O contrato de consumo

AutorFelipe Probst Werner
Ocupação do AutorDoutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Páginas51-101
Capítulo 2
O CONTRATO DE CONSUMO
Estabelecido o conceito e a estrutura de funcionamento do negócio jurídico,
sendo este bilateral, ou seja, composto por duas declarações de vontade que se
encontram, estar-se-á diante de um contrato.
Segundo Orlando Gomes, contrato é uma espécie de negócio jurídico que
exige a presença de ao menos duas partes176, trata-se de uma relação de troca de
obrigações criada por meio de declarações de vontade entre duas ou mais pessoas,
contendo ao menos uma promessa, e reconhecido pelo direito como jurídica ou
judicialmente exigível. Esta promessa, para Blum, signica um comprometimento
de realização ou não realização de determinado ato em algum momento futuro.177
A palavra “contrato” é originária do latim “contràctus”, derivada de “contrahe-
re, composta da junção de “con”, que signica junto, e “trarre”, cuja tradução do
italiano é desenhar178. Trata-se da reunião de consenso, por isso é o contrato, ne-
cessariamente, um negócio judíco bilateral.
176 GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
177 BLUM, Brian A. Contracts. New York: Wolters Kluwer, 2013, p. 306.
178 Dizzionario etimologico online, 2017. Disponível em <http://www.etimo.
it/?term=contratto&nd=Cerca> Acesso em 06 de maio 2017.
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Para Arnaldo Rizzardo, há indícios de contratos, não em seu aspecto mo-
derno, desde o aparecimento do homem. Dentro dos agrupamentos em tribos
já havia concordância acerca de determinado comportamento que obrigavam os
componentes do grupo à certas regras comuns de convivência.179
Informa Jeerson Daibert, que antes da fundação de Roma os hebreus já
conheceram o instituto do contrato quando num cativeiro em Nínive (Assíria),
Tobias deu emprestado a Gabelo dez talentos de prata e um quirógrafo foi re-
digido cando em poder do credor. Na Grécia antiga, Sólon argumentava que
os homens poderiam fazer convenções entre si, e no antigo Egito existiam for-
mas rudimentares de contratos que disciplinavam o casamento e transladavam
propriedade.180
No direito romano aparece na Lei das XII Tábuas, por volta de 300 a.C, as
primeiras disposições acerca das obrigações e do contrato quando seria possível
inclusive o credor dispor do corpo do devedor caso ocorresse impontualidade ou
inadimplemento da obrigação.181
No Corpus Juris Civilis, momento máximo do direito romano, consolida-se
o contrato como uma espécie do gênero convenção, passando a ser reconheci-
do pelo direito civil como instrumento dotado de força obrigatória e de direito
de ação por parte daquele que lesado em juízo. A outra espécie do gênero da
convenção era o pactum, que não conferia às partes o direito de ação. As distin-
ções entre contrato e pacto irão desaparecer por volta de 1800 quando Savigny irá
dispor que todas as convenções seriam dotadas de força vinculante e, portanto,
capazes de munir o credor de ação para perseguir em juízo a prestação ou espécie
equivalente. 182
O conceito moderno de contrato, no entanto, é formado por uma conuên-
cia de correntes de pensamento dos canonistas e da escola do direito natural. Da
primeira corrente adveio a ideia de consensualismo e de fé-jurada, já da segunda
mais racionalista e individualista, a lógica de que o nascimento das obrigações
seria oriundo da livre vontade dos contratantes.
Enquanto dos canonistas o respeito à palavra dada e o dever de veracidade
justicariam a necessidade das partes cumprirem reciprocamente as obrigações
179 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
180 DAIBERT, Jeerson apud RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2015.
181 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
182 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do direito civil: contratos. v. 3. 18 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2014.
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pactuadas, para a escola do Direito Natural a ideia é de que o consentimento basta
para obrigar porque forma um compromisso a ser honrado pelas partes com base
no dever de veracidade.183
Ambas escolas, portanto, atribuem como elementos básicos do contrato a
autonomia de vontade das partes. Com o Código de Napoleão a autonomia de
vontade recebe status de princípio quando normatizado que as convenções legal-
mente formadas tornam-se lei entre as partes.
No entanto, com o passar do tempo e consequente desenvolvimento das ati-
vidades e das relações sociais a função do contrato é ampliada. O contrato como
norma imutável e obrigatória entre as partes começa a chocar-se com a disparida-
de de conhecimento e de poder entre os contratantes e por isso passa a não con-
seguir mais sempre cumprir seus objetivos, sejam eles econômicos, civilizatórios
ou mesmo educativos.
Em suma, o modelo contratual formatado no simples acordo vontades que
gera necessidade de observância de seus termos como se lei fosse, aliado ao libe-
ralismo econômico responsável pela ideia basilar de que todos são iguais perante
a lei, demonstra-se incapaz de solucionar de forma equânime todos os atritos da
sociedade moderna.
Ao analisar este tema, Guido Alpa sustenta que com o passar do tempo uma
interpretação objetivista dos contratos passou a considerar praticamente apenas
o que manifestado pelos contratantes (limitação ao senso literal das palavras pos-
tas), deixando de lado a situação na qual as partes se encontravam quando da
formalização do mesmo, ou seja, a posição de partida em que se encontravam os
contratantes quando da negociação do contrato.184
Algumas técnicas foram criadas para solucionar eventuais conitos entre de-
claração e real vontade, como a coerência entre as cláusulas contratuais, situação
já tratada no capítulo anterior.
Ocorre que numa sociedade onde o consumo, e, por consequência, os con-
tratos passaram a ser produzidos em massa, a ideia de preservação absoluta da
vontade de contratar, quando a liberdade contratual deveria ser protegida porque
é liberdade, não porque é sinônimo de justiça, começa a ser superada.185
183 GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008
184 ALPA, Guido. I principi generali, Tratatto di Diritto Privato, a cura di Giovanni Iudica e Paolo
Zatti. 2ª ed. Milano: Giurè, 2006.
185 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. Direito dos contratos: estudos. Coimbra: Coimbra Editora, 2007.
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