identif‌icadas a partir da exploração
do Big Data e o uso de algoritmos sof‌isticados6.
Assim, a partir do tratamento de dados pessoais7, são extraídas informações que
permitem demonstrar quanto o consumidor está disposto a pagar por determinado
produto ou serviço e, consequentemente, implementar uma cobrança de preços
diferenciada e individualizada8.
Essa dinâmica permite explorar o excedente do consumidor, que é a diferença
que se paga por determinado produto ou serviço e o valor que se estava disposto a
pagar. Em uma discriminação de primeiro grau, a empresa capta todo esse excedente,
cobrando o mesmo valor que o consumidor pagaria por determinado produto ou
serviço. Logo, o preço cobrado é o preço original somado da quantia extra que o
consumidor está apto a pagar.
O motivo de as empresas praticarem tais preços discriminatórios é porque se
trata de uma estratégia majoritariamente lucrativa. Tal fato decorre da possibilidade
de captação do excedente de um consumidor que está disposto a pagar um preço
maior do que o preço que seria etiquetado originalmente no produto ou serviço, bem
como vender a outro consumidor por um preço menor, já que este não se interessaria
em comprar condições normais. Yossi Sheff‌i, professor do Instituto de Tecnologia
de Massachusetts, def‌ine preços discriminatórios como a ciência de retirar todo o
dinheiro possível dos consumidores9.
Ocorre que preços discriminatórios de primeiro grau não são simples na prá-
tica. Conforme será explicado no item 3.3.1, há dif‌iculdades em estimar o preço de
reserva de cada consumidor tendo em vista as diversas possibilidades de tomada de
decisões no cenário digital e perf‌is diferentes10.
CH, Klaus; SKIERA, Bernd. Measuring consumers’ willingness to pay at the point of purchase. Journal of
marketing research, [s. l.], v. 39, n. 2, p. 228, maio 2002, tradução nossa).
6. Cf. BAR-GILL, Oren. Algorithmic Price Discrimination: When Demand Is a Function of Both Preferences
and (Mis) Perceptions. The Harvard John M. Olin Discussion Paper Series, [s. l.], n. 05, p. 18-32, 2018. p. 1.
Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2020.
7. Cf. Esses dados podem ser provenientes do próprio consumidor, bem como estarem relacionados com
preços dos concorrentes; preços anteriores, lucros e receitas do fornecedor; custos, produção e estoque
do fornecedor. (COMPETITION AND MARKETS AUTHORITY - CMA. Pricing algorithms. Economic
working paper on the use of algorithms to facilitate collusion and personalised pricing. Londres, 08 out.
2018, p. 15. Disponível em:
attachment_data/f‌ile/746353/Algorithms_econ_report.pdf>. Acesso em: 07 set. 2020).
8. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2016. p. 85.
9. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2016. p. 89.
10. Cf. PINDYCK, Robert Stephen; RUBINFELD, Daniel Lee. Microeconomia. 6. ed. São Paulo: Pearson Brasil,
2006.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 71EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 71 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
72
O segundo grau dos preços discriminatórios se diferencia dos demais porque
não está relacionado necessariamente ao tratamento de dados pessoais e à análise
do comportamento do consumidor. Não se trata, portanto, de um preço personali-
zado. Essa categoria de discriminação ocorre quando são oferecidos preços distintos
dependendo da quantidade consumida por determinada pessoa, sendo uma prática
associada geralmente ao desconto de quantidade ou grau de ansiedade dos consu-
midores. Para Shapiro e Varian11, trata-se da prática de preços de menu.
Por meio de tal sistema, de acordo com os ensinamentos de Pindyck e Rubinfeld,
cobram-se preços diferentes por unidades para quantidades diferentes da mesma
mercadoria12. Um clássico exemplo são as ofertas relacionadas à quantidade, como
“leve 3, pague 2”, técnica utilizada para atrair consumidores com propensões a pagar
preços diferentes oferecendo dois ou mais pacotes de preço-quantidade.
Outra opção é explorar a técnica de controle de versão, pois vendedores podem
inf‌luenciar que os consumidores se auto selecionem por meio do oferecimento de
um mesmo produto variando as suas características, como a qualidade do software,
a performance do produto ou o design.
Contudo, para que a discriminação de segundo grau ocorra mesmo existindo
versões diferentes do mesmo produto disponíveis para qualquer consumidor, os
indivíduos precisam estar cientes da existência dessas versões ou fazer um esforço
para comparar as diferentes ofertas, o que também distancia esse tipo de discrimi-
nação de preços das demais.
Já a discriminação de terceiro grau é também conhecida como preço de grupo
na nomenclatura proposta por Shapiro e Varian13. Em tal categoria, diferenciam-se
os preços que serão cobrados de um mesmo produto ou serviço a partir das carac-
terísticas do grupo analisado, o que pode ser feito por meio da análise de dados
pessoais ou anonimizados, incluindo fatores como idade, localização, prof‌issão14.
Neste grau de discriminação, é possível que haja uma subclassif‌icação em duas
variáveis, não necessariamente relacionadas com dados pessoais, sendo os preços
intemporais e preços de pico. Enquanto o primeiro busca captar o excedente de ca-
pital do consumidor de acordo com a demanda, preços de pico pretendem aumentar
a ef‌iciência econômica da empresa15. Explica-se.
11. Cf. SHAPIRO, Carl.; VARIAN, Hal R. Information Rules: A Strategic Guide to the Network Economy. Boston:
Harvard Business School Press, 1999.
12. Cf. PINDYCK, Robert Stephen; RUBINFELD, Daniel Lee. Microeconomia. 6. ed. São Paulo: Pearson Brasil,
2006. p. 330.
13. Cf. SHAPIRO, Carl; VARIAN; Hal R. Information Rules: A Strategic Guide to the Network Economy. Boston:
Harvard Business School Press, 1999.
14. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Perso-
nalised Pricing in the Digital Era – Note by the European Union. Paris: OCDE Publishing, 2018. Disponível
em: . Acesso em: 29 jun. 2020.
15. PINDYCK, Robert Stephen; RUBINFELD, Daniel Lee. Microeconomia. 6. ed. São Paulo: Pearson Brasil,
2006.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 72EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 72 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
73
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
Preços intemporais consistem na divisão dos consumidores em grupos de alta
e baixa demanda de acordo com suas características, cobrando preços diferentes de
cada um. Por exemplo, um smartphone é lançado no mercado por um preço especí-
f‌ico e muitos querem comprá-lo. Porém, após determinado tempo, os consumidores
não estão mais dispostos a pagar o mesmo preço, fazendo com que estes diminuam.
Já o preço de pico ocorre quando alguns produtos apresentam a demanda elevada
em apenas alguns momentos, derivados da alta procura de um produto que faz com
que os custos marginais se elevem, como o aluguel de casas de praias no verão ou
em feriados ou a busca por hotéis quando há algum grande evento na proximidade.
Expostas as três categorias de preços discriminatórios, ressalta-se que nenhuma
delas é sinônimo de preços dispersos, que estão ligados a diferentes valores atribuí-
dos a um mesmo produto ou serviço, porém proveniente de distintos fornecedores.
Portanto, em preços dispersos, a atribuição do preço depende de fatores externos e
não está associada aos dados e comportamento do consumidor (preços discrimina-
tórios de primeiro e terceiro grau) ou com a quantidade comprada (segundo grau).
Preços discriminatórios em geral, independentemente da sua categorização em
graus, também se diferem de preços dinâmicos, relacionados à mudança de valor
dependendo do momento da compra, da disponibilidade do produto, da quantidade
de competição no mercado, da oferta e a demanda de uma forma geral, entre outros.
A diferenciação pode ser complexa em situações envolvendo outros fatores, sendo
que as duas categorias (preços discriminatórios e preços dinâmicos) podem ocorrer
simultaneamente.
Um dos exemplos citados por Ezrachi e Stucke na obra “Virtual Competition” é
a cobrança de preços menores em supermercados em horários de almoço ou horários
tardios, em que a procura por produtos é menor, aumentando o preço em outros
momentos, como no período da manhã. Essa prática pode ref‌letir não apenas preços
dinâmicos, mas também discriminatórios, porque está ligada ao horário de sensibili-
dade dos consumidores percebível por meio do tratamento de seus dados pessoais16.
Uma das justif‌icativas que permite essa personalização é a capacidade de algo-
ritmos que aprendem com o comportamento do usuário e com seu modo de reação
em determinadas circunstâncias. Com isso, tais algoritmos agrupam e categorizam
indivíduos, permitindo que a empresa aproxime um mesmo grupo a partir do seu
preço de reserva.
Essa dinâmica tem implicações jurídicas, como será visto no Capítulo 4, prin-
cipalmente ao considerar os princípios constitucionais da igualdade em contrapo-
sição ao da livre iniciativa, bem como os diferentes cenários de mercado que podem
existir, isto é, mercados concentrados, em que há poder econômico concentrado
16. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 87-88.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 73EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 73 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
74
em poucas empresas, e mercados pulverizados, assim como bens essenciais, como
medicamentos, e não essenciais.
Diante do conceito apresentado e das diferentes categorias de discriminação
de preços, passa-se a analisar o objeto da presente pesquisa, que são os preços per-
sonalizados.
3.2 PREÇOS PERSONALIZADOS COMO UMA ESPÉCIE DE PREÇOS
DISCRIMINATÓRIOS
Apesar de, em alguns casos, preços personalizados serem usados como sinôni-
mos de preços discriminatórios, adota-se na presente pesquisa o conceito também
utilizado pela OCDE que os def‌ine como uma espécie de preços discriminatórios,
derivados exclusivamente de informações adquiridas de determinado indivíduo17.
Como visto, preços personalizados seriam preços discriminatórios de primeiro
grau e, ocasionalmente, de terceiro grau, relacionados com dados pessoais dos
consumidores.
De acordo com estudo realizado pelo departamento do Reino Unido encarre-
gado da defesa do consumidor e da concorrência - Off‌ice of Fair Trade (OFT), preços
personalizados possuem dois elementos essenciais. Um deles é a cobrança de preços
diferentes dos mesmos produtos ou serviços dos consumidores a partir das infor-
mações deles provenientes e o segundo é a previsão de quanto esses consumidores
estarão dispostos a pagar por determinado produto ou serviço. Conforme elenca:
A prática em que empresas usam informações observadas, voluntariamente compartilhadas,
inferidas ou coletadas sobre as condutas ou características dos indivíduos para fornecer preços
diferentes para diferentes consumidores (mesmo que seja para indivíduos ou um grupo base),
com fundamento no quanto a empresa acredita que tais consumidores irão pagar18.
Portanto, preços personalizados estão intimamente ligados com a prática
de formação de perf‌is dos consumidores, vista no item 2.3. Assim, a dinâmica de
preços personalizados em mercados digitais é possível graças à capacidade que os
algoritmos adquiriram com o decorrer do tempo de formar perf‌is dos titulares dos
dados por eles tratados, a partir de informações pessoais dos indivíduos, como o
histórico de compras e o comportamento online, que podem ser analisados a partir
17. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE.
Personalised pricing in the digital Era – Background Note by the Secretariat. Paris: OCDE Publishing, nov.
2018, p. 8. Disponível em: . Acesso
em: 16 set. 2020.
18. No original: “(…) the practice where businesses may use information that is observed, volunteered, infer-
red, or collected about individuals’ conduct or characteristics, to set different prices to different consumers
(whether on an individual or group basis), based on what the business thinks they are willing to pay.”.
(OFFICE FAIR TRADE – OFC. The economics of online personalised pricing – Note by UK. Londres: Crown
Copyright, maio 2013. Disponível em: .uk/20140402154756/
http://oft.gov.uk/shared_oft/research/oft1488.pdf>. Acesso em: 01 set. 2020. Tradução nossa).
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 74EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 74 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
75
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
de cookies, endereços de IP, números de cartões de créditos, autenticação do usu-
ário, programas de f‌idelidade, entre outros. Algumas empresas até mesmo pagam
para rastrear os dados dos usuários, por meio de descontos aos consumidores que
aceitam ser rastreados19.
Como visto no Capítulo 1, essas informações podem ser providas voluntaria-
mente, como quando há a criação de uma conta para uma compra em que se informa
nome, endereço, telefone, número de cartão de crédito ou de forma involuntária,
como ocorre com as informações obtidas a partir da análise de cookies. Além disso,
há a possibilidade de tais informações serem colhidas através de terceiros, como
agências de publicidade que observam o comportamento do consumidor a partir
de redes de anúncios ou websites af‌iliados20.
O Secretariado da OCDE assinala que há três passos para a precif‌icação per-
sonalizada, consistentes em coleta dos dados, estimação da disposição em pagar
dos consumidores e escolha do preço ótimo a cobrar de cada cliente21. De acordo
com estudos no tema, usuários que utilizam Apple, iOS ou Safari normalmente
pagam preços mais elevados22. Essa diferenciação de preços pode ser realizada,
por exemplo, através de cupons de desconto digitais direcionados a determinados
indivíduos23.
Mencionada precif‌icação personalizada ocorre principalmente em um con-
texto de implementação de Big Data, posto que são coletados dados dos possíveis
consumidores e, quanto maior a quantidade tratada, mais precisa poderá ser a oferta
e preço direcionados24. Nesse sentido, a Comissão Europeia af‌irma que a coleta de
dados pessoais permite aos vendedores a possibilidade de determinar com maior
precisão os preços que os consumidores estão dispostos a pagar:
19. Cf. AT&T Gives Discount to Internet Customers Who Agree to be Tracked. Adage. c1994-2020. Disponível
em: https://adage.com/article/digital/t-u-verse-ad-tracking-discount-subscribers/297208. Acesso em: 16
set. 2020.
20. Cf. BORGESIUS, Frederik Zuiderveen; POORT, Joost. Online Price Discrimination and EU Data Privacy
Law. Journal of Consumer Policy, [s. l.], v. 40, n. 3, p. 4, 2017.
21. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE. Per-
sonalised Pricing in the Digital Era – Background Note by Secretariat. Paris: OCDE Publishing, nov. 2018,
p. 10. Disponível em: . Acesso em:
16 set. 2020.
22. Cf. HANNAK, Aniko et al. Measuring Price Discrimination and Steering on E-commerce Web Sites. In:
Proceedings of the 2014 conference on internet measurement conference, Vancouver, p. 305-318, nov. 2014.
Disponível em: . Acesso em: 17 set.
2020.
23. Cf. BAR-GILL, Oren. Algorithmic Price Discrimination: When Demand Is a Function of Both Preferences
and (Mis) Perceptions. The Harvard John M. Olin Discussion Paper Series, [s. l.], n. 05, p. 18-32, 2018. p. 4.
Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2020.
