A responsabilidade do comerciante pelo dano moral nas relações de consumo

AutorFelipe Probst Werner
Ocupação do AutorDoutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Páginas103-166
Capítulo 3
A RESPONSABILIDADE DO
COMERCIANTE PELO DANO MORAL
NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
3.1 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Sendo o ser humano um ser social por sua própria natureza, o desenvolvi-
mento de regras de como proceder ou normas de conduta é inevitável. “A vida em
sociedade, sendo condição natural do homem, necessita de organização, regula-
mentação, ordem nas relações entre as pessoas331.
Sabe-se que atualmente a responsabilidade civil é fundamentada em três ele-
mentos principais: dano, culpa e relação entre o ato culposo praticado e o dano.
Nem sempre, contudo foi assim.
Na sociedade primitiva uma situação que causasse dano provocava imediata-
mente uma reação instintiva do ofendido ou lesado. A lógica era de simples vin-
gança privada quando a reparação do mal era feita com novo mal, com a justiça
feita com as próprias mãos.332
331 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações: 2a. parte.
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 499.
332 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
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FELIPE PROBST WERNER
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Não fosse imediata a reação, seria posterior, situação que passou ser possível
após o início da regulação do poder público, como, por exemplo, no Código de
Hamurabi e na Lei das XII Tábuas, com penas de “olho por olho, dente por dente”,
hoje identicadas como penas de talião.333
Leciona Nehemias Melo que a responsabilidade civil é um mecanismo de
defesa de agressões desenvolvido pela civilização para defender-se dela mesma.
Salienta o autor que nos primórdios da civilização o homem se defendia das
agressões sofridas com suas próprias forças prevalecendo o sentimento de vin-
gança e justiça com as próprias mãos. O primeiro passo evolutivo da “vingança
com as próprias mãos” ocorreu com o Código de Hamurabi por volta do século
XXIII a.C. que começou a dar a possibilidade de reparação de dano à custa de
pagamento de valor em pecúnia como forma alternativa de punição ao ofensor.334
O tema começa a tomar contornos na antiguidade clássica quando já no
Século III a.C., Epicuro, com suas máximas principais, sustentava que o justo da
natureza seria “o símbolo do interesse que há em não nos prejudicarmos nem
sermos prejudicados mutuamente335. Segundo o lósofo grego, a justiça seria a
aplicação da regra ou esquema mental de não prejudicar ninguém para também
não ser prejudicado.
Para Alvino Lima, será no direito romano o início da passagem da vingança
privada para o domínio jurídico. O desenvolver da intervenção do poder público
traz inicialmente possibilidade de composição voluntária do dano, quando pode-
ria o lesado transigir com o ofensor com soma de dinheiro ou entrega de objetos
deste àquele.336
A voluntariedade da composição entre lesado e ofensor num período subse-
quente passa a ser obrigatória. Neste ponto abole-se a reação por meio de vingan-
ça privada que passa a ser substituída por um quantum pecuniário xado pelo
poder público, seja para os cofres públicos, quando o dano era contra à ordem ou
coisa pública, seja para a vítima, quando o delito era privado.337 A superação da
retaliação por meio de vingança privada irá evitar situações em que se chegava a
um duplo dano, o daquele primeiramente ofendido, e o do próprio ofensor, depois
de punido.
333 PALMA, Rodrigo Feitas. História do direito. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
334 MELO, Nehemias Domingos de. Lições de direito civil: obrigações e responsabilidade civil.
v. 2. São Paulo: Atlas, 2014.
335 EPICURO. Máximas principais. São Paulo: Loyola, 2010, p. 49.
336 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
337 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
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A RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE PELO
DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
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Notável o desenvolvimento da responsabilidade civil ocorrerá no direito ro-
mano com a Lex Aquilia, quando passa a ser possível a reparação de dano não
decorrente de um contrato prévio. Segundo Washington de Barros Monteiro, será
a Lei Aquília que irá introduzir no direito “os primeiros alicerces da reparação
civil em bases mais lógicas e racionais”338.
A Lei Aquília, será a responsável por esboçar um princípio geral regulador da
reparação do dano, sendo dela, as raízes para a noção de culpa339.340 Era composta
por três capítulos, sendo o mais importante aquele que tratava do damnun injuria
datum (prejuízo causado a bem alheio), que consistia na destruição ou deteriora-
ção de coisa alheia sem que houvesse escusa legal.341 Sustenta Maria Helena Diniz
que o damun injuria datum será a resposta do direito romano por um prejuízo
causado a bem alheio que empobreça o lesado, mesmo sem enriquecer o lesante.342
Ainda no direito romano este tipo de responsabilidade civil ampliou-se à si-
tuações de lesão ao homem livre, às coisas móveis, documentos, dentre outros.
Passou a não mais ser necessário o estrago físico ou material para que houvesse
um dever de ressarcimento pecuniário pelo ofensor à vítima.343
Por esta razão, pode-se armar que a Lex Aquilia é que irá estabelecer a base da
responsabilidade civil extracontratual, pois criou uma forma pecuniária de inde-
nização de prejuízos ou danos sofridos ao estabelece-lhes um valor indenizatório.
Após a celebrada lei romana será possível perceber que na Idade Média serão
estruturadas as ideias de dolo e culpa.
Já na Idade Moderna o direito francês, com o Código Civil Napoleônico de
1804, será aquele que irá xar a regra geral de que o culpado deve indenizar sua
vítima.
338 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações: 2a. parte.
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 501.
339 Sobre a culpa e a Lex Aquila pode-se encontrar autores que sustentam que apenas com
culpa haveria delito, como Ihering; e outros que têm opinião oposta, como Emilio Betti, que
entendem que a culpa não era elemento constitutivo do delito da lei. Fato é que ambas as
doutrinas entendem que a culpa possui suas mais íntimas raízes nesta revolucionária lei.
340 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
341 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
342 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. 28 ed. São
Paulo: Saraiva, 2014.
343 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
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