Negócio jurídico

AutorFelipe Probst Werner
Ocupação do AutorDoutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Páginas1-49
Capítulo 1
NEGÓCIO JURÍDICO
A primeira parte deste estudo visa trazer elementos que serão os alicerces para
o resultado nal da pesquisa. Sabe-se que a responsabilidade civil, ainda que te-
nha um caráter preventivo, é uma consequência de uma relação jurídica pretérita.
Esta situação anterior ou causadora da responsabilidade pode ser contratual
ou não contratual, mas é acerca daquela oriunda dos negócios jurídicos que se
dará maior ênfase no início deste estudo porque sem relação jurídica contratada
entre particulares, pouco provável seria existir responsabilidade extracontratual,
explica-se: os negócios jurídicos são os propulsores da economia social porque
com base neles é que serão promovidos intercâmbios entre produção de coisas
e trabalho na sociedade. Sem negócios jurídicos, a tendência é que a sociedade
que estagnada, presa numa inércia que desencoraja a realização de atividades e
assunção de riscos, que, por este motivo, diminui sobremaneira a possibilidade de
qualquer responsabilidade extracontratual por ausência de atividade social.
Para melhor compreender o que acima disposto, interessante retroceder um
pouco no tempo para vericar que já naquelas sociedades primitivas existia ele-
mento organizador fundado basicamente no princípio do parentesco. Gravitava,
nessa época, a sociedade em torno de uma segmentação familiar na qual cada
ente assumia uma posição nas relações de parentesco, quem não estava na família
encontrava-se fora do direito.
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FELIPE PROBST WERNER
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Com o incremento da complexidade das interações humanas o princípio do
parentesco lentamente começa a desaparecer dando espaço a uma nova organiza-
ção social e ao aparecimento da polis (sociedade política). O surgimento dos mer-
cados e a posição do comerciante irá permitir que as necessidades sejam supridas
por não-parentes, será neste ponto que começa-se a denir quem é quem ou qual
sua posição na sociedade. O direito, que até então confundia-se com as maneiras
de agir do povo passa a ligar homens livres com diferentes funções neste novo
tipo de sociedade, consequentemente, passa o direito a incluir toda a sociedade,
independente de estar-se ou não num grupo familiar.1
Com o direito recaindo sobre toda a sociedade irão surgir negócios que so-
frerão regulamentações e serão o carro-chefe do desenvolvimento social. À res-
ponsabilidade, por honrar com estes compromissos, dá-se o nome de contratual,
mas, como esses negócios podem vir a afetar não participantes diretos da relação
operacionalizada, necessário foi o direito prever, também, um instituto de res-
ponsabilidade que protegesse pessoas que não necessariamente participaram do
negócio, à esta dá-se o nome de extracontratual.
A ideia, neste momento, não é esgotar o tema da responsabilidade civil, mes-
mo porque este será tratado ao nal do estudo, pois como já mencionado, antes
da responsabilidade vem o negócio jurídico. Como o presente estudo é focado nas
relações de consumo, são os negócios jurídicos de consumo que serão abordados
neste capítulo.
1.1 O CONTEXTO DO NEGÓCIO JURÍDICO
Desde as sociedades arcaicas o ser humano, com o escopo de garantir sua
sobrevivência, vê-se obrigado a construir relacionamentos com seus semelhantes.
Foi com o desenvolvimento social que as relações começaram a passar de uma
campo estritamente verbal e costumeiro para a forma reduzida expressada de for-
ma escrita (inicialmente cuneiforme).2
Com o aumento da complexidade das relações sociais e a racionalização do
Estado na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o direito viu-se con-
centrado nas mãos de um soberano, que, a partir daí, transcreveria costumes em
normas escritas com aplicabilidade em todo o Estado.
1 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 8
ed. São Paulo: Atlas, 2015.
2 PALMA, Rodrigo Freitas. História do direito. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
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NEGÓCIO JURÍDICO
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O acúmulo dessas normas faz surgir uma necessidade de organização dos te-
mas que juntos acabam sendo denominados pelos teóricos do direito como siste-
ma.3 Acerca do sistema hierárquico (piramidal) ou formado em rede, muitos são
os debates, mas, certo é que esta organização das normas a partir do Século XIX
culminará por criar as grandes codicações do direito, destacando-se para o direi-
to civil ocidental aquelas provenientes da França, Alemanha e Itália.4
Nestas codicações as normas são abstratas, isto é, preveem hipóteses de fato,
são classicadas por tipo e orientadas segundo diretivas de valoração jurídica
criadas pelo espírito humano. A doutrina convencionou chamar tais situações de
fatispecie5, que quando se implementam no mundo fático, uma consequência ju-
rídica já prevista na norma passa a ser automaticamente produzida.6
O homem criou, portanto, algumas situações hipotéticas para que quando
uma situação real ocorra e se enquadre àquela hipotética um resultado seja pro-
duzido. Tal resultado pode ser uma criação, modicação ou extinção de direito;
uma permissão; uma sanção, dentre outras formas de manifestação do direito.
Jean-Jacques Rousseau em sua obra “do contrato social” sustenta que a con-
sequência produzida pelo ordenamento jurídico deve obrigatoriamente ser aceita
por aqueles à quem a norma está direcionada porque “nunca o mais forte o é tanto
para ser sempre senhor, se não converte a força em direito, e em dever a obediên-
cia”. Para o autor, vontade geral seria a cessão de parcelas de liberdade em prol de
um bem maior, qual seja, defender e proteger cada sócio e seus bens com toda a
força comum, unindo-se cada um a todos.7
Acerca desta confabulação de Rousseau importante é trazer o comentário de
Norberto Bobbio, que sustenta serem duas as maneiras de conceber o contrato
social: a hobbesiana, quando o contrato seria a renúncia completa a todos os di-
reitos do estado natural, que seria o poder civil sem limites; e a lockiana, quando
o poder civil seria fundamentado no objetivo de assegurar o melhor gozo dos
direitos naturais. Argumenta o autor que
3 LOSANO, Mario G. Modelos teóricos, inclusive na prática: da pirâmide à rede. Novos
paradigmas nas relações entre direitos nacionais e normativas supraestatais. Revista do Instituto
dos Advogados de São Paulo.. v. 8. n. 16. São Pau lo: Revista dos Tribunais, 2005.
4 SCHIOPPA, Antonio Padoa. História do direito na Europa: da Idade Média à Idade
Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
5 Ou fatispécie, proveniente do latim facti species, em tradução livre: gura do fato.
6 BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Campinas: Servanda, 2008.
7 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 26.
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