24. Cf. COMPETITION AND MARKETS AUTHORITY – CMA. Pricing algorithms. Economic working paper
on the use of algorithms to facilitate collusion and personalised pricing. Londres, 08 out. 2018, p. 55.
Disponível em: -
ment_data/f‌ile/746353/Algorithms_econ_report.pdf>. Acesso em: 07 set. 2020.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 75EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 75 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
76
Não há dúvida de que a coleta de dados pessoais e o perl dos consumidores são viabilizados
pela quantidade de dados gerados por diversos dispositivos e pelos avanços nas tecnologias de
rastreamento e análise de dados. Isso oferece aos vendedores online a possibilidade de oferecer
aos consumidores produtos e serviços sob medida (personalizados) e estar em uma posição de
determinar com maior precisão os preços que os consumidores estão dispostos a pagar de acordo
com suas características (por exemplo, compradores auentes versus não auentes), de modo
que para otimizar melhor suas próprias receitas.25
Um dos mercados em que costumeiramente é averiguada a prática de preços
personalizados é o de passagens aéreas, em que os valores variam de indivíduo
a indivíduo de acordo com inúmeros fatores, incluindo dados pessoais como a
urgência da compra, a previsibilidade da decisão de voar, o perf‌il de consumo,
entre outros.
Os consumidores que satisfaçam algumas restrições estabelecidas internamente
pela organização podem receber, por exemplo, cupons de descontos na compra da
passagem26. Tal prática é conhecida e aceita pelos indivíduos, que chegam a utilizar
técnicas para que o preço não se eleve, como a utilização de janelas de navegação
no modo anônimo ou diferentes IPs para a procura de um voo.
Além disso, alguns estabelecimentos como supermercados, entre os quais se
destaca a rede Pão de Açúcar27, implementam programas de f‌idelidade que dão des-
contos e sugerem produtos de acordo com o histórico do consumidor, o período de
interesse em certos produtos e a frequência de compras.
No entanto, como af‌irmam Ezrachi e Stucke, cartões de f‌idelidade são apenas
a ponta do iceberg de como empresas podem rastrear comportamento e predizer
perf‌is de consumo28.
De forma geral, as evidências da prática de preços personalizados são poucas,
o que pode estar relacionado a dois principais motivos. O primeiro deles é a inexis-
tência da prática pelas empresas, enquanto o segundo está relacionado com a não
transparência ao consumidor quando a prática ocorre. Apesar disso, foram encon-
25. No original: “There is no doubt that the collection of personal data and the prof‌iling of consumers is enabled
by the amount of data generated by multiple devices and the advances in tracking technologies and data
analytics. This offers online sellers the possibility to offer consumers tailored (personalised) products and
services and to be in a position to determine with greater accuracy the prices that consumers are prepared
to pay according to their characteristics (e.g. aff‌luent versus non-aff‌luent shoppers) so as to better optimize
their own revenues”. (EUROPEAN COMISSION. Consumer market study on online market segmentation
through personalised pricing/offers in the European Union. Luxemburgo: Publications Off‌ice of the European
Union, p. 268, 2018. Disponível em:
ration_fundamental_rights/aid_and_development_by_topic/documents/synthesis_report_online_per-
sonalisation_study_f‌inal_0.pdf>. Acesso em: 16 set. 2020, tradução nossa).
26. Cf. BELLEFLAMME Paul; PEITZ, Martin. Industrial Organization Markets and Strategies. Nova Iorque:
Cambridge University Press, 2010. p. 197.
27. PÃO DE AÇÚCAR MAIS. Sobre o Programa. São Paulo, 2021. Disponível em: .paodeacucar.
com/mais/sobre-o-programa>. Acesso em: 20 jul. 2021.
28. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 94.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 76EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 76 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
77
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
trados exemplos provenientes de estudos e reportagens no cenário internacional e
nacional, o que será mencionado a seguir.
3.2.1 Preços personalizados no cenário internacional: casos concretos
Em 2000, a Amazon.com se destacou nas discussões sobre precif‌icação perso-
nalizada, pois estava comercializando DVDs com preços diferentes aos consumi-
dores. Ao ser questionada sobre a prática, justif‌icou-se dizendo que se tratava de
apenas um teste, o que resultou na devolução dos valores diferenciados cobrados
dos consumidores29.
Já em 2010, The Wall Street Journal reportou que a empresa Capital One Finan-
cial Corp. estava usando tecnologia de personalização de preços para decidir quais
opções de cartões de crédito eram mais apropriadas para oferecer aos seus visitantes
dependendo do perf‌il f‌inanceiro que apresentavam30.
Mikians et al.31 f‌izeram experimentos controlados para analisar a prática de
preços personalizados. Para isso, testaram navegador, sistema operacional, geolo-
calização dos consumidores a partir de serviços de proxy na costa leste e oeste dos
EUA, Alemanha, Espanha, Coréia e Brasil, além de histórico de navegação e URL
de origem, todos vinculados a falsas personas, isto é, simulações criadas para o
experimento. Criaram, assim, um histórico que imita o comportamento de pessoas
af‌luentes ou preocupadas com o orçamento. No total, foram verif‌icados 600 produtos
entre 35 diferentes categorias e 200 vendedores.
O estudo demonstrou que não houve diferença de preços para diferentes siste-
mas operacionais e navegadores, mas foram registradas algumas diferenças com base
na localização do usuário, em seu perf‌il “rico” ou “pobre” de compra, bem como a
URL de origem. Uma das conclusões obtidas relacionou um perf‌il com baixo preço
de reserva após a visita de um usuário ao website do fornecedor por meio de um
website de descontos. Em tal situação, os preços foram até 23% mais baixos do que
o que está disponível ao visitar o website do fornecedor diretamente.
Também vale mencionar que, em 2012, The Wall Street Journal reportou no-
vamente preços personalizados, desta vez praticados pela loja Staples, Inc. que
comercializava itens de escritórios. Tais preços estavam relacionados à localização
de seus clientes, isto é, se as lojas rivais estivessem a um raio de 20 milhas ou mais
29. Cf. VALENTINO-DEVRIES, Jennifer; SINGER-VINE, Jeremy; SOLTANI, Ashkan. et al. Websites Vary
Prices, Deals Based on Users’ Information. 2012. apud EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual
Competition. The promises and perils of the algorithm-driven economy. Cambridge: Harvard University
Press, 2016. p. 90.
30. Cf. STEEL, Emily; ANGWIN, Julia. On the Web’s Cutting Edge, Anonymity in Name Only. Wall Street
Journal, Nova Iorque, 4 ago. 2010. Disponível em: .wsj.com/articles/SB10001424052748703
294904575385532109190198>. Acesso em: 17 set. 2020.
31. Cf. MIKIANS, Jakub et al. Detecting price and search discrimination on the Internet. In: Proceedings of the
11th ACM Workshop on Hot Topics in Networks, Redmond, p. 79-84, out. 2012.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 77EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 77 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
78
do indivíduo, o website da empresa oferecia um preço com desconto para aproxi-
mar o consumidor32. Um dos concorrentes da empresa admitiu, inclusive, adotar a
mesma prática33.
No mesmo ano, The New York Times publicou artigo sobre a evidência de preços
personalizados em redes de supermercados Kroger e Safeway em que, como uma
estratégia de captação e f‌idelização, os preços eram maiores para consumidores f‌iéis
e menores para aqueles que alternavam as compras entre concorrentes34.
Soma-se a esses exemplos o ocorrido pela loja Nomi Technologies Inc. que,
usando tecnologia de rastreamento de dispositivos móveis, rastreou cerca de 9 mi-
lhões de usuários durante os primeiros nove meses do ano de 2013. Com tais dados,
ofereceu a seus varejistas uma análise relacionada à quantidade de consumidores
que entraram na loja entre aqueles que passaram em frente, aos tipos de dispositivos
móveis utilizados pelos consumidores, à duração média da visita, à porcentagem de
visitas em determinado período, entre outras informações35.
Além disso, um estudo de Hannak et. al. sobre diferenciação de preços realizado
no ano de 2014 observou diferenças em preços direcionados aos consumidores em
16 dos mais populares comércios eletrônicos americanos. Entre eles, destacam-se
os websites Walmart e Expedia, cujos preços variavam de acordo com o sistema
operacional utilizado, com o navegador escolhido ou com a ferramenta de uso, se
computador ou celular36.
Também no ano de 2014, a Comissão Nacional de Informática e Liberdades37
(CNIL) e a Direção Geral da Concorrência, do Consumo e da Repressão de Fraude
32. Cf. VALENTINO-DEVRIES, Jennifer; SINGER-VINE, Jeremy; SOLTANI, Ashkan Devries et al., Websites
Vary Prices, Deals Based on Users’ Information. The Wall Street Journal, dez. 2012. Disponível em:
www.wsj.com/articles/SB10001424127887323777204578189391813881534>. Acesso em: 25 jul. 2021.
33. Cf. VALENTINO-DEVRIES, Jennifer; SINGER-VINE, Jeremy; SOLTANI, Ashkan Devries et al., Websites
Vary Prices, Deals Based on Users’ Information. The Wall Street Journal, dez. 2012. Disponível em:
www.wsj.com/articles/SB10001424127887323777204578189391813881534>. Acesso em: 25 jul. 2021.
34. Cf. CLIFFORD, Stephanie. Shopper Alert: Price May Drop for You Alone. The New York Times, Nova
Iorque, 09 ago. 2012. Disponível em:
-customizing-prices-for-shoppers.html#:~:text=Shopper%20Alert%3A%20Price%20May%20Drop%20
for%20You%20Alone,-Jennie%20Sanford%20shopped&text=It%20used%20to%20be%20that,beco-
ming%20a%20lot%20less%20egalitarian.>. Acesso em: 17 set. 2020.
35. Cf. In re Nomi Technologies, Inc., FTC 132 3251. 23 abr. 2015 apud EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice
E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-driven economy. Cambridge: Harvard
University Press, 2016. p. 95.
36. Cf. HANNAK, Aniko et al. Measuring Price Discrimination and Steering on E-commerce Web Sites. In: Proce-
edings of the 2014 conference on internet measurement conference, Vancouver, p. 305-318, nov. 2014. Disponível
em: . Acesso em: 17 set. 2020.
37. A Comissão Nacional de Informática e Liberdades, também conhecida como CNIL, foi criada na França em
1978 pela Lei “Informatique et Libertés”. Trata-se de autoridade administrativa independente que atua no
tema da proteção de dados pessoais visando informar, proteger, acompanhar, aconselhar, antecipar, controlar
e sancionar todos aqueles que tratem dados pessoais. Já a Direção Geral da Concorrência, do Consumo
e da Repressão de Fraude do Ministério da Economia e de Finanças da França, também conhecida como
DGCCRF, assegura o bom funcionamento dos mercados, em benefício dos consumidores e das empresas.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 78EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 78 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
79
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
do Ministério da Economia e de Finanças da França conduziram um estudo sobre
práticas de personalização em comércios eletrônicos38.
Foram encontradas evidências de preços diferentes principalmente no setor de
transportes, baseados no número de lugares restantes no meio de transporte ou na
hora do dia que a compra é feita, constituído, assim, preços dinâmicos. Os preços
personalizados foram constatados a partir do histórico de busca do usuário ou do
uso de uma ferramenta de comparação de preços.
Outros casos apareceram na mídia após reclamações de consumidores. Um
deles ocorreu no ano de 2015 quando o marketplace ZipRecruiter, que recrutava
prof‌issionais para empresas por um valor mensal de noventa e nove dólares, realizou
experimentos baseados em preços personalizados a partir de algoritmos e tratamento
de dados dos usuários para cobrar seus serviços. A mudança gerou um aumento de
85% seu lucro39.
Em 2016, constatou-se que a empresa Coupons.com explorava técnicas de
personalização baseadas em demograf‌ia e geograf‌ia para garantir que os consu-
midores fossem atingidos com os produtos mais interessantes, personalizando o
conteúdo de acordo com o perf‌il do usuário. Para tanto, geralmente analisava-se
o perf‌il a partir dos cliques e interesses demonstrados, assim como cupons que
haviam sido ativados, dados de cartões de f‌idelidade e produtos que constavam
nas listas de compras40.
Existem outros exemplos que ilustram os debates em torno da prática, tal como
houve na Hungria, onde a autoridade da concorrência Gazdasági Versenyhivatal
(GVH) iniciou investigações em outubro de 2016 contra Airbnb Ireland41. A empresa
alterava custos das acomodações oferecidas a diferentes consumidores de acordo
com informações pessoais, como dispositivos utilizados pelos consumidores no
momento da busca e locação de hospedagem42. Como resultado, foi feito um acordo
38. Cf. MINISTÈRE DE L´ÉCONOMIE ET DES FINANCES. IP Tracking: conclusions de l’enquête conjointe
menée par la CNIL et la DGCCRF. Comission Nationale de L’Informatique et des Libertés, Paris, 27 jan.
2014. Disponível em: .fr/f‌iles/f‌iles/directions_services/dgccrf/presse/commu-
nique/2014/cp_tracking_27012014.pdf>. Acesso em: 17 set. 2020.
39. Cf. WALLHEIMER, B. Are You Ready for Personalised Pricing? Chicago Booth Review, 26 fev. 2018. Dispo-
nível em: ticle/are-you-ready-personalized-pricing>.
Acesso em: 07 set. 2020.
40. Cf. Coupons.com Inc. Annual report pursuant to section 13 or 15(d) of the securities exchange act of 1934
Form 10- K for the Fiscal Year Ended December 31 2014. Ohio: [s. n.], 2014, p. 4. apud EZRACHI, Ariel;
STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-driven economy.
Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 90.
41. Cf. HUNGARIAN COMPETITION AUTHORITY. The competition supervision procedure against Airbnb
has been closed with the acceptance of commitments. Gazdasági Versenyhivatal, Budapest, 19 jun. 2018.
Disponível em: oom/press_releases/press_releases_2018/the_competi-
tion_supervision_procedure_against_airb.html>. Acesso em: 16 set. 2020.
42. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE. Per-
sonalised pricin in the digital Era - Note by Hungary. [S. l.: s. n.], nov. 2018. p. 4. Disponível em:
one.oecd.org/document/DAF/COMP/WD(2018)122/en/pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 79EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 79 03/02/2022 08:53:4703/02/2022 08:53:47
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
80
com Airbnb, que se comprometeu a tomar algumas medidas que deixassem mais
transparentes os preços cobrados.
No campo das pesquisas, foi desenvolvido um sistema denominado “$heriff”43
com a capacidade de detectar ofertas em preços diferenciados baseados em alguns
fatores. Utilizando tal sistema, Iordanou et al. reportaram que usuários recebiam
diferentes preços dependendo do seu país de origem ou do tipo de browser usado,
apesar de tal fenômeno não ter aparecido na maioria dos sites analisados, no ano
de 201744.
