A contribuição dos tribunais internacionais à evolução do direito internacional contemporâneo

Páginas11-66
Capítulo II
A CONTRIBUIÇÃO DOS TRIBUNAIS
INTERNACIONAIS À EVOLUÇÃO
DO DIREITO INTERNACIONAL
CONTEMPORÂNEO1
Sumário: I. Introdução. II. A Gradual Realização do Ideal da Justiça
Internacional, e Não Apenas Inter-estatal. III. A Coexistência dos Múltiplos
Tribunais Internacionais Contemporâneos e a Expansão da Jurisdição
Internacional. 1. A Corte Internacional de Justiça. 2. Os Tribunais
Internacionais de Direitos Humanos. 3. Os Tribunais Penais Internacionais.
IV. A Multiplicidade dos Tribunais Internacionais Contemporâneos e a
Expansão da Subjetividade e Responsabilidade Internacionais. V. O Diálogo
dos Múltiplos Tribunais Internacionais Contemporâneos. 1. A Reunião de
Luxemburgo de 2002. 2. A Reunião de Manágua de 2007. VI. O Advento
das Convergências Jurisprudenciais no Labor dos Tribunais Internacionais
Contemporâneos. VII. A Coordenação no Labor dos Tribunais
Internacionais Contemporâneos Frente a Sua Missão Comum. VIII. O
Jus Necessarium: Avanços Rumo à Jurisdição Internacional Obrigatória.
IX. O Primado do Direito nos Debates Correntes da Organização das
Nações Unidas. X. Conclusões: Os Avanços na Realização do Ideal da
Justiça Internacional. 1. A Relevância dos Princípios Gerais do Direito. 2.
A Unidade do Direito. 3. A Jurisdição Internacional como Co-partícipe
da Jurisdição Nacional na Realização da Justiça. 4. A Contribuição dos
Tribunais Internacionais Contemporâneos ao Primado do Direito.
I. INTRODUÇÃO
Damos inicío hoje, 15 de agosto de 2013, a esta Conferência sobre O Di-
reito Internacional frente à Busca do Primado da Justiça, aqui na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no momento em que têm início na Haia,
1 Aula magna proferida pelo Autor na Conferência Internacional realizada no auditorio
da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no Rio de
Janeiro, em 15 de agosto de 2013.
Book-3a.ED-TRIBUNAIS INTERNACIONAIS.indb 11 01/12/18 14:44
ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE
12
de onde cheguei há pouco, as comemorações do centenário da inauguração
do Palácio da Paz em 1913. O referido Palácio passou a abrigar a chamada
Corte Mundial (Corte Permanente de Justiça Internacional [CPJI] seguida em
1945 da atual Corte Internacional de Justiça [CIJ]), desde que veio a operar
em 1922. Os antecedentes históricos dos tribunais internacionais remontam,
no entanto, a ns do século XIX; como não é meu propósito aqui abordá-los,
permito-me fazer referência a dois de meus mais recentes livros, publicados
em Brasília e em Buenos Aires, em que examino este ponto mais detidamente2,
e passar de imediado aos propósitos do presente estudo.
Constitui para mim motivo de grata satisfação este congraçamento, em
nosso país, em torno da temática O Direito Internacional frente à Busca do
Primado da Justiça, entre a Academia Brasileira de Letras Jurídicas (ABLJ), a
Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI) e a Sociedade Latinoa-
mericana de Direito Internacional (SLADI), com o valioso respaldo da UERJ.
No presente estudo, começarei por examinar a gradual realização do ideal da
justiça internacional (e não apenas interestatal), e a expansão da jurisdição in-
ternacional mediante a coexistência e operação dos múltiplos tribunais inter-
nacionais contemporâneos. A partir daí abordarei a conseqüente expansão da
subjetividade e responsabilidade internacionais.
