'A Corte': especulações indecisas sobre o futuro da Corte Internacional de Justiça

AutorAlain Pellet
Ocupação do AutorProfessor emérito da l'Université Paris Ouest Nanterre La Défense. Antigo membro e Presidente da Comissão de Direito Internacional. Presidente da Sociedade Francesa para o Direito Internacional. Membro do Instituto de Direito Internacional.
Páginas103-140
“A Corte”: especulações indecisas sobre o futuro
da Corte Internacional de Justiça1
Alain Pellet2
Para Habib Slim, esse “dever de amizade”3, sobre um assunto
que ele conhece bem e que ele “praticou4
A Corte!”. Quem, assistindo pela primeira vez a uma audiência da
Corte Internacional de Justiça, não cou impressionado com essas duas
palavras anunciadas pelo meirinho, de costume, no momento da chegada
dos Juízes? E toda a assembleia se levanta, como na celebração da santa
missa. Tal é o ritual imutável seguido na abertura de cada audiência da
Corte, que parece congelado no tempo desde a criação da CPJI em 1920 –
a primeira jurisdição internacional permanente, pois a Corte Permanente
1 Esta contribuição foi preparada com a ajuda preciosa de Benjamin Samson (CE-
DIN, Université Paris Ouest, Nanterre La Défense). Traduzido para a língua por-
tuguesa por Lucas Carlos Lima e Nina Soares França.
2 Professor emérito da l’Université Paris Ouest Nanterre La Défense. Antigo membro
e Presidente da Comissão de Direito Internacional. Presidente da Sociedade Fran-
cesa para o Direito Internacional. Membro do Instituto de Direito Internacional.
3 V. H. Slim, “Observations préliminaires sur la résolution 1973 et sur la mise en
œuvre de la responsabilité de protéger par le Conseil de sécurité”, in J.-F. AKAND-
JI-KOMBÉ (dir.), L’homme dans la société internationale. Mélanges en hommage
au Professeur Paul Tavernier, Bruylant, 2013, p. 375.
4 O dedicatário dessas linhas foi conselheiro jurídico do governo tunisiano no caso da
Plataforma Continental (Tunísia/Jamahiriya Árabe Líbia) (v. CIJ Recueil 1982, p. 19).
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Arno Dal Ri Júnior e Lucas Carlos Lima
de Arbitragem (CPA) possuía apenas o adjetivo em seu nome. Pode-se ver
aí o sinal de que a Corte mundial permanece “a” jurisdição internacional
par excellence, que resiste à usura do tempo sem criar rugas.5 Ou não se-
ria esse cerimonial (e também outros arcaísmos) apenas uma maneira de
tentar “reparar [ou negar] o estrago irreparável dos anos”6?
A resposta não é evidente, mesmo para uma gura familiar no
pretório. Nós podemos car entediados com o formalismo do procedi-
mento, lamentar o seu peso e perder a paciência com sua lentidão, ao
mesmo tempo em que admitimos que suas falhas – algumas – possuem
seu reverso positivo: elas são talvez necessárias a uma justiça metódi-
ca, cuja solenidade fortalece a autoridade. Porque o prestígio da Corte
(“la” Cour), mesmo que ela seja desprovida de autoridade sobre outras
jurisdições internacionais que se multiplicaram7 ao nal do século XX,
permanece intacto.
ESTADO DAS COISAS
Sabe-se: “Somente os Estados poderão ser partes em questões pe-
rante a Corte” (artigo 34, parágrafo 1, do Estatuto) e, segundo o artigo
35, “[a]s condições pelas quais a Corte estará aberta a outros Estados
serão determinadas pelo Conselho de Segurança, ressalvadas as dispo-
sições especiais dos tratados vigentes”. Mas hoje todos os Estados re-
conhecidos como tais são membros das Nações Unidas, o que torna a
questão puramente teórica. Além do Estado da Palestina, estão privados
do pretório da alta jurisdição somente as entidades cujo status estatal é
contestado – como o Saara Ocidental, a Santa Sé ou Taiwan.
5 V. L. CONDORELLI, “La Cour internationale de Justice: 50 ans et (pour l’heure),
pas une ride”, ESIL, 1995, vol. 6, nº 3, pp. 388-400.
6 J. RACINE, Athalie , acte II, scène V (« Le songe d’Athalie»).
7 Alguns teriam escrito “proliferado” mas a palavra possui uma conotação negativa
equivocada, rejeitada pelo autor da presente contribuição – v. infra, par. 49.
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A jurisprudência da Corte Internacional de Justiça
Quanto às organizações internacionais, elas podem apresentar à
Corte uma demanda de caráter consultivo, com base no artigo 96 da
Carta das Nações Unidas e em conformidade com o procedimento des-
crito nos artigos 65 a 68 do Estatuto da Corte. A Assembleia Geral e o
Conselho de Segurança podem fazê-lo de pleno direito (muito embora
o Conselho jamais tenha feito uso dessa oportunidade, em oposição ao
que era a prática do Conselho da Sociedade das Nações perante a CPJI).
“Outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas, que fo-
rem em qualquer época devidamente autorizados pela Assembleia
Geral, poderão também solicitar pareceres consultivos da Corte sobre
questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades” (artigo
96, parágrafo 2, da Carta). Além disso, em virtude do artigo 34 do Es-
tatuto, a Corte “poderá solicitar informação [....] sobre as questões que
forem submetidas [...] e receberá as informações que lhe forem presta-
das” por organizações internacionais públicas, o que exclui, portanto, as
ONGs. Existem meios para outros atores intervirem no processo judi-
ciário perante a CIJ8, mas essas possibilidades não têm inuência sobre
o número de casos levados à Corte, que é unicamente determinado pe-
los Estados e pelas organizações internacionais.
Considerando-se essas limitações estatutárias, é possível presumir
que a atividade judiciária da Corte permanecerá estável, ou, ainda, que
se expandirá? Ou seria o caso de temer um retorno à situação dos anos
1960, quando, não apenas por causa do impacto negativo do infeliz jul-
gamento de 1966 no caso do Sudoeste Africano, o entusiasmo pela Corte
estava em seu ponto mais baixo: entre 1960 e 1975, somente doze novos
casos foram submetidos à Corte (dos quais alguns eram requerimen-
tos múltiplos para o mesmo caso9) e nenhum processo foi introduzido
8 V. infra, par. 24.
9 Veja os casos Sudoeste Africano (Etiópia v. África do Sul e Libéria v. África do Sul),
os casos sobre a Plataforma Continental do Mar do Norte (República Federal da
Alemanha/Dinamarca e República Federal da Alemanha/Holanda), a Jurisdição

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