Em experimento realizado pela Comissão Europeia publicado em 201845,
foram encontradas evidências de ofertas personalizadas baseadas nas informações
do comportamento do consumidor online como históricos de busca e cookies, além
de se relacionar à rota de acesso ao website, isto é, a ferramenta de busca utilizada,
ferramenta de comparação de preços, browser e dispositivo. Ademais, notou-se que
o acesso por dispositivos móveis havia maior impacto sobre o preço personalizado
que o acesso por diferentes mecanismos de busca.
Assim, considerando a análise feita em 34 websites, sendo estes relacionados
a mercado de sapatos, televisões, passagens aéreas (não apenas das próprias com-
panhias aéreas) e hotéis, o experimento da Comissão Europeia constatou que estes
últimos foram os mais sujeitos a preços personalizados.
Os websites de comércio eletrônico analisados usavam técnicas diferentes para
personalização, sendo que 44% exploravam o comportamento do consumidor. A
pesquisa demonstrou que websites menores tendem a praticar mais a personalização
do que websites maiores o que poderia ser explicado pela menor evidência midiática
de tais empresas46. Contudo, o estudo não encontrou uma evidência consistente e
sistemática de preços personalizados47.
43. Cf. $HERIFF. Detecting Price Discrimination. 2017. Disponível em:
home>. Acesso em: 16 set. 2020.
44. Cf. IORDANOU, Costas et al. Who is f‌iddling with prices? Building and deploying a watchdog service for
e-commerce. In: Proceedings of the Conference of the ACM Special Interest Group on Data Communication,
Los Angeles, p. 376-389, ago. 2017. Disponível em:
sigcomm17-f‌inal89.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2020.
45. Cf. EUROPEAN COMISSION. Consumer market study on online market segmentation through personalised
pricing/offers in the European Union. Luxemburgo: Publications Off‌ice of the European Union, p. 219-220,
2018. Disponível em: -
tal_rights/aid_and_development_by_topic/documents/synthesis_report_online_personalisation_study_f‌i-
nal_0.pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
46. Empresas maiores são alvo de análises constantes e uma problematização no tema poderia impactar gra-
vemente em sua reputação, tendo em vista o destaque na mídia.
47. Cf. EUROPEAN COMISSION. Consumer market study on online market segmentation through personalised
pricing/offers in the European Union. Luxemburg: Publications Off‌ice of the European Union, p. 260, 2018.
Disponível em: -
ghts/aid_and_development_by_topic/documents/synthesis_report_online_personalisation_study_f‌inal_0.
pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 80EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 80 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
81
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
3.2.2 Preços personalizados no Brasil: o caso Decolar.com
Preços discriminatórios já foram objeto de investigação no território nacional
sob a ótica consumerista. Para entender seus desdobramentos, são necessárias al-
gumas considerações sobre o robusto Sistema Nacional de Defesa do Consumidor,
integrado por órgãos diversos órgãos da federação, como PROCONs, e entidades
civis, cuja semente foi plantada na década de 80, conforme será mencionado no
item 4.1.2.
A Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (SENACON), criada pelo
Decreto 7.738/2012, atua de forma articulada com esse Sistema, responsável por
coordenar sua atuação para que bons resultados sejam alcançados. Integrante do
Ministério da Justiça, suas atribuições estão def‌inidas no art. 106 do Código de
Defesa do Consumidor e no art. 3º do Decreto 2.181/97.
A atuação da SENACON se volta a planejar, elaborar, executar e coordenar a
Política Nacional das Relações de Consumo, bem como a análise de questões que
tenham “repercussão nacional e interesse geral, promoção e coordenação de diálogos
setoriais com fornecedores, cooperação técnica com órgãos e agências reguladoras,
advocacia normativa de impacto para os consumidores, prevenção e repressão de
práticas infrativas aos direitos dos consumidores”48.
No caso a ser mencionado, destaca-se o Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor (DPDC), que faz parte da SENACON e a auxilia na execução da Política
Nacional das Relações de Consumo. Além disso, cumpre mencionar a atuação dos
Ministérios Públicos, que têm independência funcional para zelar pelo respeito das
leis, ordem pública e direitos da comunidade. Cabe aos Ministérios Públicos propo-
rem Ações Civis Públicas em casos de lesão a direitos coletivos dos consumidores,
como ocorreu em caso de precif‌icação personalizada no Brasil49.
Apresentados os agentes que se envolveram com o caso, passa-se à apresentação.
A empresa Decolar.com foi alvo de investigações iniciadas em 2016 pela práti-
ca de preços discriminatórios a partir da localização dos consumidores, fenômeno
denominado geopricing, além da negativa de oferta de vagas também com base em
localização, ato conhecido como geoblocking. Essas práticas, consistem, basica-
mente em:
48. PEREIRA DA SILVA, Juliana (coord.). Manual de Direito do Consumidor. 4. ed. rev. atual. Brasília: Escola
Nacional de Defesa do Consumidor, 2014.
49. Existem diversos outros agentes que atuam para a proteção do consumidor no país, como a Defensoria
Pública, Delegacia de Defesa do Consumidor, Organizações Civis de Defesa do Consumidor das mais
variadas formas – organizações não governamentais, associações, fundações, organizações da sociedade
civil de interesse público, Associação Brasileira de PROCONs, Associação Nacional do Ministério Público
do Consumidor, Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, Fórum Nacional das Entidades
Civis de Defesa do Consumidor, Agências Reguladoras etc.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 81EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 81 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
82
A geodiscriminação digital subdivide-se em duas práticas: geo-blocking e geo-pricing. O geo-pri-
cing, ou seja, a precicação diferenciada da oferta com base na origem geográca do consumidor,
é tratado pela doutrina econômica como uma modalidade de discriminação de preços, a qual
nada mais é do que a prática comercial de vender o mesmo bem por diferentes preços a diferentes
clientes. [...] Já o geo-blocking pode ser denido como o conjunto de práticas comerciais que
impedem determinados consumidores de acessar e/ou comprar bens ou serviços oferecidos por
intermédio de uma interface online, com fundamento na localização do cliente. Acrescente-se,
ainda, que tal bloqueio pode ser feito de diversas formas, tais como: bloqueio direto de algum
conteúdo na interface online (geo-blocking em sentido estrito); redirecionamento de consumi-
dores para uma interface diferente; restrição ao registro na interface online; recusa de entrega
de um produto em determinada localidade; recusa de pagamento ou de meio de pagamento
proveniente de determinado Estado ou localidade etc.50
O caso se destacou durante as Olimpíadas de 2016, em que preços e vagas
em hotéis eram oferecidos de forma diferenciada para consumidores argentinos
e brasileiros. Os preços não dependiam necessariamente de dados pessoais, mas
estavam relacionados à localização dos consumidores. Assim, consumidores
localizados no Brasil eram cobrados mais pelos hotéis do que os consumidores
localizados no exterior.
Este possível ato ilícito já estava sendo investigado pelo Ministério Público
do Estado do Rio de Janeiro por meio do Inquérito Civil 347/2016-0004691124.
Por esse motivo, além de a SENACON notif‌icar a empresa por meio da Notif‌icação
97/2016/CCTSENACON/CGCTSA/DPDC/SENACON, houve expedição de Ofício
264/2016/CCT-SENACON/CGCTSA/DPDC/SENACON-MJ ao Ministério Público
para que este informasse suas conclusões sobre o inquérito em trâmite.
A SENACON alegou a violação dos arts. 4º, caput, I e III; 6º, II, III, IV e VI
e 39, II, V, IX e X, do CDC; cometimento de crime def‌inido no art. 7º, I, da Lei
8.137/1990, por favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês;
conf‌iguração da infração disposta no art. 9º, VII do CDC e, por f‌im, a desobe-
diência ao art. 2º, do Decreto n. 7.962/2013, que dispõe sobre a contratação no
comércio eletrônico.
Em janeiro de 2018, foi proposta Ação Civil Pública pelo Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro, ainda sem julgamento def‌initivo51. Apesar de o processo
ser público, Decolar.com propôs Mandado de Segurança requerendo a decretação
de segredo de justiça, o que foi concedido em decisão monocrática do Ministro
Luis Felipe Salomão apenas em relação à perícia que a ser realizada no algoritmo
da empresa. A decisão proferida no Recurso Especial em Mandado de Segurança
50. FORTES, Pedro; MARTINS; Guilherme Magalhães; OLIVEIRA, Pedro. O consumidor contemporâneo no
show de Truman: a geodiscriminação digital como prática ilícita no direito brasileiro, Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, v. 124, jul.-ago. 2019, p. 5.
51. Ação Civil Pública n° 0018051-27.2018.8.19.0001, distribuída à 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital
do Rio de Janeiro em segredo de justiça.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 82EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 82 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
83
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
n. 61.306 RJ prezou pelo sigilo empresarial, sem prejudicar o interesse público, o
direito à informação e à publicidade52.
[...] 7. Por m, conforme requerido pelo próprio Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (s.
169 e 175) e com o escopo de, a um só tempo, resguardar o interesse público e preservar direitos de
propriedade intelectual, considero razoável a manutenção do segredo de justiça tão somente no que
diz respeito ao algoritmo adotado pela Decolar.com Ltda. e à eventual perícia de informática relativa
a tal algoritmo e toda a base de dados adotada para a operação do sistema de reservas eletrônicas53.
No mesmo ano, como consequência das investigações em âmbito administrativo
feitas pela SENACON, Decolar.com foi multada pelo DPDC no valor de sete milhões
e quinhentos mil reais sob alegação de prática de infração à legislação consumerista,
nos termos da Lei Federal 8.078/1990, art. 56; Decreto Federal 2.181/1997, art. 18;
Portaria 7/2016 da SENACON, art. 12; e Lei Federal 9.784/1999, art. 6854.
52. Em tal caso é possível discutir limites da publicidade e transparência à população em face à proteção de
segredos de negócio da empresa, principalmente em se tratando de Ação Civil Pública. Assim, com a decisão
monocrática proferida, não se esgota a questão de o interesse público preponderar em detrimento de segre-
dos de negócio. Vale mencionar que não há, no ordenamento jurídico nacional, disposição expressa sobre
a proteção de algoritmos por segredo industrial. Este, por sua vez, encontra proteção na Lei da Propriedade
Industrial, Lei 9.279/1996, enquanto programas de computador estão protegidos pelo direito autoral, nota-
damente a Lei de Software, Lei 9.609/1998, e bases de dados pelo direito autoral, Lei 9.610/1998. Trata-se de
um tema que deve ser frequentemente enfrentado nos próximos anos, visto que plataformas digitais explo-
ram algoritmos para a prestação de seus serviços. Além disso, abre-se a discussão dos limites da proteção de
segredos de negócio, recomendando-se a leitura de MOORE, Taylor. Trade Secrets and Algorithms as Barriers
to Social Justice. Center for Democracy and Technology, ago. 2017. Disponível em:
trade-secrets-and-algorithms-as-barriers-to-social-justice/>. Acesso em: 10 maio 2021.
53. STJ. Recurso Especial em Mandado de Segurança n. 61306 RJ. Recurso ordinário em mandado de segurança.
Ação civil pública. Decretação de segredo de justiça. Ilegalidade. Existência. Geodiscriminação. Geo-pricing.
Geo-blocking. Processo coletivo. Publicidade. Necessidade, com resguardo apenas dos direitos de proprie-
dade intelectual. 1. As práticas de “geodiscriminação” - discriminação geográf‌ica de consumidores -, como
o geo-pricing e o geo-blocking, desenvolvem-se no contexto da sociedade de risco e da informação, por
intermédio de algoritmos computacionais, e - se comprovados - possuem a potencialidade de causar danos
a número incalculável de consumidores, em ofensa ao livre mercado e à ordem econômica. 2. O processo
coletivo, instrumento vocacionado à tutela de situações deste jaez, é moldado pelo princípio da informação
e publicidade adequadas (fair notice), segundo o qual a existência da ação coletiva deve ser comunicada aos
membros do grupo. 3. A publicidade, erigida a norma fundamental pelo novo Código de Processo Civil (Art.
8º), garante transparência e torna efetivo o controle da atividade jurisdicional, motivo pelo qual também
representa imperativo constitucional conforme se depreende do caput do art. 37 e do inciso IX do art. 93. 4.
Não se desconhece que, em hipóteses excepcionais, é possível a decretação de sigilo de processos judiciais,
conforme dispõe o art. 189 do CPC/2015. No entanto, na hipótese, tendo em vista os princípios que informam
o processo coletivo e as garantias constitucionais e legais que socorrem os consumidores, o que na verdade
atende o interesse público ou social é a publicidade do processo, que versa sobre possível prática de “geodis-
criminação”. 5. Outrossim, conforme requerido pelo próprio Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e
com o escopo de, a um só tempo, resguardar o interesse público e preservar direitos de propriedade intelectual,
considero razoável a manutenção do segredo de justiça tão somente no que diz respeito ao algoritmo adotado
pela Decolar.com Ltda. e à eventual perícia de informática relativa a tal algoritmo em toda a base de dados
adotada para a operação do sistema de reservas eletrônicas. 6. Recurso ordinário em mandado de segurança
conhecido e parcialmente provido. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Dj. 04 dez. 2019. Brasília, DF.
54. BRASIL. Decisão de Aplicação de Sanção Administrativa - Processo 08012.002116/2016-21. Diário Of‌icial
da União. 18 jun. 2018. Ed. 115. Seção 1. p. 115. Disponível em: .br/materia/-/asset_pu-
blisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/26176368/do1-2018-06-18-despacho-n-299-2018-26176301>. Acesso
em: 19 set. 2020.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 83EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 83 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
84
Em 2020, a Fundação PROCON de São Paulo também multou a empresa pela
prática de atos abusivos e violação dos artigos 39 e 51 do CDC, cujo valor de mais
de um milhão de reais deve ser aplicado mediante processo administrativo55.
Acredita-se que se o caso ocorresse atualmente, na vigência da LGPD, haveria
envolvimento da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, pois os dados que foram
tratados pela empresa se referem à localização de consumidores e poderiam ter o
potencial de identif‌icá-los. Frazão, ao pontuar sobre o tema, reconhece o princípio
da livre iniciativa, mas relembra que ela não é absoluta, havendo critérios a serem
observados em casos de abuso de posição jurídica56.
Apesar de este caso ter sido o mais midiático em cenário nacional, existem outras
evidências de que preços discriminatórios e, até mesmo, personalizados ocorrem.
Estes podem ser observados em cupons de descontos em aplicativos de comida,
como Ifood, que os envia de maneira personalizada a depender do usuário, da sua
frequência de consumo e das suas preferências.
Além disso, aplicativos de transporte como o Uber também demonstram certa
personalização de preços que ultrapassa a oferta e a demanda, diferenciando valores
para usuários que se encontram no mesmo local57. Nesse sentido, o PROCON de
Florianópolis notif‌icou a empresa por prática abusiva pois, segundo consumidores
relataram, viagens eram canceladas pelo aplicativo e na tentativa de remarcação o
preço era elevado, principalmente no aeroporto da cidade.
Como os estudos realizados sobre o tema demonstraram que a precif‌icação
personalizada ocorre, mesmo quando não é declarada, é provável que empresas a
pratiquem, mas mantenham a prática oculta aos consumidores.
Postos os exemplos que demonstram a prática de preços personalizados no
mercado, passa-se à análise das condições e limitadores para que a precif‌icação
personalizada ocorra no mercado.
3.3 CONDIÇÕES E LIMITADORES PARA DINÂMICA DE PREÇOS
PERSONALIZADOS
Há condições para que a prática de preços personalizados possa ser efetiva.
A primeira delas se refere à necessidade de que consumidores tenham nenhuma
ou pouca possibilidade de revender os bens adquiridos ou comparar seus preços
55. PROCON-SP multa decolar. PROCONsp. Notícias & releases. 23 jan. 2020. Disponível em: .
PROCON.sp.gov.br/PROCON-sp-multa-decolar/>. Acesso em: 19 set. 2020.
56. FRAZÃO, Ana. Geopricing e geoblocking: as novas formas de discriminação de consumidores: os desaf‌ios
para o seu enfrentamento. Jota, 2018. Disponível em:
constituicao-empresa-e-mercado/geopricing-e-geoblocking-as-novas-formas-de-discriminacao-de-con-
sumidores-15082018>. Acesso em: 07 ago. 2021.
57. PROCON notif‌ica Uber por prática abusiva contra consumidores da Capital. Conexão Comunidade. 22 jun.
2021. Disponível em: https://jornalconexao.com.br/2021/06/22/PROCON-notif‌ica-uber-por-pratica-abu-
siva-contra-consumidores-da-capital/. Acesso em: 23 jun. 2021.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 84EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 84 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
85
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
com o de outros fornecedores, o que se denomina ausência de arbitragem. So-
ma-se a tal condição a existência de um certo poder de mercado pela empresa,
além da possibilidade de realizar a análise de dados pessoais com ferramentas
tecnológicas58.
A ausência de arbitragem está relacionada com a impossibilidade de revender o
produto ou serviço, ou seja, com as trocas que podem ser feitas em um mercado. Se um
consumidor com um preço de reserva baixo que comprou o produto por determinado
preço puder revender determinado produto para outro consumidor, haverá maior
dif‌iculdade na implementação dos preços personalizados pelas próprias empresas,
removendo as chances de ser cobrado um preço elevado de determinado comprador
com um preço de reserva mais alto. Por esse motivo, de acordo com Bar-Gill, preços
personalizados ocorrem com maior probabilidade em mercados de bens perecíveis
ou mercados de altos custos de transação e de serviços, em que a arbitragem é mais
complexa para ser realizada pelos próprios consumidores59.
Na perspectiva da análise antitruste, a existência de um certo poder de mer-
cado60 é necessária pois em um cenário de concorrência perfeita não seria possível
a cobrança de preços personalizados. A inexistência de um poder de mercado da
empresa favoreceria um equilíbrio natural nos preços pela relação entre a oferta e
a demanda.
A terceira condição está relacionada com o poder de processamento de
algoritmos e ferramentas tecnológicas, tendo em vista que a empresa deve ser
capaz de identif‌icar o perf‌il do consumidor. Isso ocorre por meio do tratamento
de dados pessoais, observando suas características, comportamentos, interações
e preferências61.
Visando à contextualização, de acordo com manuais de microeconomia,
Thompson pontua as mesmas condições para a prática de preços personalizados
por meio de outras palavras.
A primeira condição está relacionada à existência de um poder de mercado
pela empresa, ref‌letida na necessidade de uma curva de demanda negativamente
58. Cf. BOURREAU, Marc; DE STREEL, Alexandre. The Regulation of Personalised Pricing in the Digital Era.
Social Science Research Network, [s. l.], v. 150, p. 2, 17 jan. 2019. Disponível em:
ssrn.3312158>. Acesso em: 28 jun. 2020.
59. Cf. BAR-GILL, Oren. Algorithmic Price Discrimination: When Demand Is a Function of Both Preferences
and (Mis) Perceptions. The Harvard John M. Olin Discussion Paper Series, [s. l.], n. 05, p. 18-32, 2018. p. 7.
Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2020.
60. Por poder de mercado, entende-se a possibilidade de determinado agente econômico atuar independen-
temente e com indiferença aos atos dos demais pela ausência de concorrência entre eles. DOMINGUES,
Juliana; GABAN, Eduardo. MIELE, Aluísio; SILVA, Breno. Direito Antitruste 4.0 fronteiras entre concor-
rência e inovação. São Paulo: Ed. Singular, 2019.
61. Nesse sentido, recomenda-se a leitura de DOMINGUES, Juliana; GABAN, Eduardo; MIELE, Aluísio; SILVA,
Breno. Direito Antitruste 4.0fronteiras entre concorrência e inovação. São Paulo: Ed. Singular, 2019.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 85EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 85 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
86
inclinada62. A segunda condição se refere à capacidade de processamento dos dados
dos consumidores e do agrupamento de diferentes tipos de consumidores com de-
mandas diferentes. Por f‌im, a terceira condição se relaciona com a possibilidade de
segregar as vendas de maneira a evitar a arbitragem. Em suas palavras:
[...] 1. A rma deve se defrontar com uma curva de demanda negativamente inclinada e, portanto,
deve ter algum poder de discriminação sobre o preço que impõe aos compradores de seu produto
ou serviço. Com uma curva de demanda horizontal, a rma não tem qualquer motivo para vender
a preços diferentes; de fato, vender a um preço menor do que o preço de mercado envolve um
sacrifício de lucros. 2. A rma deve possuir um grupo facilmente identicável de clientes com
diferentes tipos de demanda para o produto ou serviço em questão. Dito de outra forma, o formato
da curva de demanda para uma dada classe de consumidores deve ser diferente do formato da
curva de demanda para outra classe de consumidores. 3. A rma deve ser capaz de segregar as
vendas de cada grupo de consumidores de tal forma que os consumidores que estejam pagando
o preço mais baixo pelo item em consideração não possam revendê-lo para os consumidores
que estejam pagando o preço mais alto pelo mesmo produto; em outras palavras, os diferentes
grupos de consumidores devem estar segregados uns dos outros de forma que a revenda do item
de um grupo para o outro seja impossível ou pouco lucrativa63.
Vale mencionar que uma curva de demanda negativamente inclinada se trata
de um ref‌lexo do conjunto do efeito substituição e efeito renda. Tal condição apre-
sentada existe pois não seria possível a prática de preços personalizados quando há
um substituto do produto ou serviço caso este tenha o preço aumentado, de forma
que o consumidor passaria a comprá-lo de terceiros. Além disso, se preços apenas
aumentam e não há demanda, o consumidor terá sua renda diminuída.
Ainda segundo Thompson, a segunda condição está relacionada com a neces-
sidade de analisar perf‌is dos consumidores, pois é necessária a existência de dife-
rentes perf‌is com preços de reserva distintos para que a precif‌icação personalizada
seja bem-sucedida. Assim, a empresa poderá cobrar menos de um consumidor e
compensar cobrando mais de outro. Se apenas existissem consumidores com preços
de reserva baixos, a empresa não teria lucros.
Por f‌im, a última condição se refere à capacidade de segmentação dos consumido-
res para que não ocorra a arbitragem entre eles, ou seja, para que a revenda de um bem
comprado por um valor não seja vendida pelo mesmo consumidor a outro com um
preço de reserva superior, impedindo que a empresa faça tal venda e adquira o excedente.
62. A curva da demanda negativamente inclinada ocorre quando há uma relação inversamente proporcional
entre a quantidade procurada e o preço do produto ou serviço oferecido. Ela resulta da combinação de
um efeito de renda e substituição, de forma que se o preço de um bem aumenta, a queda da quantidade de
demanda será o resultado. Assim, no efeito de renda, quando aumenta o preço de um bem, o consumidor
perde poder aquisitivo e a demanda diminui. Já o efeito da substituição faz com que consumidores procurem
bens substitutos quando o preço aumenta.
63. THOMPSON, Arthur A. Jr. Microeconomia da Firma – teoria e prática. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora S.A.,
2003. p. 252.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 86EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 86 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
87
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
Tal segmentação dos consumidores também se mostra importante tendo em
vista a existência de um forte senso de justiça entre eles. Isso foi demonstrado por
Kahneman, Knetsch e Thaler a partir da constatação de um repúdio por parte dos
indivíduos pela diferenciação de preços64.
Por esse motivo, empresas que praticam precif‌icação personalizada devem evitar
que consumidores descubram que pagaram mais que outro indivíduo pelo mesmo
produto ou serviço sem uma explicação plausível. Caso contrário, esse consumidor
pode se sentir lesado e prejudicar a reputação da empresa por atos que diminuam a
sua imagem e valorização perante terceiros.
Como visto no Capítulo 2, consumidores têm um grande poder de inf‌luência
com a tecnologia e redes sociais. Assim, os preços personalizados têm mais chances de
sucesso econômico em mercados onde os indivíduos não podem acessar diretamente
a informação sobre o quanto foi pago por terceiros em relação a um mesmo bem65.
De acordo com o Centro de Regulação na Europa66, entre os limitadores da
prática de preços personalizados também estão as leis de defesa da concorrência e
leis de proteção ao consumidor, sendo proibido, por exemplo, práticas comerciais
desleais, como propaganda enganosa67. Além disso, o Centro destaca a importância
das regras de proteção de dados, pois, conforme estabelecido por regulações como
o GDPR e a LGPD, há a necessidade de uma base legal para o tratamento de dados,
conforme será visto no próximo Capítulo.
Ainda na lista de limitadores da precif‌icação personalizada, existem regras prin-
cipalmente se os preços estiverem baseados em gênero, raça, religião, etnia, idade
ou, até mesmo, o local de residência ou nacionalidade de determinado indivíduo,
como caso ocorrido em ingressos da Disneyland de Paris no verão de 2015, que
aparentemente favorecia tickets para residentes da França ou da Bélgica68.
Nesse contexto, destaca-se a prática do geopricing, mencionada no caso Deco-
lar.com apresentado no item 3.2.2, consistente na estratégia de diferenciar preços
pela localização do consumidor. Ocorre, portanto, uma espécie de discriminação
de preços de terceiro grau, pois há a diferenciação do consumidor pelo local em que
64. Cf. KAHNEMAN, Daniel; KNETSCH, Jack; THALER, Richard. Fairness as a Constraint on Prof‌it Seeking:
Entitlements in the Market. The American Economic Review, [s. l.], v. 76, n. 4, p. 728-741, set. 1986.
65. Cf. BAR-GILL, Oren. Algorithmic Price Discrimination: When Demand Is a Function of Both Preferences
and (Mis) Perceptions. The Harvard John M. Olin Discussion Paper Series, [s. l.], n. 05, p. 18-32, 2018. p. 8.
Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2020.
66. Cf. BOURREAU, Marc; DE STREEL, Alexandre; GRAEF, Inge. Big Data and Competition Policy: Market
power, personalised pricing and advertising. Social Science Research Network, [s. l.], 21 fev. 2017. 61 p.
Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2020.
67. Essas limitações jurídicas serão exploradas no Capítulo 4.
68. Cf. VERTRETUNG IN DEUTSCHLAND. Disneyland Paris: Kommission begrüßt Änderung der Preispolitik.
[S. l.: s. n.], c2020. Disponível em:
-begr%C3%BC%C3%9Ft-%C3%A4nderung-der-preispolitik_de>. Acesso em: 17 set. 2020.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 87EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 87 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
88
reside ou se encontra no momento da compra e os preços são apresentados a partir
da demanda geográf‌ica69-70-71-72.
Além das condições e limitações apresentadas, existem particularidades de
preços personalizados de primeiro grau que merecem ser destacadas a seguir, o que
pode encaminhar empresas para uma outra categoria de preços discriminatórios,
conhecida como discriminação de preços quase perfeita, conforme explicam Ezrachi
e Stucke73.
3.3.1 Discriminação de preços quase perfeita
Foi visto que a prática de preços discriminatórios de primeiro grau decorre
de perf‌is individualizados dos consumidores, o que exige da empresa uma grande
capacidade técnica para o tratamento de dados pessoais e uma considerável quanti-
dade de dados74. Além disso, é necessário um algoritmo avançado que seja capaz de
identif‌icar qual o preço de reserva de cada consumidor, da forma mais individuali-
zada possível. Esta dinâmica pode ocorrer a partir da observação e rastreamento de
dados de transações e comportamento do indivíduo, bem como sob quais condições
e pontos de preço as compras são feitas por ele ou não.
Contudo, muitas vezes há insuf‌iciência de dados pois, mesmo que o rastrea-
mento e tratamento de dados de determinado consumidor sejam feitos por um longo
período e em diversas circunstâncias, podem existir situações particulares ainda não
69. Cf. DE SOUZA, Luiz Henrique Machado. Discriminação de preços por geopricing: um estudo de caso da
Decolar.com. 2019. Monograf‌ia (Bacharelado em Ciências Econômicas) – Escola Paulista de Política,
Economia e Negócios. Ciências Econômicas, Universidade Federal de São Paulo, Osasco, 2019. p. 23.
70. De acordo com estudo realizado, tal prática é comumente feita a partir de quatro técnicas, sendo a primeira
delas chamada de point-of-production pricing, isto é, o custo do frete não é de responsabilidade do fornece-
dor, de forma que a sua receita continua consistente mesmo que haja maior custo na entrega dos produtos.
Já a segunda se trata da uniform delivered pricing, em que o preço da entrega é f‌ixo e, consequentemente,
aqueles que moram mais próximos do fornecedor estariam pagando um valor a mais. A terceira é a zone
pricing, variando preços de acordo com a zona do consumidor. Por f‌im, a freight-absorption pricing, que
ocorre quando o fornecedor cobra o preço da entrega que um concorrente próximo ao consumidor cobraria
(MCCORMICK, Moira. What is geopricing? Black Curve, [s. l.], 20 abr. 2016. Disponível em:
blackcurve.com/what-is-geographic-pricing>. Acesso em: 07 set. 2020).
71. No item 3.2 foi apresentado o caso da Decolar.com investigado pelo Ministério da Justiça em âmbito ad-
ministrativo (DPDC) e pela Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em Ação Civil Pública.
72. A União Europeia, por sua vez, tem regulamentação própria sobre o tema de bloqueio geográf‌ico quando
este é injustif‌icado, bem como de outras formas de discriminação com base na residência ou local de es-
tabelecimento do consumidor. UNIÃO EUROPEIA. Regulamento 2018/302 do Parlamento Europeu e do
Conselho de 28 de fevereiro de 2018 que visa prevenir o bloqueio geográf‌ico injustif‌icado e outras formas
de discriminação baseadas na nacionalidade, no local de residência ou no local de estabelecimento dos
clientes no mercado interno, e que altera os Regulamentos (CE) 2006/2004 e (UE) 2017/2394 e a Diretiva
2009/22/CE. Bruxelas, 2018. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=-
CELEX:32018R0302&from=EN. Acesso em: 24 abr. 2021.
73. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-driven
economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016.
74. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 96 ss.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 88EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 88 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
89
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
previstas e analisadas, como a ausência de compra ou avaliação do consumidor em
relação a determinado produto, serviço ou condição.
Dessa forma, para que a discriminação de preços perfeita ocorra, seriam neces-
sários dados suf‌icientes que identif‌iquem e meçam todas as variáveis que afetam o
preço de reserva do consumidor.
Adiciona-se a essa dif‌iculdade a existência de inúmeros fatores que afetam a
decisão de compra do consumidor. Esse indivíduo pode não saber qual o seu pró-
prio preço de reserva para determinado produto ou serviço ou formar um preço de
reserva enviesado diante de inf‌luências de fatores externos, retomando a análise no
campo da Economia Comportamental, demonstrada no item 2.4.1.
Como visto anteriormente, os indivíduos são complexos e suas decisões podem
estar embasadas em vieses que podem alterar as suas decisões, além da existência
de um senso de preocupação com a Justiça. Alguns experimentos demonstraram
que muitos consumidores não conseguem prever seu próprio preço de reserva e são
inf‌luenciados por outros fatores75.
Uma estratégia que pode ser explorada é o efeito de priming, que ocorre quando
as ideias evocadas mostram a capacidade de evocar outras, embora mais sutilmen-
te. Trata-se de conexões recíprocas na rede associativa, como gestos inf‌luenciando
inconscientemente os pensamentos e emoções dos consumidores, podendo, assim,
voltar a atenção do indivíduo a determinado produto ou serviço oferecido76.
A presença da ancoragem é um dos exemplos que parte desse efeito e inf‌luencia
a decisão do consumidor, pois quando se estima um preço mais elevado por deter-
minado produto ou serviço, o consumidor f‌ica mais propenso a acreditar que tal
preço vale do que se fosse estimado um preço inferior.
Assim, a ancoragem serviria como um empurrão para inf‌luenciar a escolha do
indivíduo sugerindo que o pensamento se inicie a partir de determinado ponto77.
Por exemplo, se uma casa fosse oferecida por cem mil reais, o consumidor partiria
do pressuposto de que essa casa se relaciona a este valor, o que poderia não ocorrer
se nenhum valor fosse sugerido pelo fornecedor, deixando o consumidor livre para
decidir se a casa vale cinquenta, duzentos ou cem mil reais.
Outra situação que pode inf‌luenciar a decisão dos consumidores é o uso de iscas,
como a própria orientação dos produtos e serviços. Ezrach e Stucke exemplif‌icam
tal situação mencionando que a garrafa do segundo vinho mais caro é muito popular
75. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 97.
76. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de
Janeiro: Ed. Objetiva. 2011. p. 61.
77. Cf. SUNSTEIN, Cass; THALER, Richard H. Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness.
2008. p. 24.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 89EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 89 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
90
em restaurantes, bem como a penúltima mais barata, por dar ao consumidor uma
sensação de ter algo especial, mas não o melhor ou o pior de todos78.
Logo, consumidores possuem racionalidade limitada e força de vontade im-
perfeita, o que dif‌iculta a busca pela discriminação de preços perfeita que requer
a identif‌icação de todos os parâmetros-chave de cada indivíduo e a observação e
melhoria da estimativa de cada parâmetro79.
Postas tais considerações, para evitar algum erro na previsão do preço de reser-
va de cada consumidor seria necessária uma quantidade imensa de dados para que
todas as situações pudessem ser previstas e estimadas. Adiciona-se a isso a neces-
sidade de uma grande amostra para que o teste de hipóteses de tomada de decisões
fosse robusto, vez que para estimar o que afeta o preço de reserva de determinado
indivíduo seriam necessários vários experimentos.
Assim, há alguns níveis de assimetria de informações em relação a preços per-
sonalizados não se restringindo apenas aos consumidores, mas também às empresas
e seus concorrentes. Não serão todos os agentes no mercado que possuirão a mesma
quantidade de dados pessoais ou a mesma capacidade de processamento80, o que
pode constituir uma barreira de entrada no mercado em termos competitivos81.
Portanto, uma empresa que tem melhores algoritmos e tecnologia, pode seg-
mentar de uma melhor forma seus consumidores, explorando com mais af‌inco a
discriminação de preços, principalmente preços discriminatórios de primeiro grau
devido à sua maior capacidade de processamento e análise de dados.
Diante da dif‌iculdade da discriminação de preços perfeita, apesar da capacidade
do algoritmo em prever o comportamento do indivíduo ser melhor do que a dele
próprio, Ezrachi e Stucke af‌irmam que todo modelo de precif‌icação estará errado,
restando como desaf‌io o seu aperfeiçoamento82.
As limitações apresentadas são alguns dos motivos pelos quais as empresas se
movem da discriminação de primeiro grau para a de terceiro grau de acordo com a
habilidade de segmentação do mercado83. Dessa forma, passa-se da personalização
78. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 106.
79. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 98.
80. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 113 ss.
81. Os efeitos no mercado e em face de concorrentes não é o objeto da presente pesquisa e merece ser visto
sob a Defesa da Concorrência. Sugere-se leitura do texto KOGA, Bruno. Preços personalizados. São Paulo:
Almedina, 2021.
82. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 99.
83. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Per-
sonalised princing in the digital Era – Note by Portugal. [S. l.: s. n.], nov. 2018. p. 4. Disponível em:
one.oecd.org/document/DAF/COMP/WD(2018)125/en/pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 90EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 90 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
91
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
individual para a personalização de acordo com características de determinado
grupo de indivíduos.
Nesse contexto, destaca-se a discriminação comportamental quase perfeita
que, de acordo com Ezrachi e Stucke, ocorre quando ferramentas de Big Data en-
contram a Economia Comportamental84. Empresas coletam dados para identif‌icar
qual emoção ou preconceito levará o consumidor a comprar determinado produto
e qual o preço de reserva para tanto. Em suas palavras:
A discriminação de preço perfeita pode ser inatingível. Mas a discriminação comportamental
“quase perfeita” pode estar ao nosso alcance. No mundo online, onde Big Data encontra Eco-
nomia Comportamental, estamos testemunhando uma categoria emergente de discriminação de
preços - discriminação comportamental. Aqui, as empresas colhem nossos dados pessoais para
identicar qual emoção (ou preconceito) nos levará a comprar um produto, e o que mais estamos
dispostos a pagar. Os vendedores, ao nos rastrear e coletar dados sobre nós, podem personalizar
sua publicidade e marketing para nos atingir em momentos críticos com o preço certo e discurso
emocional. Assim, a discriminação comportamental aumenta os lucros aumentando o consumo
geral (deslocando a curva de demanda para a direita e discriminando o preço) e reduzindo o
excedente do consumidor85.
Os vendedores podem, assim, personalizar publicidades a partir de seus dados
pessoais e emoções para atingir os indivíduos em momentos críticos e corretos,
compatíveis com o maior preço de reserva e com o discurso emocional. Dessa forma,
haveria um aumento no consumo geral e redução do excedente do consumidor.
Portanto, diante das dif‌iculdades da discriminação de preços perfeitas, o Big
Data permite que indivíduos sejam segregados em menores grupos, com variáveis
diferentes e sensibilidades de preços similares, bem como o comportamento de com-
pra86. Assim, algoritmos de preços podem usar dados de outros do mesmo grupo,
bem como seus comportamentos, para prever como determinada pessoa reagirá sob
as mesmas circunstâncias.
Quanto mais dados são coletados e diferentes situações analisadas, mais os al-
goritmos aperfeiçoam as previsões de comportamentos dos indivíduos pertencentes
84. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 102.
85. Do original: “Perfect price discrimination may be unattainable. But “almost perfect” behavioral discri-
mination may be within reach. In the online world where Big Data meets behavioral economics, we are
witnessing an emerging category of price discrimination – behavioral discrimination. Here f‌irms harvest
our personal data to identify which emotion (or bias) will prompt us to buy a product, and what’s the most
we are willing to pay.1 Sellers, in tracking us and collecting data about us, can tailor their advertising and
marketing to target us at critical moments with the right price and emotional pitch. So behavioral discri-
mination increases prof‌i ts by increasing overall consumption (by shift ing the demand curve to the right
and price discriminating) and reducing consumer surplus” (EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual
Competition. The promises and perils of the algorithm-driven economy. Cambridge: Harvard University
Press, 2016. p. 101, tradução nossa).
86. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 101 ss.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 91EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 91 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
92
àquele grupo, segmentando-os cada vez melhor e aprendendo corretamente sobre
seus comportamentos e decisões de compra.
No entanto, a discriminação comportamental não se trata de apenas categorizar
indivíduos em grupos pequenos para imputar diferentes preços como ocorre na dis-
criminação de preços de terceiro grau. Trata-se também da estratégia de inf‌luenciar
pessoas a comprarem coisas que elas não comprariam sem a publicidade ou não
precisam através do incentivo de desejos emocionais impostos pelas empresas87.
A doutrina no tema88 mostra que existem mais de cem vieses ligados à tomada
de decisão, processamento de informações, memória e interação social e alguns
deles auxiliam empresas a promover a discriminação comportamental, como o uso
de iscas, direcionamento de preços, aumento da complexidade para dif‌icultar o
processamento de informações, preço indireto e ofertas limitadas.
Por exemplo, se um consumidor entra em um site e desiste da sua compra, há
alta probabilidade de na próxima tentativa de compra uma notif‌icação surgir com
um cupom de desconto. Isso acontece porque a empresa pode ter analisado que o
consumidor está mais sensível ao preço ou consultando outras opções. Ocorre, assim,
um aumento da demanda a partir da exploração de vieses dos consumidores89-90.
Demonstradas as condições e limitações que preços personalizados podem
enfrentar, bem como apresentada a categoria de discriminação de preços quase
perfeita, passa-se a analisar os efeitos negativos e positivos ocasionados pela prática
no mercado e sobre os consumidores.
3.4 EFEITOS DOS PREÇOS PERSONALIZADOS EM RELAÇÃO AO MERCADO E
AOS CONSUMIDORES
Sob uma perspectiva econômica, os efeitos dos preços personalizados no mer-
cado dependerão do nível de competição, da interação dinâmica ou estática entre
consumidores e empresas e do nível de sof‌isticação dos consumidores91. Assim,
destacam-se quatro principais efeitos resultantes da prática92.
87. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 105.
88. Cf. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de
Janeiro: Ed. Objetiva, 2011; SUNSTEIN, Cass; THALER, Richard H. Nudge: Improving decisions about
health, wealth, and happiness. USA: Yale University Press, 2008.
89. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 105.
90. Preços podem ser mal percebidos pelos consumidores por outros motivos, sugerindo-se leitura de LOO,
Van Rory. Helping buyers beware: the need of supervision of big retail. University of Pennsylvania Law
Review. 1311. v. 163, 2015.
91. Cf. OFFICE OF FAIR TRADING – OFT. The economics of online personalised pricing – Note by UK. Londres:
Crown Copyright, p. 30, maio 2013.
92. Cf. OFFICE OF FAIR TRADING – OFT. The economics of online personalised pricing – Note by UK. Londres:
Crown Copyright, p. 06, maio 2013.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 92EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 92 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
93
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
O primeiro consiste no efeito de apropriação, isto é, tais preços permitem que
empresas aumentem valores cobrados de consumidores com menores sensibilida-
des a preço, extraindo o excedente. Por exemplo, se um consumidor está disposto
a pagar cem reais por determinado produto, a empresa poderá cobrar até cem reais
mesmo que em um contexto de preços uniformes o valor cobrado seria oitenta reais,
extraindo, assim, vinte reais de excedente.
O segundo possível efeito é o da expansão da produção, permitindo que em-
presas cobrem preços menores daqueles consumidores com maior sensibilidade,
podendo, portanto, expandir suas vendas. Desse modo, um consumidor que dei-
xaria de comprar um produto que custa oitenta reais poderá comprá-lo por preço
inferior, compatível com seu preço de reserva, de forma que a empresa aumentará
suas vendas93.
No entanto, vale mencionar que atualmente existem incentivos para que haja
extração indevida do excedente do consumidor, sendo escassos os incentivos para
a distribuição de bem-estar. Portanto, o efeito da expansão da produção é o ideal,
mas não necessariamente real.
Outro efeito é o da intensif‌icação da competição, pois, teoricamente, há a possi-
bilidade de aumentar a competição entre empresas para que cada uma comercialize
produtos ou serviços com valores mais atrativos aos consumidores que as empresas
concorrentes. Por exemplo, se uma empresa identif‌icou que determinado consu-
midor pagaria cem reais por determinado produto, a empresa que vende o produto
a cento e vinte pode se sentir obrigada a diminuir o valor cobrado para competir
pela venda.
Por f‌im, destaca-se o efeito de comprometimento, que previne que empresas não
aumentem seus preços no futuro, porque o consumidor saberá que se não comprar
em um primeiro momento, provavelmente haverá uma oferta ou uma diminuição
de preço posteriormente. De acordo com o Secretariado da OCDE em estudo feito
no tema:
Se os vendedores podem ver onde os consumidores estão localizados e a discriminação é possí-
vel, eles têm um incentivo para reduzir o preço unilateral que eles cobrariam daqueles que estão
localizados mais perto de seu rival, a m de compensá-los por terem que viajar mais para comprar
deles. Eles podem fazer isso lucrativamente porque sabem quem ca mais longe e podem impedir
que esses clientes revendam o produto. Ao mesmo tempo, o vendedor gostaria de cobrar preços
mais elevados aos consumidores que estão mais próximos dele e, portanto, consideraria mais
conveniente comprar deles. No entanto, se um vendedor espera que seu rival ofereça preços
mais baixos aos consumidores mais próximos, a m de roubá-los, então, se desejar mantê-los,
não poderá mais manter um preço tão alto para esses consumidores. Portanto, tem de reduzir
93. Esse efeito ocorre principalmente em cenários monopolistas, em que não há competição, pois a diminuição
de preços para um grupo de consumidores permite que tal grupo possa adquirir bens que anteriormente
não eram possíveis. (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
– OCDE. Price discrimination – Backgroung note by the Secretariat. [S. l.: s. n.], 29-30 nov. 2016, p. 20).