Em seguida, examinarei o diálogo dos múltiplos tribunais internacionais
contemporâneos, e o resultante advento das convergências jurisprudenciais
no labor dos tribunais internacionais contemporâneos. Também passarei em
revista a coordenação no labor dos tribunais internacionais contemporâne-
os frente a sua missão comum, e os avanços já alcançados rumo à jurisdição
internacional obrigatória. Após examinar os debates correntes nas Nações
Unidas acerca do primado do Direito (nos planos nacional e internacional), o
campo estará aberto à apresentação de minhas conclusões sobre os avanços na
realização do ideal da justiça internacional, concentrando-me em três pontos,
a saber: a relevância dos princípios gerais do direito, a unidade do direito, e a
jurisdição internacional como co-partícipe da jurisdição nacional na realiza-
ção da justiça.
2 A.A. Cançado Trindade, Os Tribunais Internacionais Contemporâneos, Brasília, FUNAG,
2013, pp. 9-132; A.A. Cançado Trindade, Los Tribunales Internacionales Contemporáneos y
la Humanización del Derecho Internacional, Buenos Aires, Ed. Ad-Hoc, 2013, pp. 7-185.
Book-3a.ED-TRIBUNAIS INTERNACIONAIS.indb 12 01/12/18 14:44
OS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS E A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA
13
II. A GRADUAL REALIZAÇÃO DO IDEAL DA JUSTIÇA
INTERNACIONAL, E NÃO APENAS INTERESTATAL.
Permito-me, de início, ressaltar que o advento da jurisdição internacio-
nal permanente, ao início do século XX, não se deixou marcar por uma visão
puramente inter-estatal do contencioso internacional. É certo que, quando da
elaboração e adoção, em 1920, do Estatuto da CPJI, se fêz uma opção por uma
dimensão estritamente inter-estatal para o exercício da função judicial inter-
nacional em matéria contenciosa. No entanto, – como recentemente ressaltei
em meu Voto Arrazoado (pars. 76-81) no Parecer Consultivo da CIJ sobre
um Revisão de Sentença do Tribunal Administrativo da OIT, por Reclamação
do FIDA (de 2012), – fêz-se tal opção não por uma necessidade intrínseca,
nem por ser a única maneira de proceder, mas sim, tão somente para atender
ao ponto de vista prevalecente no seio do Comitê de Juristas encarregado de
redigir o Estatuto da CPJI.
Não obstante, já naquela época, há cerca de 90 anos, o Direito Interna-
cional não se reduzia a um paradigma puramente inter-estatal, e já conhe-
cia experiências concretas de acesso a instâncias internacionais, em busca de
justiça por parte não somente de Estados mas também de indivíduos (e.g., a
Corte Centroamericana de Justiça, a projetada Corte Internacional de Presas
Marítimas, os sistemas de minorias e mandatos). O fato de não ter o Comitê de
Juristas considerado como chegado o momento para conceder acesso, à CPJI,
a sujeitos de direito outros que os Estados (e.g., os indivíduos) não signicou
uma resposta denitiva à questão. Continuou ela a ocupar as atenções da dou-
trina jurídica já naquela época, e indivíduos e grupos de indivíduos passaram
a ter acesso a outras instâncias internacionais3, resguardando-se a CIJ tão só
para as demandas por parte dos Estados.
Isto tampouco impediu a CPJI de ocupar-se prontamente de assuntos ati-
nentes ao tratamento de minorias e habitantes de cidades ou territórios com
estatuto jurídico próprio. Com efeito, a CPJI foi mais além da dimensão inter-
-estatal, nas considerações que desenvolveu no exame destes assuntos. Cedo o
articialismo da dimensão interestatal se tornou patente, já nos primórdios da
jurisprudência da CPJI. Ademais, ainda nos travaux préparatoires do Estatuto
3 Cf. A.A. Cançado Trindade, e Access of Individuals to International Justice, Oxford,
Oxford University Press, 2011, pp. 1-236; A.A. Cançado Trindade, Évolution du Droit
international au droit des gens – Laccès des particuliers à la justice internationale: le regard
d’un juge, Paris, Pédone, 2008, pp. 1-187; A.A. Cançado Trindade El Acceso Directo del
Individuo a los Tribunales Internacionales de Derechos Humanos, Bilbao, Universidad de
Deusto, 2001, pp. 9-104.
Book-3a.ED-TRIBUNAIS INTERNACIONAIS.indb 13 01/12/18 14:44

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT