Convivência entre pais e filhos e famílias reconstituídas

AutorMário Luiz Delgado e Flávia Brandão Maia Perez
Páginas499-519
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CONVIVÊNCIA ENTRE PAIS E FILHOS
E FAMÍLIAS RECONSTITUÍDAS
Mário Luiz Delgado
Doutor em Direito Civil pela USP e Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP.
Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco.
Professor de Direito Civil na Escola Paulista de Direito – EPD. Diretor do Instituto dos
Advogados de São Paulo – IASP e Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do
IBDFAM. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil – ABDC.
Flávia Brandão Maia Perez
Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Espírito Santo
e em Direito das Famílias e Sucessões pela Damásio. Presidente do IBDFAM/ES.
Advogada.
“...o pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem.
Tudo ilusão. Não existe “família Oswaldo Aranha”, “Família à Rossini”, Família À Belle
Meuniere” ou “Família ao Molho Pardo” – em que o sangue é fundamental para o pre-
paro da iguaria. Família é anidade, é “à Moda da Casa”. E cada casa gosta de preparar
a família a seu jeito” (Francisco Azevedo. O arroz de palma)
Sumário: 1. Notas introdutórias – 2. Família e famílias: a evolução da instituição nos vinte anos
do CC/2002 – 3. As famílias reconstituídas: a nova cara da família brasileira? – 4. Guarda e poder
familiar – 5. O exercício do poder familiar nas famílias reconstituídas; 5.1 Poder familiar nas rela-
ções de padrastio; 5.2 O poder familiar nas famílias reconstituídas multiparentais – 6. Convivência
paterno/materno-lial: dever moral ou dever jurídico? – 7. O regime de convivência nas famílias
reconstituídas multiparentais – 8. Alienação e autoalienação parental nas famílias reconstituídas
pluriparentais – 9. Notas conclusivas.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
O tempo das leis não é o tempo dos homens. A Constituição Cidadã já completou
33 anos de promulgação e muitos de seus dispositivos sequer foram regulamentados.
Novos princípios constitucionais são descobertos a cada dia. Sem falar na força nor-
mativa dos princípios, a imantar de normatividade searas antes inalcançáveis pelo
direito positivo de matriz kelseniana. O direito positivo de hoje (para alguns direito
pós-positivo ou pós-positivista) encontra-se impregnado de princípios e de valores,
plenos de normatividade.
Essa digressão inicial tem por escopo apenas ressaltar que, ao completar 20 anos,
o CC/2002 mal começa a dar os primeiros passos no playground da cidadania. E não
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somente porque infante, mas também porque foi concebido para não envelhecer, ou
pelo menos não envelhecer no mesmo ritmo de outros códigos ou estatutos.
Mas qual seria esse elixir da juventude do CC/2002? A sua principiologia. É um
código principiológico e valorativo, que incorporou elementos antes considerados
fora do Direito, a exemplo da moral e dos valores. É um código repleto de cláusulas
gerais e de conceitos jurídicos indeterminados, a permitir a incessante apreensão
das novas realidades.
Um código que está sendo construído a cada dia. Escrito e reescrito pelas pe-
nas da doutrina e da jurisprudência. E quanta coisa já foi escrita nas últimas duas
décadas. Basta citar as oito jornadas de Direito de Civil promovidas pelo CEJ-CJF
que aprovaram mais de 600 enunciados de interpretação do Código Civil. A leitura
desses enunciados é quanto basta para que se compreenda o que signif‌ica a constru-
ção diária do CC/2002.
Especif‌icamente no Direito de Família situam-se as maiores transformações
verif‌icadas ao longo desses 20 anos. São tantos os temas, a começar pelas novas fa-
mílias, com a tutela das entidades familiares atípicas, pelas novas formas de f‌iliação
e de parentalidade, incluindo a multiparentalidade, o compartilhamento da guarda e
das responsabilidades parentais, o reconhecimento do “afeto” como valor jurídico, o
f‌im da culpa na separação e no divórcio, a coparentalidade como forma de exercício
da parentalidade responsável, e tantas outras “revoluções” somente possíveis em
razão da textura aberta do CC/2002.
Partindo desse novo cenário, pretendemos analisar as modif‌icações verif‌icadas
no exercício do poder familiar nos últimos 20 anos, com o olhar voltado para as
famílias reconstituídas e, especialmente, para o regime de convivência entre pais e
f‌ilhos nas famílias multiparentais.
2. FAMÍLIA E FAMÍLIAS: A EVOLUÇÃO DA INSTITUIÇÃO NOS VINTE ANOS
DO CC/2002
A família, base de toda a sociedade desde os primórdios, é a instituição cujo con-
ceito mais se alterou no tempo. Com um breve passar de olhos na história, verif‌ica-se
que nos idos mais remotos, era normal a prática da poligamia, pelos homens, e da
poliandria, pelas mulheres. Com a evolução do estado primitivo de promiscuidade,
formaram-se, gradativamente, as famílias punaluana, sindiásmica e monogâmica.
A partir da obra de Engels e do conceito de cada uma dessas formações familia-
res, vemos a passagem do matriarcalismo ao patriarcalismo, relacionada sempre ao
início da propriedade privada e do Estado. Assim, para Engels, família punaluana,
cuja palavra quer dizer associação, referia-se aos casamentos em grupos de irmãos e
irmãs, carnais e colaterais, presentes em comunidades tribais e mesmo em determina-
das castas sociais em estados organizados, como ocorria na realeza egípcia. A família
sindiásmica surge após a proibição do incesto e é marcada pelas uniões por casal,
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