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 93EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 93 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
94
o preço que cobra desses consumidores próximos a um nível que os desencoraje a viajar mais
para o vendedor rival a m de mantê-los. Ao mesmo tempo, ainda teria um incentivo para tentar
roubar consumidores mais distantes, xando preços inferiores ao que cobraria se a discriminação
não fosse possível, na esperança de que eles decidissem incorrer no custo adicional de viagem.
Como resultado, onde a discriminação de preços é possível, todos os consumidores enfrentam
preços mais baixos do que enfrentariam se a discriminação não fosse possível, isso porque as
empresas, então, estabeleceriam seu preço uniforme em um nível mais alto a m de maximizar
o lucro que elas ganham de seus consumidores locais94.
Assim, de acordo com a OCDE, os vendedores de produtos e serviços não au-
mentariam seus preços para manterem os consumidores como seus clientes ao invés
de abrir espaço para concorrentes, com preços mais competitivos.
Sob a mesma acepção, em 2013 o OFT havia resumido os resultados dos quatro
efeitos mencionados em relação à existência de excedente para o consumidor ou
para a empresa de forma positiva ou negativa, conforme exposto no quadro abaixo95:
Quadro 1. Efeitos de preços personalizados
em relação ao consumidor e ao fornecedor
Efeito Excedente do consumidor Excedente do fornecedor
Apropriação Negativo Positivo
Expansão da produção Positivo Positivo
Competição intensicada Positivo Negativo
Comprometimento Positivo Negativo
Fonte: traduzida pela autora com base em OFT (2013)
94. No original: “If the sellers can see where the consumers are located and discrimination is possible then
the sellers have an incentive to reduce the unilateral price that they would otherwise charge to those that
are located closer to their rival in order to compensate them for having to travel further to purchase from
them. They can do so prof‌itably because they know who sits further away and they can prevent these
customers from reselling the product. At the same time, the seller would like to charge higher prices to
those consumers that are closer to them and so would f‌ind it more convenient to purchase from them.
However, if a seller expects that its rival will offer lower prices to its nearest consumers in order to poach
them, then if it wishes to keep them it can no longer maintain such a high price to those consumers. It
therefore has to reduce the price it charges these nearby consumers to a level that discourages them from
travelling further to the rival seller in order to retain them. At the same time, it would still have an incentive
to attempt to poach consumers that are more distant by setting prices lower than the price it would charge
if discrimination were not possible, in the hope that they would decide to incur the additional travel cost.
As a result, where price discrimination is possible, all of the consumers face lower prices than they would
face if discrimination were not possible, this is because the f‌irms would then each set their uniform price
at a higher level in order to maximise the prof‌it they earn from their local consumers” (ORGANIZAÇÃO
PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Price discrimination - Back-
groung note by the Secretariat. [S. l.: s. n.], 29-30 nov. 2016, p. 11, tradução nossa).
95. Cf. OFFICE OF FAIR TRADING – OFT. The economics of online personalised pricing – Note by UK. Londres:
Crown Copyright, maio 2013, p. 30.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 94EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 94 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
95
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
Em alguns casos, há transferência do bem-estar do consumidor para o fornece-
dor a partir da captação do seu excedente (preço pago e custo marginal do produto),
como se observa em relação ao efeito da apropriação e da expansão da produção,
diferentemente do que ocorre em relação ao efeito da competição intensif‌icada e do
comprometimento, que são mais benéf‌icos aos consumidores.
Assim, apesar da captação do excedente, em alguns casos não há redução ne-
cessariamente do bem-estar de forma geral, pois se os fornecedores e/ou empresas
aumentarem a sua produção, o que é esperado de acordo com os efeitos acima apon-
tados, haverá bem-estar adicional criado para outros consumidores, que poderão
comprar produtos por preços compatíveis com suas expectativas96.
Uma das situações em que isso poderia ocorrer é no investimento em inovação
e em redução de custos, podendo gerar resultados diretos ao consumidor e consequ-
ências indiretas caso outras empresas sejam inf‌luenciadas a agir, como um incentivo
dinâmico. Tal inovação, no entanto, poderá não ser benéf‌ica em alguns casos, como
por exemplo um investimento em tecnologia que permita a aplicação de preços
personalizados de uma forma mais imperceptível aos consumidores, prevenindo a
dinâmica da arbitragem97.
De forma geral, evidencia-se que o efeito líquido da discriminação de preços
no consumidor, vendedor e excedente total depende em grande parte das circuns-
tâncias específ‌icas do mercado, incluindo a intensidade da concorrência e o tipo de
discriminação de preços disponível aos produtores e vendedores98.
Ezrachi e Stucke apontam alguns efeitos negativos que estão associados aos
acima mencionados, principalmente à competição no mercado. Entre eles, desta-
cam-se a exclusão ou eliminação de competidores que não poderiam implementar
estas práticas; a criação de barreiras de entrada ou de expansão; a prática de impedir
que novos entrantes ou competidores menores cheguem à ef‌iciência de escala; e a
possibilidade de dif‌icultar a competição à jusante em relação ao mercado99.
Assim, empresas poderiam ser impedidas de participar em condições iguais às
de suas concorrentes se não puderem aplicar a precif‌icação personalizada, criando
96. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Price
discrimination – Backgroung note by the Secretariat. [S. l.: s. n.], 29-30 nov. 2016, p. 10.
97. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Price
discrimination – Backgroung note by the Secretariat. [S. l.: s. n.], 29-30 nov. 2016, p. 12.
98. Varejistas de cadeias de lojas que normalmente estão em posição de monopólio em pequenos mercados,
competem com outros em mercados maiores. Contudo, apesar de existirem diferenças entre os mercados,
é possível que haja uma abstenção da discriminação de preços e o estabelecimento de um uniforme que,
por sua vez, pode ser uma forma de aumentar os preços e diminuir a concorrência (BELLEFLAMME, Paul;
PEITZ, Martin. Industrial Organization Markets and Strategies. Nova Iorque: Cambridge University Press,
2010. p. 214).
99. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 118-119.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 95EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 95 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
96
barreiras no mercado e, como consequência, deixando um cenário de dominação
para a empresa que aplica a personalização de preços.
No que tange aos consumidores, um efeito negativo dos preços personali-
zados é a possibilidade da exploração dos indivíduos de forma prejudicial por
empresas. Intensif‌ica-se tal efeito se houver o emprego de discriminação por
exploração, isto é, esquemas de discriminação de preços que visam aumentar as
margens e o poder de mercado, que podem incluir, por exemplo, a desinforma-
ção do consumidor ou o uso indevido de seus vieses em comportamento para
aumento da demanda100.
Entre os motivos para a existência de tais efeitos negativos está a diminuição
de opções externas aos clientes da empresa, a partir da redução de transparência e
do aumento dos custos de busca, de forma que tais consumidores permanecerão
sendo f‌iéis aos seus produtos e serviços.
Além disso, quando uma empresa personaliza seus produtos, dif‌iculta-se a
comparação com produtos de terceiros, não havendo um parâmetro concreto para
que o consumidor possa analisar de uma forma clara aquilo que pretende comprar
em relação aos concorrentes.
Posto isso, existem alguns fatores que aumentam a probabilidade de a per-
sonalização de preços ser prejudicial ao consumidor101, como a existência de um
cenário em que não poderão evitar tal prática, seja pela impossibilidade técnica ou
pela ausência de clareza para visualizá-la, que podem ser provenientes da opacidade
do algoritmo e da ausência de informações.
Soma-se a tais fatores a exploração dos preconceitos comportamentais dos con-
sumidores, inibindo a capacidade de uma tomada de decisão racional e consciente,
como mencionado anteriormente no item 2.4.1. Bar-Gill pontua que a disposição
em pagar do consumidor também é afetada pelas suas percepções errôneas, equivo-
cadas, de forma que o indivíduo poderá atribuir maior valor a um produto do que
ele realmente vale102.
Um equívoco na majoração do valor do produto levaria o consumidor a um
preço de reserva incorreto e, se o fornecedor percebesse tal limitação de racionali-
100. Cf. EUROPEAN COMISSION. Consumer market study on online market segmentation through personalised
pricing/offers in the European Union. Luxemburgo: Publications Off‌ice of the European Union, p. 254, 2018.
Disponível em: -
ghts/aid_and_development_by_topic/documents/synthesis_report_online_personalisation_study_f‌inal_0.
pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
101. Cf. OFFICE OF FAIR TRADING - OFT. The economics of online personalised pricing – Note by UK. Londres:
Crown Copyright, maio 2013. p. 08.
102. Cf. BAR-GILL, Oren. Algorithmic Price Discrimination: When Demand Is a Function of Both Preferences
and (Mis) Perceptions. The Harvard John M. Olin Discussion Paper Series, [s. l.], n. 05, p. 18-32, 2018. p. 1.
Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2020.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 96EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 96 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
97
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
dade, receberia não apenas o seu excedente, mas uma quantia além desse, de forma
que o consumidor poderia sair da transação com um prejuízo efetivo103.
Vendedores e provedores de serviços por sua vez incentivam fortemente a
promoção do valor superestimado, inf‌luenciando nessa percepção incorreta do con-
sumidor em relação ao bem desejado. Diante disso, consumidores podem terminar
com produtos que não satisfazem seus interesses além de perderem acesso a outros
que eles gostariam ou precisariam.
Ainda, as estratégias de personalização podem aumentar os custos de busca do
consumidor, reduzindo a competição no mercado, pois não será feita uma compara-
ção efetiva entre produtos e serviços104. Bar-Gill conclui que quando a discriminação
de preços por algoritmos tarja preferências, o consumidor pode ser prejudicado, mas
a ef‌iciência do mercado é elevada, diferentemente de quando são consideradas as
más percepções, que podem prejudicar o consumidor e, ainda, reduzir a ef‌iciência
mercadológica105.
Aproveitando-se de tal cenário, empresas podem cobrar valores mais elevados
de uma forma geral, ao invés de realizarem uma compensação entre os consumido-
res que pagarão mais e os que pagarão menos pelo produto ou serviço. Ou seja, a
personalização de preços seria aplicada apenas para aquele que tem um alto preço
de reserva, extraindo-se seu excedente, sem expandir as vendas aos consumidores
com maiores sensibilidades aos preços.
Nesse mesmo sentido, em estudo para a OCDE feito pelo Reino Unido pontua
hipóteses em que existiria a maior probabilidade de danos aos consumidores, sendo
(i) quando consumidores não podem evitar facilmente a personalização ou quando
ela não está clara; (ii) o sistema de precif‌icação for opaco ou complexo; (iii) empresas
têm capacidade e incentivo para explorar os vieses dos consumidores; (iv) os grupos
prejudicados pela precif‌icação personalizada forem vulneráveis; e/ou (v) os custos
de implementação forem altos e transmitidos aos consumidores106.
Além disso, o Presidente do Comitê Conjunto da OCDE af‌irma que algoritmos
utilizados para distinguir entre grupos de consumidores com diferentes preços de
103. Essas percepções errôneas podem ser causadas inclusive sobre os preços cobrados, por exemplo, se um
consumidor não estima que poderá atrasar no pagamento de determinada parcela, cujo parcelamento tem
juros, o preço que ele terá em mente será um, sem considerar o montante que será devido no futuro com
seus atrasos. Outro exemplo ocorre quando um consumidor tem a expectativa de utilizar determinado
benefício proporcionado por um programa de pontos, pagando um preço que considera justo para participar.
Porém, no f‌im, consumidor não utiliza tais benefícios, tendo dispendido um valor além do necessário.
104. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE.
Personalised pricing in the digital era – Note by the Netherlands. [S. l.: s. n.], 28 nov. 2018. Disponível em:
. Acesso em: 16 set. 2020.
105. Cf. BAR-GILL, Oren. Algorithmic Price Discrimination: When Demand Is a Function of Both Preferences
and (Mis) Perceptions. The Harvard John M. Olin Discussion Paper Series, [s. l.], n. 05, p. 18-32, 2018. p. 1.
Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2020.
106. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Per-
sonalised Pricing in the Digital Era – Note by the United Kingdom. [S. l.: s. n.], nov. 2018, p. 8.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 97EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 97 03/02/2022 08:53:4803/02/2022 08:53:48
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
98
reserva podem incorporar regras discriminatórias com base em gênero, religião,
orientação sexual ou origem étnica107.
De acordo com o Gabinete Executivo do Presidente dos Estados Unidos em
estudo feito sobre o tema no ano de 2015, grupos historicamente desfavorecidos
são mais sensíveis ao preço que o consumidor médio, sendo benef‌iciados com a
discriminação de preços desde que haja competição no mercado e um ambiente
regulatório que previna a atuação discriminatória108-109.
Por outro lado, não se pode negar que existem efeitos positivos provenientes
da prática. Aqueles que estão relacionados ao consumidor são o aumento da possi-
bilidade de escolha e acesso a produtos ou serviços, diretamente associado ao efeito
da expansão da produção acima mencionado.
Além disso, há quem defenda que a personalização de preços poderia desempe-
nhar um papel de justiça social, benef‌iciando a igualdade social, ou seja, igualdade
substancial. Isso porque a prática possibilita que mais pessoas tenham acesso a mais
produtos e serviços, cada qual pagando o valor que está disposto a gastar110.
Tal argumento se justif‌ica com base na racionalidade econômica, ou seja, os
consumidores que pagam mais, com maior capacidade de compra, permitem que
demais consumidores paguem menos. Como é mencionado no item 4.1.2, a preci-
f‌icação personalizada permite que um indivíduo acesse bens que não teria acesso
anteriormente, caso alguém não tivesse pagado um preço mais elevado. Isso contribui
para uma distribuição de recursos ef‌iciente111.
Diante disso, o estudo de mercado realizado pela Comissão Europeia relacio-
nado ao tema concluiu que os consumidores são mais benef‌iciados quando todos os
competidores têm acesso ao seu preço de reserva do que quando apenas um deles,
pois assim é imposta uma pressão sobre todos que benef‌icia os seus interesses112.
107. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Introductory
Chairs’ note (part 1) Roundtable on Personalised pricing in the digital era. Paris: OCDE Publishing, 28 nov. 2018.
108. Cf. UNITED STATES OF AMERICA. Big Data and Differential Pricing, Executive Off‌ice of the President,
p. 17, fev. 2015.
109. O tema da discriminação algorítmica não faz parte da presente pesquisa, mas se destaca na doutrina e pode
ser consultado em FRAZÃO, Ana. Discriminação algorítmica – compreendendo o que são os julgamentos
algorítmicos e o seu alcance na atualidade. Jota, jun. 2021. Disponível em: .jota.info/opiniao-e-
-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/discriminacao-algoritmica-16062021>. Acesso em: 15 jan.
2021. MATTIUZZO, Marcela; MENDES, Laura Schertel. Discriminação algorítmica: conceito, fundamento
legal e tipologia. Revista Direto Público, Porto Alegre, v. 16, n. 90, p. 39-64, nov-dez. 2019. Disponível em:
eitopublico/article/view/3766>. Acesso em: 13 set. 2020.
110. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 118-119.
111. PORTO, Antônio José Maristrello. Princípios de análise econômica de direito. In: PINHEIRO, Antônio
Castelar; PORTO, Antônio José Maristrello; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro (Orgs.). Direito e Economia:
Diálogos. Rio de janeiro: FGV Editora, 2019.
112. Cf. EUROPEAN COMISSION. Consumer market study on online market segmentation through personalised
pricing/offers in the European Union. Luxemburgo: Publications Off‌ice of the European Union, p. 253 e 255,
2018. Disponível em: -
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 98EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 98 03/02/2022 08:53:4903/02/2022 08:53:49
99
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
Portanto, preços personalizados não serão necessariamente prejudiciais, podendo
ter diversas causas e gerar distintas consequências, até mesmo promovendo o bem-
-estar do consumidor113. Nesse sentido, o Secretariado da OCDE af‌irma que não há
nada de intrinsicamente injusto em preços personalizados, incentivando a exploração
da prática por empresas quando são trazidos resultados benéf‌icos aos consumidores:
O uso da palavra “discriminação” pode criar uma suposição de injustiça e ceticismo sobre os
prováveis benefícios de empresas que cobram preços diferentes por produtos semelhantes. No
entanto, não há nada intrinsecamente injusto na discriminação de preços; pode signicar que
mais consumidores são atendidos e que aqueles com renda mais baixa pagam preços mais baixos.
Alguma forma de discriminação de preços é usada na grande maioria dos mercados, é frequente-
mente usada por empresas com pouco poder de mercado e a discriminação muitas vezes torna
os mercados mais competitivos. Isso signica que é aconselhável que as agências comecem com
uma presunção padrão, mas refutável, de que qualquer esquema de discriminação de preços tem
um impacto benigno ou benéco para os consumidores114.
De acordo com Koga, não se tem conhecimento de um estudo empírico que
tenha avaliado se os benefícios ou malefícios da precif‌icação personalizada ocorrem
na prática devido à dif‌iculdade de caracterização de tais práticas e a insondabilida-
de de dados f‌inanceiros das empresas115. Referida conclusão se mostra compatível
com as considerações trazidas na presente pesquisa, tendo em vista a dif‌iculdade
de identif‌icação da prática no mercado.
Postos os efeitos causados pelos preços personalizados em relação ao mercado
e, consequentemente aos consumidores, apresentam-se suas percepções quando
estes passam a ter ciência de que estão sendo submetidos à prática.
3.4.1 Percepção dos consumidores em relação aos preços personalizados:
exemplo dos consumidores em ambiente digital internacional
A percepção dos consumidores e a sua recepção quando sinalizada a prática de
preços personalizados são fatores que inf‌luenciam no cenário a ser enfrentado pelas
tal_rights/aid_and_development_by_topic/documents/synthesis_report_online_personalisation_stu-
dy_f‌inal_0.pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
113. Por exemplo, podem ajudar o consumidor a aprender rapidamente sobre oportunidades relevantes no mer-
cado, encontrando determinado produto ou serviço por um preço compatível com o que se espera pagar.
114. No original: “The use of the word “discrimination” may create an assumption of unfairness and scepticism
over the likely benef‌its of f‌irms charging different prices for similar products. However, there is nothing
intrinsically unfair about price discrimination; it can mean that more consumers are served and that tho-
se on lower incomes pay lower prices. Some form of price discrimination is used in the vast majority of
markets, it is frequently used by f‌irms with little market power, and discrimination often makes markets
more competitive. This means that it is advisable for agencies to start with a default, but rebuttable, pre-
sumption that any given price discrimination scheme has a benign or benef‌icial impact on consumers”.
(ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Price
discrimination – Backgroung note by the Secretariat. [S. l.: s. n.], 29-30 nov. 2016. p. 9, tradução nossa).
115. Cf. KOGA, Bruno Y. S. Precif‌icação personalizada na era digital. Consumo, dados e concorrência. 2020.
Dissertação (Mestrado em Direito, Justiça e Desenvolvimento) - Instituto Brasileiro de Direito Público,
São Paulo, 2020. p. 75.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 99EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 99 03/02/2022 08:53:4903/02/2022 08:53:49
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
100
empresas, constituindo, também, elementos que auxiliam na análise de prejuízos aos
direitos dos indivíduos, bem como na aplicação de institutos jurídicos para tutelá-los.
Feitas estas considerações, cita-se experimento realizado entre dezembro de
2016 e novembro de 2017 pela Comissão Europeia, mais especif‌icamente pela Agên-
cia de Execução para os Consumidores, a Saúde, a Agricultura e a Alimentação116
em parceria com a Ipsos, a London Economics e a Deloitte, publicado em 2018.
Na pesquisa, foram analisadas diversas consequências de preços personalizados
endereçados a consumidores em ambiente digital, envolvendo Estados Membros
da União Europeia, a Islândia e a Noruega117.
Do total dos participantes, quando questionados sobre ter consciência em
relação à existência de preços personalizados, apenas 44% responderam af‌irmativa-
mente. Entre aqueles com menor consciência sobre a personalização, destacaram-se
potenciais vulneráveis como pessoas mais velhas, indivíduos com baixa escolaridade
e usuários com dif‌iculdades técnicas em realizar compras online, como consumidores
que não estão habituados a esse ambiente digital.
No entanto, em um cenário em que a plataforma é transparente sobre suas
práticas de personalização, uma porção signif‌icativa de consumidores demonstrou
ter maior consciência sobre o que ocorria na formação dos preços, apesar de apenas
20% dos participantes ter efetivamente identif‌icado a alteração de preços quando
aplicada.
Portanto, pelo experimento depreende-se que não são todos os consumidores
que têm consciência da prática de preços personalizados em ambientes digitais, sendo
mais prejudicados os indivíduos que são potencialmente vulneráveis. Tal cenário
se modif‌ica em números, no entanto, quando há maior transparência em relação à
dinâmica de formação dos preços e coleta de dados pessoais.
No que tange aos benefícios percebidos pelos consumidores diante da precif‌i-
cação personalizada, o experimento da Comissão Europeia apontou principalmente
três: 22% dos participantes identif‌icaram a possibilidade de comércios eletrônicos
oferecerem reduções e promoções, 21% identif‌icaram maiores chances de conseguir
um melhor preço nos produtos e 15% identif‌icaram como benefício o aumento da
possibilidade de escolha do produto. Contudo, não foram todos os participantes
116. A CHAFEA é agência da Comissão Europeia que gere os programas em matéria de direitos dos consumi-
dores, saúde, agricultura e segurança dos alimentos (EUROPEAN COMISSION. Agência de Execução para
os Consumidores, a Saúde, a Agricultura e a Alimentação. Luxemburgo: Publications Off‌ice of the European
Union, [2018?]. Disponível em:
-and-food_pt>. Acesso em: 13 set. 2020).
117. Cf. EUROPEAN COMISSION. Consumer market study on online market segmentation through personalised
pricing/offers in the European Union. Luxemburgo: Publications Off‌ice of the European Union, p. 168-170,
2018. Disponível em: -
tal_rights/aid_and_development_by_topic/documents/synthesis_report_online_personalisation_study_f‌i-
nal_0.pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 100EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 100 03/02/2022 08:53:4903/02/2022 08:53:49
101
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
que demonstraram acreditar em benefícios decorrentes da personalização de preços.
Esse grupo compôs uma parcela de 32%.
Paralelamente aos benefícios, foram destacadas algumas preocupações pelos
participantes entrevistados, como o fato de que os dados poderiam ser usados para
outros propósitos ou compartilhados com terceiros (36%), a possibilidade de for-
mação de perf‌il sobre o usuário (33%)118 e a possibilidade de aumento o preço do
produto a ser comprado (28%).
Como uma possível solução, um em cada seis participantes declarou que se
sentiria mais confortável se pudesse optar por sair da personalização de preços,
diante da ferramenta de opt-out que é usada frequentemente em relação aos cookies
diante das exigências trazidas pelas regulações sobre proteções de dados pessoais
ao redor do mundo.
Mais da metade dos consumidores participantes da pesquisa respondeu que se
sentiria melhor se soubesse qual dado pessoal está sendo coletado e quando poderá
ver o dado ou mudá-lo de forma geral, direitos estes já previstos nas regulações de
proteções de dados pessoais, como ocorre no artigo 18 da LGPD119. Nesse sentido,
o estudo da Comissão Europeia concluiu que:
118. Acredita-se que a preocupação sobre a possibilidade de formação de perf‌il sobre o usuário pode ter tido sua
porcentagem aumentada nos últimos anos em decorrência da entrada em vigor das regulações de proteções
de dados em âmbito mundial, como GDPR e LGPD.
119. Cf. Art. 18. O titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação aos dados do titular
por ele tratados, a qualquer momento e mediante requisição: I - conf‌irmação da existência de tratamento;
II - acesso aos dados; III - correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados; IV - anonimização,
bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com o dis-
posto nesta Lei; V - portabilidade dos dados a outro fornecedor de serviço ou produto, mediante requisição
expressa, de acordo com a regulamentação da autoridade nacional, observados os segredos comercial e
industrial; VI - eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular, exceto nas hi-
póteses previstas no art. 16 desta Lei; VII - informação das entidades públicas e privadas com as quais o
controlador realizou uso compartilhado de dados; VIII - informação sobre a possibilidade de não fornecer
consentimento e sobre as consequências da negativa; IX - revogação do consentimento, nos termos do § 5º
do art. 8º desta Lei. § 1º O titular dos dados pessoais tem o direito de peticionar em relação aos seus dados
contra o controlador perante a autoridade nacional. § 2º O titular pode opor-se a tratamento realizado com
fundamento em uma das hipóteses de dispensa de consentimento, em caso de descumprimento ao disposto
nesta Lei. § 3º Os direitos previstos neste artigo serão exercidos mediante requerimento expresso do titular
ou de representante legalmente constituído, a agente de tratamento. § 4º Em caso de impossibilidade de
adoção imediata da providência de que trata o § 3º deste artigo, o controlador enviará ao titular resposta
em que poderá: I – comunicar que não é agente de tratamento dos dados e indicar, sempre que possível,
o agente; ou II – indicar as razões de fato ou de direito que impedem a adoção imediata da providência. §
5º O requerimento referido no § 3º deste artigo será atendido sem custos para o titular, nos prazos e nos
termos previstos em regulamento. § 6º O responsável deverá informar, de maneira imediata, aos agentes
de tratamento com os quais tenha realizado uso compartilhado de dados a correção, a eliminação, a ano-
nimização ou o bloqueio dos dados, para que repitam idêntico procedimento, exceto nos casos em que
esta comunicação seja comprovadamente impossível ou implique esforço desproporcional. § 7º A porta-
bilidade dos dados pessoais a que se refere o inciso V do caput deste artigo não inclui dados que já tenham
sido anonimizados pelo controlador. § 8º O direito a que se refere o § 1º deste artigo também poderá ser
exercido perante os organismos de defesa do consumidor (BRASIL. Lei no 13.709, de 14 de agosto de 2018.
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF, 2018).
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 101EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 101 03/02/2022 08:53:4903/02/2022 08:53:49
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
102
O impacto do bem-estar econômico das práticas de personalização pode ser positivo e negativo
do ponto de vista dos consumidores. Em geral, a personalização beneciará os consumidores que
são sensíveis ao preço, que compram ativamente e são experientes em tecnologia, ou que podem
tomar medidas para proteger suas informações pessoais. Por outro lado, a personalização pode
prejudicar consumidores ingênuos ou menos engajados ou consumidores que têm uma maior
disposição para pagar. As práticas de personalização também podem beneciar os consumidores
devido aos produtos que correspondem melhor às suas preferências pessoais ou devido aos custos
de pesquisa reduzidos. No entanto, a personalização pode prejudicar os consumidores se for
usada para direcioná-los para produtos que podem não atender melhor às suas necessidades ou
que custam o máximo que os consumidores estão dispostos a pagar120.
Portanto, o experimento comportamental permitiu concluir que existem be-
nefícios e malefícios na prática de personalização de preços. Além disso, conf‌irmou
que os consumidores f‌icam descontentes se não são previamente alertados e que o
controle dos dados pessoais tratados e a transparência no funcionamento da plata-
forma são fatores importantes para a aceitação de tal dinâmica.
No que tange à inf‌luência na decisão dos consumidores, em um cenário de baixa
transparência, onde foram oferecidos produtos por preços personalizados e menores,
66% dos consumidores decidiram realizar a compra, enquanto apenas 37% dos que
foram sujeitos a preços maiores realizou. Já com o aumento da transparência, houve
inf‌luência na decisão de compra dos consumidores evitando que estes trocassem de
plataforma para procurar melhores preços121.
Em outro experimento realizado publicado no Jornal de Ética Empresarial122,
foram levantados alguns dos motivos pelos quais consumidores acham preços per-
sonalizados injustos. Um deles se refere à violação do tratamento igualitário entre
os usuários vez que com os preços diferentes não haveria um acesso igualitário aos
produtos e serviços123.
120. No original: “The economic welfare impact of personalisation practices can be both positive and negative
from the point of view of consumers. In general, personalisation will benef‌it consumers who are price-sen-
sitive, who actively shop around and are tech-savvy, or who are able to take steps to protect their personal
information. On the other hand personalisation may disadvantage naïve or less engaged consumers or
consumers who have a higher willingness to pay. Personalisation practices may also benef‌it consumers due
to products better matching their personal preferences or due to reduced search costs. However, personali-
sation may disadvantage consumers if it is used to steer them towards products which may not best match
their needs, or which cost the maximum that consumers are willing to pay” (EUROPEAN COMISSION.
Consumer market study on online market segmentation through personalised pricing/offers in the European
Union. Luxemburgo: Publications Off‌ice of the European Union, p. 249, tradução nossa).
121. Cf. EUROPEAN COMISSION. Consumer market study on online market segmentation through personalised
pricing/offers in the European Union. Luxemburgo: Publications Off‌ice of the European Union, p. 247, 2018.
122. O Journal of Business Ethics é um periódico acadêmico revisado por pares publicado pela Springer Science
e Business Media nos Estados Unidos da América que cobre aspectos metodológicos e disciplinares
de questões éticas relacionadas aos negócios, incluindo sistemas de produção, consumo, marketing,
publicidade, contabilidade social e econômica, relações de trabalho, relações públicas e comporta-
mento organizacional.
123. Cf. FERRELL, O. C. et al. Expectations and Attitudes Toward Gender-Based Price Discrimination. Journal
of Business Ethics, [s. l.], v. 152, n. 4, p. 1015-1032, 2018.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 102EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 102 03/02/2022 08:53:4903/02/2022 08:53:49
103
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
A segunda justif‌icativa se refere à teoria da aversão à perda ou do arrependi-
mento, relacionada com o estudo comportamental visto no item 2.4.1. As pessoas
não se sentem confortáveis em uma situação em que elas poderiam ter adquirido
determinado produto ou serviço por um preço menor se tivessem usado outro na-
vegador ou bloqueado o tratamento de seus dados pessoais, como por meio da não
aceitação de um cookie124.
Já a terceira razão está voltada à ausência de transparência da discriminação de
preços pela existência de uma assimetria de informações, posto que os indivíduos não
sabem qual a categoria de preço de reserva eles pertencem125. Além disso, há a coleta
de dados pessoais, diminuindo a privacidade dos usuários e pode ser argumentado
que a discriminação de preços reduz o bem-estar do consumidor pela redistribuição,
bem como o aumento do custo de pesquisa que os consumidores querem evitar126.
Assim, se publicidade comportamental e preços personalizados podem auxiliar
o consumidor reduzindo tempo de pesquisa, tais estratégias também são uma po-
derosa ferramenta que invadem a privacidade do consumidor, causando prejuízos
sociais, como a facilitação de discriminação em relação à etnia, ao gênero, à religião,
ou, até mesmo, explorando vieses de comportamento conforme mencionado em
tópico acima.
A OCDE divulgou em janeiro de 2021 outro estudo127 realizado no tema, feito
pela sua Unidade de Pesquisa Comportamental e Instituto de Estudo Social na Irlanda
em outubro de 2019 e no Chile em março de 2020. A pesquisa pretendeu responder
três perguntas: (i) se consumidores conseguiriam identif‌icar e compreender preços
personalizados no cenário online; (ii) qual o impacto que a divulgação de preços
personalizados causa em suas decisões e comportamento e; (iii) como consumidores
se sentem sobre preços personalizados em geral.
Em conclusão, foi observado que a divulgação online sobre a prática da preci-
f‌icação personalizada teve efeitos limitados no reconhecimento de tais preços pelos
consumidores e em seu comportamento de compra. No entanto, preços persona-
lizados foram considerados injustos pela maioria dos participantes da pesquisa.
Visando à diminuição desses impactos negativos sobre o consumidor, uma das
estratégias adotada pelas empresas é a apresentação da prática não como a cobrança
de um valor a mais no produto, mas, como um desconto. Destarte, ao personalizar
preços, muitas das empresas online não impõem uma sobretaxa àqueles dispostos a
124. Cf. BORGESIUS, Frederik Zuiderveen; POORT, Joost. Online Price Discrimination and EU Data Privacy
Law. Journal of Consumer Policy, [s. l.], v. 40, n. 3, p. 347-366, 2017.
125. Cf. BORGESIUS, Frederik Zuiderveen; POORT, Joost. Online Price Discrimination and EU Data Privacy
Law. Journal of Consumer Policy, [s. l.], v. 40, n. 3, p. 347-366, 2017.
126. Cf. HINDERMANN, Christoph Michael. Price Discrimination in Online Retail. Econstor. 2018.
127. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. The effects of online
disclosure about personalised pricing on consumers – results from a lab experiment in Ireland and Chile.
OCDE Digital Economy Papers. Jan. 2020. n. 303.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 103EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 103 03/02/2022 08:53:4903/02/2022 08:53:49
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
104
pagar mais. Tais empresas começam com um preço de tabela mais alto e, em seguida,
variam seletivamente o nível ou tamanho dos descontos128.
Em relação a esta estratégia, estudo da OCDE demonstrou que consumidores se
sentem menos lesados quando preços diminuem do que quando os preços aumen-
tam129. Os clientes online menos sensíveis ao preço podem não se importar se outros
estão recebendo códigos promocionais, cupons e assim por diante. Outra estratégia
é o oferecimento de serviços adicionais, como frete grátis ou alguma funcionalidade
a mais no produto ou serviço.
Por outro lado, não são apenas as empresas que podem aplicar estratégias para
mascarar e minimizar os impactos de preços personalizados. O próprio consumidor
tem a possibilidade de simular um baixo preço de reserva como, por exemplo, não
comprando um produto ou serviço em um primeiro momento para conseguir um
menor preço personalizado posteriormente. Com isso, há um ganho do consumidor
e uma perda da empresa130.
Outro exemplo é a possibilidade de anonimização, isto é, o consumidor se torna
um indivíduo em branco, sem dados para que as empresas estimem o seu preço de
reserva131. Nesse contexto, consumidores sof‌isticados e com conhecimento técnico
em computação têm mais chances de se benef‌iciarem em um cenário de discrimi-
nação de preços do que consumidores ingênuos.
Dado que os consumidores consideram os preços personalizados altamente injustos, espe-
cialmente se a personalização resultar em preços mais altos para eles, eles tentarão evitar os
danos sofridos pela discriminação de preços de primeiro grau usando soluções de autoajuda.
Basicamente, eles podem usar pelo menos duas estratégias diferentes para esse efeito. Em pri-
meiro lugar, os consumidores podem tentar reter dados pessoais, tentando obter o anonimato
em relação às empresas. Tanto as ferramentas de software quanto de hardware - como “Tor” e
“Anonabox” - podem ser empregadas para esse efeito. Em segundo lugar, os consumidores podem
usar ferramentas ou serviços tecnológicos sosticados para aumentar seu poder de barganha e
melhorar seus processos de tomada de decisão - tornando-se “consumidores algorítmicos” ou,
um pouco menos ambiciosamente, “consumidores aumentados”. A inicialização “ShadowBid”,
por exemplo, mostra grácos de histórico de preços e permite que os consumidores informem
128. Cf. EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition. The promises and perils of the algorithm-
-driven economy. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 111.
129. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OECD. Com-
petition and Regulation in Agriculture: Monopsony Buying and Joint Selling, 2004. Paris: OECD Publishing,
15 dez. 2005. Disponível em: g/competition/abuse/35910977.pdf.>. Acesso em: 17
set. 2020.
130. Cf. OFFICE FAIR TRADE – OFC. The economics of online personalised pricing – Note by UK. Lon-
dres: Crown Copyright, p. 29, maio 2013. Disponível em: .
uk/20140402154756/http://oft.gov.uk/shared_oft/research/oft1488.pdf>. Acesso em: 01 set. 2020.
131. Há a hipótese, no entanto, de empresas relacionarem a anonimização do consumidor com um alto preço
de reserva e, nesse caso, cobrar preços mais altos até mesmo daqueles consumidores que não têm um preço
de reserva alto.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 104EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 104 03/02/2022 08:53:4903/02/2022 08:53:49
105
3 • A PRÁTICA DE PREÇOS PERSONALIZADOS EM MERCADOS DIGITAIS
seu preço de reserva pessoal. Em seguida, ele compra automaticamente quando o preço (de
mercado) cai abaixo desse limite132.
Soma-se ao exposto o fato de que, de acordo com a OFT, a literatura sobre preços
personalizados não contempla, na maioria dos casos, os custos envolvidos na prática,
seja para consumidores ou para as próprias empresas133. Estas podem incorrer em
custos como recursos para a implementação de preços discriminatórios, aumen-
tando o custo marginal e, consequentemente, o valor cobrado dos consumidores134.
Já os consumidores podem incorrer em custos para evitar a discriminação de
preços, como a partir da contratação de softwares que impedem a leitura do perf‌il
do consumidor ou, até mesmo, mascaram um alto preço de reserva.
Conforme af‌irma a OFT ao estudar o tema, não existem conclusões def‌initivas
sobre o benefício ou prejuízo ao consumidor quando há custos envolvidos.
Quando as empresas têm de incorrer em custos para discriminar os preços, isso diminuirá o
excedente do consumidor em relação a uma referência de discriminação de preços gratuita. Isso
poderia fazer com que a discriminação de preços tivesse um efeito líquido negativo sobre o exce-
dente do consumidor, dependendo das circunstâncias precisas envolvidas. No entanto, incorrer
em custos signicativos para discriminar preços é um exemplo de um fator que, em igualdade
de condições, torna mais provável que o excedente do consumidor seja prejudicado. O custo
do anonimato para os consumidores é mais complicado. A disponibilidade de anonimização
gratuita ou barata não é, como se poderia esperar intuitivamente, necessariamente benéca para
os consumidores. Em geral, porém, não há evidências sucientes para tirar conclusões concretas
sobre o efeito dos custos de anonimato135.
132. No original: “Given that consumers regard personalized prices as highly unfair, particularly if personali-
zation results in higher prices for themselves, they will attempt to avert the harm suffered by f‌irst degree
price discrimination using self-help remedies. Basically, they can use at least two different strategies to
this effect. First, consumers may attempt to withhold personal data, trying to achieve anonymity vis-à-vis
businesses. Both software and hardware tools – such as “Tor” and “Anonabox” – can be employed to this
effect. Second, consumers may use sophisticated technological tools or services to enhance their bargai-
ning power and improve their decision-making processes – becoming “algorithmic consumers” or, a little
less ambitiously, “augmented consumers”. The startup “ShadowBid”, for example, shows price history
charts and lets consumers state their personal reservation price. It then purchases automatically when the
(market) price drops below this threshold”. In: GERHARD, Wagner; EIDENMULLER, Horst. Down by
Algorithms? Siphoning Rents, Exploiting Biases, and Shaping Preferences: Regulating the Dark Side of
Personalized Transactions. The University of Chicago Law Review, v. 86, n. 2, 2019, p. 581–609. p. 7-8.
133. Cf. OFFICE FAIR TRADE – OFC. The economics of online personalised pricing – Note by UK. Lon-
dres: Crown Copyright, p. 73, maio 2013. Disponível em: .
uk/20140402154756/http://oft.gov.uk/shared_oft/research/oft1488.pdf>. Acesso em: 01 set. 2020.
134. Em cenários oligopolistas, a discriminação com custos para as f‌irmas pode ser positiva ao consumidor
a não ser que o aumento dos custos seja suf‌icientemente alto para cancelar o efeito de intensif‌icar a
competição (OFFICE FAIR TRADE – OFC. The economics of online personalised pricing – Note by UK.
Londres: Crown Copyright, p. 76, maio 2013. Disponível em: .
uk/20140402154756/http://oft.gov.uk/shared_oft/research/oft1488.pdf>. Acesso em: 01 set. 2020).
135. No original: “Where f‌irms have to incur costs to price discriminate, then that will decrease consumer
surplus relative to a benchmark of costless price discrimination. This could cause price discrimination to
have a net negative effect on consumer surplus, depending on the precise circumstances involved. Never-
theless, incurring signif‌icant costs to price discriminate is an example of a factor that, all other things being
equal, makes it more likely that consumer surplus is harmed. The cost to consumers of anonymisation is
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 105EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 105 03/02/2022 08:53:4903/02/2022 08:53:49
PREÇOS PERSONALIZADOS À LUZ DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS • Pietra Daneluzzi Quinelato
106
De forma geral, em consonância com o que foi levantado por Koga136, cons-
tatou-se a dif‌iculdade em concluir se a precif‌icação personalizada em ambientes
digitais é prejudicial ou benéf‌ica aos consumidores, tendo em vista a possibilidade
de tal prática assumir várias formas e diversas consequências que dependerão, por
exemplo, do nível de concorrência no mercado, da complexidade da discriminação
de preços, da compreensão dos consumidores em relação à prática, bem como dos
custos para a empresa. Nesse sentido, OFT também conclui:
Os preços personalizados online podem assumir várias formas diferentes no que diz respeito, entre
outras, (i) ao nível de concorrência no mercado, (ii) à complexidade da discriminação de preços
(e, portanto, a probabilidade de os consumidores compreendê-la) e (iii) a custo de discriminação
para a empresa. Não é possível, portanto, concluir se, em geral, a precicação personalizada
online é prejudicial ou benéca para os consumidores137.
A título de complementação sobre o tema nas lentes do direito antitruste, vale
mencionar o documento de trabalho 005/2020 do Conselho Administrativo de De-
fesa Econômica (CADE) sobre concorrência em mercados digitais a partir de uma
revisão de relatórios internacionais especializados. Em tal documento, o tema foi
levantado como uma das áreas que merece maior avaliação, tendo em vista que os
estudos praticamente ignoram como a maior capacidade de discriminação de preços
impacta o bem-estar do consumidor138.
Feitas tais considerações, no Capítulo 4 pretende-se analisar a prática de preços
personalizado à luz da LGPD.
more complicated. The availability of free or cheap anonymisation is not, as one might intuitively expect,
necessarily benef‌icial to consumers. In general, however, there is insuff‌icient evidence to draw concrete
conclusions regarding the effect of anonymisation costs”. (OFFICE FAIR TRADE – OFC. The economics
of online personalised pricing – Note by UK. Londres: Crown Copyright, p. 78, maio 2013. Disponível em:
.uk/20140402154756/http://oft.gov.uk/shared_oft/research/
oft1488.pdf>. Acesso em: 01 set. 2020, tradução nossa).
136. Cf. KOGA, Bruno Y. S. Precif‌icação personalizada na era digital. Consumo, dados e concorrência. 2020.
Dissertação (Mestrado em Direito, Justiça e Desenvolvimento) - Instituto Brasileiro de Direito Público,
São Paulo, 2020. p. 75.
137. No original: “Online personalised pricing is likely to take various different forms regarding, among others,
(i) the level of competition in the market, (ii) the complexity of price discrimination (and thus how likely
consumers are to understand it) and (iii) the cost to the f‌irm of discriminating. It is not possible, therefore, to
conclude whether, in general, online personalised pricing is harmful or benef‌icial to consumers” (OFFICE
FAIR TRADE – OFC. The economics of online personalised pricing – Note by UK. Londres: Crown Copyright,
p. 94, maio 2013. Disponível em: .uk/20140402154756/http://
oft.gov.uk/shared_oft/research/oft1488.pdf>. Acesso em: 01 set. 2020, tradução nossa).
138. Cf. LANCIERI, Filippo M.; SAKOWSKY, Patricia A. M. Concorrência em mercados digitais: uma revisão de
relatórios especializados. Departamento de Estudos Econômicos – DEE. Brasília, 2020. p. 133.
EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 106EBOOK PRECOS PERSONALIZADOS LGPD.indb 106 03/02/2022 08:53:4903/02/2022 08:53:49

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT